Tributar ricos
na faixa máxima traria 79 bilhões em arrecadação
Novo estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos
(INESC) analisa a relação entre tributação injusta, desigualdade e concentração
de renda e patrimônio no Brasil, com base em análise do perfil dos declarantes
do Imposto de Renda no Brasil entre 2007 a 2013. O trabalho constata que
aqueles que detém rendas acima de 40 salários mínimos tem tributação baixa ou a
renda é isenta de tributação. A perda de progressividade do IR também aumenta a
injustiça tributária.
O Brasil tem um dos mais injustos
sistemas tributários do mundo e uma das mais altas desigualdades socioeconômicas
entre todos os países, onde os mais ricos pagam proporcionalmente menos
impostos do que os mais pobres, criando uma das maiores concentrações de renda
e patrimônio do planeta. Essa relação direta entre tributação injusta e
desigualdade e concentração de renda e patrimônio é investigada pelo
pesquisador Evilásio Salvador no estudo Perfil da Desigualdade e da Injustiça
Tributária, produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) com
apoio da Oxfam Brasil, Christian Aid e Pão Para o Mundo.
Foram considerados os quesitos de sexo,
rendimentos em salário mínimo e Unidades da Federação. O texto busca
identificar o efeito concentrador de renda e riqueza, a partir das informações
sobre os rendimentos e de bens e direitos informados à Receita Federal pelos
declarantes de IR no período de 2008 a 2014, referentes às informações dos
anos-calendário de 2007 a 2013.
Os dados da Receita Federal analisados para o
estudo revelam, por exemplo, que do total de R$ 5,8 trilhões de patrimônio
informados ao Fisco em 2013 (não se considera aqui a sonegação), 41,56%
pertenciam a apenas 726.725 pessoas, com rendimentos acima de 40 salários mínimos.
Isto é, 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente a 45,54%
do PIB do Brasil e com baixíssima tributação. Considera-se, ainda, que essa concentração
de renda e patrimônio está praticamente em cinco estados da federação: São
Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, agravando
ainda mais as desigualdades regionais do país.
O estudo aponta ainda que os
contribuintes com rendas acima de 40 salários mínimos representam apenas 2,74%
dos declarantes de IR, mas se apropriaram de 30,37% do montante dos rendimentos
informados à Receita Federal em 2013. Além disso, dos R$ 623,17 bilhões de
rendimentos isentos de Imposto de Renda em 2013, R$ 287,29 bilhões eram de
lucros e dividendos recebidos pelos acionistas - se submetidos à alíquota
máxima da atual tabela progressiva do Imposto de Renda (27,5%), esses recursos
gerariam uma arrecadação tributária extra de R$ 79 bilhões ao Brasil.
As informações tornadas públicas pela
Receita Federal, a partir da disponibilização da base de dados “Grandes
Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas”,
contribuem para uma maior transparência sobre a questão tributária no país,
que a tempo ocupa lugar na agenda pública das propostas de reformas. Os dados
ampliaram um novo olhar sobre a desigualdade social no Brasil e reforçam ainda
mais a injustiça tributária no país, pois mesmo o Imposto de Renda, que
deveria ser o fiador de um sistema tributário mais justo, acaba contribuindo
para maior concentração de renda e riqueza em nosso país.
Os dados da Receita Federal são fartos
para revelar uma casta de privilegiados no país, com elevados rendimentos e
riquezas que não são tributados adequadamente e, muitas vezes, sequer sofrem
qualquer incidência de Imposto de Renda.
Os dados divulgados pela Receita Federal
confirmam a injustiça no sistema tributário brasileiro, conforme o INESC
havia alertado. Um dos mais graves é o fato de que a tributação sobre a
renda no Brasil não alcança todos os rendimentos tributáveis de pessoas
físicas. A legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os
rendimentos de capital e de outras rendas da economia, que são tributados com
alíquotas inferiores à do Imposto de Renda incidente sobre a renda do
trabalho. Em destaque, a não existência do Imposto de Renda Retido na Fonte
sobre os lucros e dividendos, além do instituto legal (mas excêntrico) dos
“juros sobre capital pró- prio”, o que permite uma redução da base
tributária do IR e da CSLL. Esses rendi- mentos são tributados a 15% de forma
exclusiva, não necessitando o beneficiário de fazer qualquer ajuste na
Declaração Anual do IR.
Essas modificações beneficiam e
privilegiam os mais ricos no Brasil, pois os 71.440 declarantes hiper-ricos,
que tinham renda acima de 160 SM, em 2013, praticamente não possuíam
rendimentos tributáveis, pois 65,80% de sua renda tinha origem em rendimentos
isentos e não tributáveis.
Outro agravante é a perda da
progressividade do IR, pois – a partir da faixa de rendimentos de 40 a 80
salários mínimos – o imposto começa a perder a sua progressividade. De forma
que os contribuintes com rendimentos acima de 40 salários mínimos passam a
pagar proporcionalmente menos IR do que os contribuintes das faixas salariais
inferiores.
Com isso, as propostas para a reforma
tributária que o INESC já apresentou na agenda pública brasileira estão na
ordem do dia. Neste sentido, é necessário revogar algumas das alterações
realizadas na legislação tributária infraconstitucional após 1996, que
sepultaram a isonomia tributária no Brasil, com o favorecimento da renda do
capital em detrimento da renda do trabalho. Dentre essas mudanças destacam-se:
1) o fim da possibilidade de remunerar com juros o capital próprio das
empresas, reduzindo-lhes o Imposto de Renda e a CSLL; e 2) o fim da isenção
de IR à distribuição dos lucros e dividendos na remessa de lucros e
dividendos ao exterior e nas aplicações financeiras de investidores
estrangeiros no Brasil.
Outra medida fundamental seria a
implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição
e não regulamentado até hoje. É uma oportunidade para a prática da justiça
tributária, por aplicar corretamente o princípio constitucional da capacidade
contributiva, "onerando o patrimônio dos mais ricos no país",
conforme afirma Evilásio no estudo, que advoga ainda a introdução da
progressividade no Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de
quaisquer Bens ou Direitos (IT-CDM). Outras medidas apontadas como importantes
são a tributação maior para bens supérfluos e menor para produtos essenciais
para a população.
Vamos falar sobre justiça fiscal?
Uma proposta de reforma tributária no
Brasil deveria ser pautada pela retomada dos princípios de equidade, de
progressividade e da capacidade contributiva no caminho da justiça fiscal e
social, priorizando a redistribuição de renda. As tributações de renda e do
patrimônio nunca ocuparam lugar de destaque na agenda nacional e nos projetos
de reforma tributária após a Constituição de 1988. Assim, é mais do que
oportuna a recuperação dos princípios constitucionais basilares da justiça
fiscal (equidade, capacidade contributiva e progressividade).
A tributação é um dos melhores
instrumentos de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades
sociais, que constituem objetivos essenciais da República esculpidos na
Constituição Federal de 1988.
O Instituto de Estudos Socioeconômicos
(INESC) vem apontando que o sistema tributário brasileiro tem operado no
sentido da maior concentração de renda no país. O estudo As implicações do
sistema tributário brasileiro nas desigualdades de renda, produzido pelo INESC
em 2014, demonstrou as implicações negativas do sistema tributário
brasileiro sobre as desigualdades no país, destacadamente no agravamento das
distâncias entre pobres e ricos, mulheres e homens, negros e brancos. A
metodologia adotada naquele estudo valeu-se dos micro- dados da PNAD/2011, pois
inexistiam dados oficiais que permitissem dimensionar de forma direta o impacto
da regressividade dos tributos nas desigualdades de gênero e raça.
Uma das questões inerentes à questão
tributária no Brasil é a irrisória tributação do patrimônio: somente
1,40% do PIB, o que equivale a 4,18% da arrecadação tributária realizada em
2011. Nos principais países capitalistas, os tributos sobre o patrimônio
representam mais de 10% da arrecadação tributária, como, por exemplo, no
Canadá (10%), no Japão (10,3%), na Coreia (11,8%), na Grã-Bretanha (11,9%) e
nos EUA (12,15%).
A questão da tributação sobre o
patrimônio vem sendo fortemente pautada pelo debate internacional, com a
publicação da obra de Thomas Piketty, traduzida em português como “O Capital
no Século XXI”.8 Piketty, a partir da análise de dados tributários,
demonstra – com vasta evidência empírica – um aumento espetacular da
desigualdade de renda das principais economias mundiais. O autor faz um apelo,
especialmente, por impostos sobre a riqueza, se possível em es- cala mundial,
a fim de restringir o crescente poder da riqueza hereditária.
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