O Senado votou nesta terça-feira
(13/12), em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55,
conhecida como PEC do teto dos gastos públicos. Elaborada como uma tentativa de
conter a crise econômica, a proposta fixa um limite para os gastos do governo
pelos próximos 20 anos. No primeiro turno, realizado no final de novembro, os
senadores aprovaram a proposta por 61 votos favoráveis e 14 contrários.
Segundo a PEC 55, a partir de 2018, os
investimentos mínimos para educação e saúde deixam de crescer proporcionalmente
à receita do país e passam a ficar congelados – corrigidos apenas pela inflação
do ano anterior. Como se trata de um piso, e não de um teto, é possível, na
teoria, que a União invista mais que o mínimo estipulado. Mas como as outras
áreas estarão com seus orçamentos limitados, é improvável que sobre dinheiro
para gastos extras com educação e saúde.
Em entrevista à DW Brasil, Claudia
Costin, ex-diretora global de Educação do Banco Mundial, afirma que os impactos
da PEC 55 serão danosos às futuras gerações de alunos. “O Brasil continuará com
o desastre educacional que tem hoje.”
Claudia já foi secretária de Educação da
cidade do Rio de Janeiro, de Cultura do estado de São Paulo e ministra da
Administração e Reforma do governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, vive nos
Estados Unidos, onde leciona na Faculdade de Educação de Harvard. Segundo ela,
é imprescindível que o Brasil invista mais nos salários e na formação dos
professores para aumentar a produtividade dos novos trabalhadores brasileiros.
“Se não conseguirmos avançar nessas
medidas, estaremos condenados a uma educação de baixa qualidade, e o Brasil não
vai conseguir crescer economicamente. O país será uma promessa falida”, afirma
Claudia.
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DW Brasil: Como
avalia os impactos da PEC 55 para a educação?
Claudia Costin: Estamos com um problema
sério e de longo prazo. Acredito que a PEC 55 vai trazer danos graves para a
educação, sem ganhos significativos do ponto de vista fiscal. Não sou contra
medidas de austeridade. Houve uma gestão irresponsável das contas fiscais,
gastando-se mais do que se podia. Mas na tentativa de correção do problema, é
fundamental preservar a educação. Normalmente, quando países têm problemas
fiscais, ao menos os mais desenvolvidos, eles preservam a educação dos cortes.
O Brasil optou por não fazer isso. É uma grande pena.
·
Qual será o ponto
mais prejudicado pelas novas regras para investimentos em educação?
Muitos olham para os números e dizem que
o Brasil já gasta muito com educação. Isso não é verdade. Países que deram
saltos na qualidade da educação tiveram de aumentar os investimentos durante
certo período. Não estamos fazendo o mesmo. Pelo contrário.
Hoje, não investimos o suficiente no
ensino básico e pagamos mal os professores. Acredito que o mais complicado será
lidar com a questão da atratividade da profissão de professor, que vai
continuar baixa pelos próximos 20 anos. Caso não se estabeleça um mecanismo de
revisão logo (antes dos dez anos previstos pela proposta), o Brasil vai
continuar com o desastre educacional que tem hoje.
·
Quais serão as
consequências de não se adotar esses investimentos?
O impacto direto é condenar o Brasil a
uma baixa qualidade da educação das crianças por um período de 20 anos. Nenhum
sistema educacional é melhor que a qualidade de seus professores. Melhorar o
salário do professor é uma das medidas mais importantes para aumentar a
atratividade da licenciatura, para aqueles jovens que ainda vão escolher que
profissão seguir. Pesquisas mostram que os piores alunos tendem a escolher
profissões de baixa atratividade. Corrigir esses salários demanda um esforço
importante, constante e progressivo. Ao congelarmos os gastos por 20 anos, isso
não poderá ser feito. Não é a única medida para melhorar a educação, mas é uma
das mais importantes.
·
O que pode ser
feito para melhorar a educação no país, independentemente da quantidade de
recursos investidos?
O ideal seria, pelo menos, aprovar
revisões dos valores dos investimentos antes dos dez anos – como prevê a PEC
55. Mas mesmo se isso não passar, será preciso mudar a universidade que forma
os professores. Tornar a faculdade de educação e a licenciatura mais
profissionalizantes, preparar melhor os universitários para a profissão de
professor. Também temos de pensar na criação de um processo de ensino mais
adequado para os jovens e adotar um currículo nacional comum (a base nacional
curricular comum já está em processo de elaboração pelo governo), que defina
claramente as expectativas de aprendizagem dos alunos brasileiros. É preciso
que este currículo seja muito mais adequado para as demandas do século 21: que
forme jovens que saibam pensar, aplicar conceitos em situações reais, ler e interpretar
textos de forma analítica. Tudo isso demanda um professor mais bem preparado. É
um esforço que temos de fazer independentemente da PEC do teto dos gastos
públicos.
·
Em que sentido é
preciso melhorar a formação dos professores?
Hoje, a formação dos professores é
excessivamente focada nos fundamentos da educação, como sociologia da educação,
história da educação, filosofia da educação. Os currículos das universidades
que formam professores trabalham muito pouco com a prática. Os cursos de
Engenharia e Medicina, por exemplo, preparam o futuro engenheiro ou médico com
uma abordagem prática e reflexão sobre a prática muito maior. Em educação, isso
não acontece. É urgente mudar os currículos de formação de professores pelas
universidades e os concursos públicos das secretarias municipais e estaduais de
educação para selecionar professores que, durante sua formação, tenham
desenvolvido sua competência de ensinar de forma mais prática, com maior
enfoque na didática.
·
Caso essas
mudanças não sejam adotadas, como vê o país daqui a 20 anos?
Vejo o país estagnado. Uma das questões
mais preocupantes que observamos na economia brasileira é a da produtividade,
que está estagnada em um patamar muito baixo. Com uma produtividade baixa, e
ela tem uma correlação importante com a qualidade da educação e o crescimento
econômico de longo prazo, não vamos crescer. Com menos investimentos em
educação, não vamos conseguir preparar os jovens para o futuro do mercado de
trabalho. Hoje, vários cargos que demandam atividades manuais e intelectuais
rotineiras estão se tornando obsoletos e desaparecendo por causa da automação
do trabalho. O que está sendo cada vez mais valorizado no mercado é a
capacidade de criação, concepção, reflexão crítica, comunicação. E essas
habilidades dependem de uma educação mais sofisticada e de melhor qualidade. Se
não conseguirmos avançar nessas medidas, estaremos condenados a uma educação de
baixa qualidade, e o Brasil não vai conseguir crescer economicamente. O país
será uma promessa falida.
O que garante o crescimento econômico de
longo prazo, especialmente inclusivo, que diminua a desigualdade, é a educação
de qualidade. Se o Brasil colocar no seu projeto de nação a educação como um
eixo estruturador, e investir nela, poderemos ser um país diferente.
·
Conhece outros
países que já adotaram medidas semelhantes ao que a PEC 55 propõe para a
educação?
Não. No Brasil, quem usa os serviços de
educação e saúde públicas são, em geral, as pessoas mais pobres. A classe média
frequenta pouco as escolas públicas e os serviços de saúde do governo. Num país
tão desigual como o nosso, estaremos atingindo os mais pobres. Com certeza, há
outras formas de cortar gastos sem prejudicar investimentos em educação e
saúde.
·
Em oposição à PEC
55 e à Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio (que, entre outros pontos,
diminui a quantidade de disciplinas obrigatórias da grade curricular), milhares
de estudantes ocuparam escolas de todo o país. Como avalia este movimento
estudantil?
Durante muito tempo, o sistema educacional
brasileiro tratou os jovens de forma um pouco infantilizada, como se não
pudessem ser protagonistas de sua própria vida escolar. Na Finlândia, por
exemplo [país com desempenho educacional excelente], as escolas não chamam os
pais para discutir comportamento de alunos de Ensino Médio. Eles chamam o
próprio aluno. O estudante tem de perceber que a educação dele depende do seu
protagonismo. Ele é o principal ator na construção dos seus sonhos e na sua
vida escolar. Quem vai sair perdendo se a qualidade da educação ficar congelada
ou se deteriorar ainda mais vai ser justamente esta geração.
Por isso, vejo esse movimento estudantil
de forma positiva, embora eu concorde que o ensino médio brasileiro, com uma
média de quatro horas de aula por dia e 13 disciplinas, está insustentável.
Precisamos criar trilhas diferentes de educação, em que o aluno possa escolher
disciplinas e não cursar durante os três anos as 13, ou 15 em alguns estados,
matérias obrigatórias. Se olharmos para os 30 primeiros países no ranking do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), nenhum deles tem mais de seis
matérias, e todos têm carga horária maior que quatro horas de aula por dia. É
uma pena que a reforma tenha sido proposta por medida provisória, mas a meu ver
ela é necessária.
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O Brasil obteve
resultados ruins no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em
2015, ocupando a 59ª posição em leitura, 63ª em ciências e 66ª em matemática,
de um total de 70 países avaliados. Por que o desempenho brasileiro foi tão
fraco?
O Brasil está estagnado há várias
edições do ranking. O Pisa enfatiza a área de ciências, de letramento
científico. Em primeiro lugar, estamos com professores muito mal formados para
sua função. A universidade não prepara adequadamente professores no Brasil. Um
professor de química, por exemplo, tem em média três anos e meio de aulas de
química e um ano, ou menos, de aulas de fundamentos da educação. Mas não
aprende a didática da química, ele não aprende a ensinar os alunos a pensar cientificamente.
A prova Pisa pede exatamente esta competência: aplicar conceitos científicos
para resolver problemas do dia a dia. Os nossos professores não estão sendo
preparados para isso. Além disso, dada à baixa atratividade da carreira,
considerando os salários, condições e perspectivas, os melhores alunos do
ensino médio não escolhem tornarem-se professores. E mesmo os que já estão na
faculdade de Química, Física e Biologia, por exemplo, na hora de fazer a
licenciatura, optam apenas pelo bacharelado, porque o mercado paga muito mais
que a sala de aula. A somatória das duas coisas, a baixa preparação da
universidade e os salários reduzidos, explica boa parte do problema.
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