terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Temos que construir frentes com todos afetados por políticas neoliberais, diz Cristina com Dilma em SP


Temos que construir frentes com todos afetados por políticas neoliberais, diz Cristina com Dilma em SP


Em evento realizado pela Fundação Perseu Abramo em São Paulo, Cristina Kirchner e Dilma Rousseff debateram processos políticos em Argentina e Brasil
A ex-presidente argentina, Cristina Kirchner, e Dilma Rousseff, presidente eleita do Brasil, participaram nesta sexta-feira (09/12) em São Paulo da conferência “A luta política na América Latina hoje”, organizada pela Fundação Perseu Abramo.
Durante o evento, que também teve a participação de Monica Valente, secretária de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores, e Iole Ilíada, vice-presidenta da Fundação Perseu Abramo, as duas líderes falaram sobre os processos políticos em Brasil e Argentina, que vivem, cada um a sua maneira, o retorno de governos com agendas neoliberais.
Cristina destacou os feitos dos 13 anos de governos Kirchner na Argentina, e se referiu à crise política que levou à destituição de Dilma Rousseff afirmando que também em seu país houve repetidas tentativas de “gerar crise para não pudéssemos terminar nosso mandato, para que ninguém mais tentasse implementar uma política de autonomia, de soberania, de inclusão, em matéria social, mas também de geração de uma cultura” política diversa.
Para a expresidente argentina, a criação de tal cultura “é um dos mais graves problemas de nossos processos. Conseguimos quebrar barreiras econômicas, mas não conseguimos criar um sentido comum em nossas sociedades de que a sorte dos argentinos ou dos brasileiros não são sortes individuais”. “A sorte na vida de cada um dos que habitam a América do Sul depende das políticas avançadas por seus governos”, afirmou.
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Cristina Kirchner e Dilma Rousseff em evento realizado pela Fundação Perseu Abramo na Casa de Portugal, em São Paulo
“Esta América do Sul”, disse Cristina, “soube ir na contramão do neoliberalismo dos países centrais. Enquanto nós redistribuíamos renda, provocávamos crescimento na produção, no trabalho, nos direitos sociais, em outras partes do mundo o neoliberalismo expulsava pessoas por meio de demissões e flexibilizações trabalhistas e crises de dívida, quando não crises de guerra, provocando milhões de refugiados”.
Segundo a argentina, o neoliberalismo dos anos 1990 promoveu um trabalho permanente na região, “de tal modo que, por meio de formidáveis aparatos midiáticos de comunicação, criou-se um sentimento comum de que as coisas que as pessoas conseguiram não se deviam a um governo ou a políticas”.
“Gerou-se em grande parte da população um sentido de que o que conseguiram foi produto do esforço pessoal. ‘Tenho meu trabalho, que eu consegui, minha casa é fruto do meu esforço’, e claro que é, mas eu pergunto: e antes de que viesse esse governo, não trabalhavam? Não se esforçavam? Não se levantavam às 7 da manha? Seguramente faziam a mesma coisa, mas não há uma política e um país que promova oportunidades, não adianta nenhum esforço pessoal e individual”, disse a ex-presidente argentina.
“E se isso fosse pouco, além de convencer este compatriota de que ele sozinho conseguiu seu trabalho na fábrica, lhe disseram também que o que lhe faltava era culpa do governo, que promovia programas sociais para ‘vagabundos que não querem trabalhar’. ‘Isso que tenho é só meu, e o que é meu o governo está dando para os outros’”, comentou Cristina sobre a disposição de parte da população ao fim de seu governo, e que se relaciona também com a situação no Brasil.
Para a argentina, tal fenômeno levou a uma ruptura na relação das forças sociais e políticas no país, que acabou levando à vitória de Mauricio Macri nas eleições presidenciais de 2015. “Temos que construir frentes sociais com todos aqueles que são agredidos” por políticas neoliberais, afirmou. “Resistir é ótimo, mas temos que nos organizar e ter uma estratégia clara, que volte a modificar esta relação de forças para aqueles setores da sociedade que foram confundidos, pois para além de simpatias e preconceitos ideológicos ou culturais, ninguém consegue te convencer de que comer uma vez por dia é melhor para você permanecer magro, ou que é melhor não viajar nas férias para evitar o trânsito nas estradas”, exemplificou.
 

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“Temos uma responsabilidade perante o conjunto da sociedade, perante a história, de voltar a reagrupar” estes grupos sociais, disse Cristina. “Não podemos justificar somente que os aparatos midiáticos convencem as pessoas. É necessário interpelar a sociedade, a partir de como viviam e do que conseguiram com essas políticas [de governos progressistas] e com as políticas do retorno do neoliberalismo”, afirmou.
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A presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, abriu sua fala destacando a similaridade nas transformações políticas e sociais na região nos últimos 15 anos. “Tivemos um forte movimento de afirmação da democracia e de políticas sociais, que levaram ao aumento de oportunidades, à inclusão, à melhoria na renda de milhões de latino-americanos”, afirmou a brasileira.
Segundo Dilma, este processo se deu contrariamente à tendência que apresentavam “países desenvolvidos, que desde o fim dos anos 1980 e início dos 90 caminharam a passos largos para a implantação de uma nova fase do capitalismo”, com “uma intensa financeirização dos processos, um aumento da desregulamentação principalmente das atividades financeiras mas também dos mercados de trabalho e dos serviços públicos e uma intensificação da privatização de empresas numa clara política de redução da presença do Estado na economia”.
Tal processo, afirmou Dilma, levou a um aumento global da desigualdade social e deixou claro que havia uma “imensa incompatibilidade” entre um sistema que cria “concentração de riqueza e desigualdade de renda” e processos democráticos em todo o mundo.
“Enquanto isso, no Brasil, fazíamos uma forte distribuição de renda, tirando da miséria e elevando à classe média milhões de brasileiros”, disse Dilma em referência aos governos do PT, que administraram o país entre 2003 e 2016. Essa seria a primeira etapa do processo promovido pelos governos dela e de Lula, assim como a extensão de direitos sociais e acesso a serviços públicos para setores até então pouco contemplados ou até excluídos da cidadania.
Para Dilma, este processo foi atacado por setores da sociedade que fomentaram a crise política que culminou em sua destituição por meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, afirmou. Para além do objetivo de impedir as investigações de corrupção da Operação Lava Jato, “o objetivo fundamental do golpe é aproveitar a crise e tentar resolver o conflito distributivo a favor da grande mídia, de segmentos empresariais, de setores conservadores”, disse a ex-presidente.
“Esse processo, que no início se chamou ‘Ponte para o futuro’, hoje tem dois nomes: PEC 55 e reforma ultraconservadora da previdência, e o terceiro nome será flexibilização do trabalho”, afirmou Dilma em referência a medidas avançadas pelo governo Temer a que se opõe grande parte da população. “Não se pode fazer isso em plena democracia”, disse a ex-presidente.

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