Confraternização
em clima de festa de firma
No último domingo, milhares de
brasileiros saíram às ruas para defender a Lava-Jato, protestar contra o
boicote do Congresso ao pacote anticorrupção e contra a anistia de Caixa 2.
Inexplicavelmente, as manifestações concentraram a revolta em Renan, mas
pouparam Aécio Neves e Michel Temer.
É bastante curioso o recorte escolhido
pelos manifestantes, já que Aécio foi o principal articulador da urgência para
aprovar o pacote anticorrupção, enquanto Michel Temer mobilizou a bancada
governista para tentar aprovar a nova Lei de Leniência e anistia do Caixa 2.
Dois dos principais articuladores do boicote à Lava-Jato foram solenemente
ignorados pelas pessoas de bem que saíram às ruas para defender a operação.
Mas não é justo apontar a confusão dos
manifestantes quando seu messias também parece confuso. Sergio Moro, o juiz que
se tornou o grande símbolo da Lava-Jato, apareceu bastante à vontade ao lado
dos principais articuladores do boicote à operação na festa de premiação dos
Brasileiros do Ano promovida pela revista Isto É.
O que temos nessa foto? Um juiz venerado
graças à fama de implacável contra a corrupção e, em volta dele, o grupo
político que está no poder e atolado até o pescoço em casos de… corrupção. Pouco
antes da festa, um Moro brincalhão disse: “O único pedido que fiz à organização
do evento foi não me colocar na mesma mesa com o Renan e o ministro Marco
Aurélio”. Ao que parece, ter sentado ao lado de um ultradelatado na Lava-Jato
não foi um problema, muito pelo contrário.
Há de se ter muita boa vontade para ver
republicanismo nessa imagem, ainda mais no meio de uma gravíssima crise
política, institucional e econômica. É uma foto para se apreciar ouvindo o
áudio de Jucá & Machado como trilha sonora.
No Senado, Moro chamou de “açodamento” a
tentativa de incluir penas para juízes e promotores no pacote anticorrupção,
mas estava reluzente na festa ao lado de Aécio – o homem que tinha pressa em
aprovar o “açodamento”. Mesmo assim, é possível ver os dois cochichando e até
gargalhando nas fotos do evento.
De repente, o açodamento virou
adoçamento. Não é demais lembrar que Moro é o juiz à frente de uma operação em
que Aécio já foi deletado diversas vezes por diferentes acusadores e nunca foi
convocado nem para tomar um cafezinho na Polícia Federal. Fica parecendo que,
apesar da fartura de indícios e testemunhas em torno das propinas de Aécio,
ainda falta aquela jabuticaba jurídica chamada convicção.
A foto me lembrou bastante dos estreitos
laços de amizade entre o senador e Gilmar Mendes. Talvez seja o caso do
judiciário brasileiro eleger Aécio o Brasileiro do Ano.
A imagem (que está como destaque na
matéria) virou o assunto mais comentado no mundo no Twitter. Na noite da
premiação, o UOL chegou a publicá-la com destaque. Mas, inexplicavelmente, a
foto foi trocada* pouco tempo depois.
Não vamos especular os motivos da troca,
mas, de qualquer forma, lembrou muito o episódio “Podemos tirar se achar
melhor”, protagonizado pela Reuters.
Serra, acusado em delação da Odebrecht
de ter recebido milhões em propina numa conta na Suíça, também bateu um papo
amistoso com Sergio Moro e sua esposa nos bastidores. Segundo Sonia Racy, do
Estadão, a conversa não foi “jurídica ou sobre diplomacia”, mas cercada por
gentilezas e elogios mútuos. Bom, pelo menos, quem sabe, o “chanceler”
finalmente aprendeu o significado da sigla NSA com Moro – um homem muito bem
relacionado com as agências norte-americanas.
O grande herói da recente cruzada contra
a roubalheira participa de eventos organizados por tucanos, é premiado
juntamente com tucanos por grandes empresas de comunicação e não vê nenhum
problema em posar sorridente ao lado de tucanos delatados na Lava-Jato. A
proximidade de Moro com o PSDB é tanta que, na última segunda-feira, ele deixou
os trabalhos de lado e foi participar de um evento comemorativo do governo de
Mato Grosso, convidado pelo governador Pedro Taques (PSDB). Além de distribuir
muita simpatia, Moro não perdeu a oportunidade de elogiar outro tucano:
“Não gosto de falar mal de ninguém, mas
vendo a lista dos deputados federais desse Estado, um único deputado votou
contra essa emenda de criminalização de juízes. Não é política partidária.
Então, vou me permitir falar bem do Nilson Leitão.”
Eu também não gosto de falar mal de
ninguém, mas esse tucano foi delatado por um empresário na Operação Rêmora,
comandada pelo Ministério Público de Mato Grosso. Nilson é acusado de
participar de um esquema fraudulento que desviava dinheiro da Secretaria de
Educação daquele estado. Não me parece ser um deputado elogiável pelo maior
herói anticorrupção do país.
Moro conseguiu um espaço em sua agenda
lotada pelas tarefas da Lava-Jato para ir a um evento promovido por um governo
administrado pelo PSDB e ainda elogiou um deputado do partido acusado de
desviar verbas da Educação. A luta contra a corrupção no Brasil é mesmo muito
curiosa.
Apesar da veneração em torno da figura
de Moro, há outra parcela da população que o acusa de proteger tucanos. Diante
de tantas evidências, essa não é uma percepção vazia, convenhamos. O juiz
parece não estar preocupado e não faz a mínima questão de manter publicamente a
postura imparcial que se espera do cargo.
Só
ficou faltando premiar Eduardo Cunha na categoria Ética
Se o clima no Roda Viva foi de romance, na festa da Isto É foi de paixão. Uma louca paixão. O grande vencedor da noite,
escolhido como o Brasileiro do Ano, foi o presidente não-eleito Michel Temer. A
partir de misteriosos critérios, a revista elegeu um brasileiro altamente
rejeitado pela população, que está envolvido em inúmeros escândalos de
corrupção e que pode até sofrer impeachment por ter cometido crime de
responsabilidade no caso Geddel.
O amor estava mesmo no ar! João Doria Jr
(PSDB) passou o ano inteiro dizendo que não é político, mas foi consagrado pela
Isto É como o maior brasileiro na
categoria “Política”. Só ficou faltando premiar Eduardo Cunha na categoria
Ética.
Foi bonita a festa de confraternização
de fim de ano dessa turma de amigos. Se publicamente não houve nenhum pudor em
revelar tanta promiscuidade, fico imaginando como deve ter sido o coquetel
privé.
* No dia 08/11, depois de muitos
questionamentos nas redes sociais, o UOL colocou de volta a foto original da
reportagem, mas não deu nenhuma explicação sobre a mudança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário