Oligarquia
paulista, o atraso do Brasil
Dos barões do café aos banqueiros e a movimentos com o
MBL, elite de SP afirma-se, há mais de cem anos, como grande entrave à
democratização do país
João Telésforo
Até mesmo nos meios “progressistas”,
nunca faltam aqueles que consideram a sociedade e a política do Nordeste como
mais “atrasadas” com relação às do Centro-Sul, em especial paulistas. Segundo
representação predominante, em São Paulo estaria a “modernidade” das práticas
econômicas e políticas, enquanto os velhos coronéis e regimes mais exploradores
e clientelistas estariam concentrados entre a “baianada” ou os “paraíbas” lá de
cima (termos que paulistas e cariocas utilizam pejorativamente para se referirem
a nós, nordestinos).
Além de uma visão bastante seletiva –
cega para nomes como Paulo Maluf, trensalão do tucanato paulista, trabalho
escravo em pleno centro de São Paulo -, esse imaginário padece de graves
problemas de memória. Esquece, por exemplo, que a maior e mais prolongada
resistência à abolição da escravatura no Brasil não veio do Nordeste
“atrasado”, mas dos prósperos cafezais paulistas, conforme explica Alfredo
Bosi, professor da USP, no fulminante artigo “A escravidão entre dois
Liberalismos”, publicado em 1992.
Replico algumas passagens do texto de
Bosi, pertinentes à questão: “Hoje, calados os louvores sem medida com que se
exaltou a lucidez ou o espírito moderno dos fazendeiros do Oeste Novo, pode-se
reconstituir com isenção os passos deveras prudentes dados pelos homens do
café, desde a sua aberta recusa à Lei do Ventre Livre (os votos de Rodrigo
Silva e Antônio Prado, em 1871), até o seu ingresso no movimento já triunfante,
em 1887; então, o problema da força de trabalho já fora equacionado em termos
de imigração europeia maciça subvencionada pelos governos imperial e
provincial.
Os estudos de Conrad e Gorender, que
ratificam, por sua vez, pontos de vista de Joaquim Nabuco e José Maria dos
Santos, põem a nu a relutância dos republicanos paulistas, muito sensível nos
anos 70, no que tocasse a medidas drásticas de abolição da escravidão.
Em 1870, dizia-se na Assembleia
Legislativa de São Paulo, que esta era a Província que menos deveria recear a
diminuição de braços, pois aí estavam se concentrando todos os escravos do
Norte do Império. Nessa ocasião, Paulo Egydio defendia a legitimidade do
comércio de escravos, considerando-o ‘uma indústria muito legítima e consagrada
entre nós’. Manifestava-se contra a restrição dessa liberdade pela sobrecarga
de impostos: ‘meia sisa, impostos imperiais e municipais, gravando as vendas’.
A abolição que, para as províncias do
Norte e Nordeste e para os profissionais urbanos, poderia vir sem maiores
traumas, não interessava ainda aos fazendeiros de São Paulo que apenas
esboçavam os seus projetos de migração.
A adesão franca à campanha abolicionista
da parte dos paulistas do Oeste, a partir de 1885, estava, pois, condicionada a
um subsídio oficial que fosse bastante copioso para a obtenção dos braços
livres. O subsídio veio em abundância: entre 1887 e 1888, chegariam aos nossos
portos quase 150 mil imigrantes. Proclamada a República, sob o domínio do café,
põe-se em marcha a grande imigração“.
A oligarquia cafeicultora paulista foi o
último bastião a ser derrotado pela luta abolicionista no Brasil – e sua
suposta adesão à causa não veio de graça, mas em troca de um conjunto de
privilégios subsidiados pelo Estado. Ademais, conforme explica Bosi, com base
em ampla literatura, esse setor também bloqueou, à mesma época, a reforma
agrária e a industrialização do país, sempre agarrada à defesa – tendenciosa e
abusiva – dos sacrossantos direitos de propriedade e de “livre-comércio”,
utilizados à exaustão para justificar, respectivamente, a escravidão e o
tráfico negreiro.
Quando se observa o desenrolar da
história do Brasil desde então sob esse prisma, constata-se uma grande linha de
continuidade: a oligarquia paulista continuou a ser a maior adversária interna
das lutas do povo brasileiro para edificar uma nação digna, justa e livre – a
liberdade herdeira da luta abolicionista, e não do “livre-comércio” que era
utilizado em defesa do tráfico, e que hoje vemos repetir-se no discurso de
organizações como o “Movimento Brasil Livre”, cuja força também se concentra em
São Paulo.
Não espanta, então, que o núcleo duro da
máfia do governo do PMDB/PSDB, de Michel Temer, José Serra, Fernando Henrique
Cardoso, Geraldo Alckmin e companhia, seja representação política desse mesmo
velho setor oligárquico escravocrata. Não importa o quanto procurem
disfarçar-se com tons “modernos” e “sofisticados”, com tinturas parisienses ou
mesóclises, como já faziam seus ancestrais escravocratas; sempre terão cheiro
de naftalina e prática de bandeirantes, matadores de índios e negros.
Esse setor nunca deixou de defender um
mesmo projeto em suas linhas básicas, ainda que adaptado e reformulado ao longo
dos tempos, desde o século XIX. Eis a síntese de seu programa, sintetizado por
Alfredo Bosi:
·
“Entrosamento do
país em uma rígida divisão internacional de produção”;
·
“Defesa da
monocultura”;
·
“Recusa de toda
interferência estatal que não se ache voltada para assegurar os lucros da
classe exportadora”.
Em suma, querem seguir fazendo sua fortuna e
seu poder com base na exportação de soja, minérios, sangue, suor e lágrimas do
povo brasileiro.
A situação periférica, subordinada e
dependente do Brasil no sistema-mundo, nosso subdesenvolvimento social,
econômico e tecnológico, não lhes incomoda; estão contentes com a perpetuação
do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, que a eles gera grandes dividendos.
Entregam sem cerimônia à superexploração de grupos internacionais nossos
recursos naturais e bens estratégicos, nossa força de trabalho e inteligência.
Enquanto o leilão
do país, de suas almas e carnes, continuar a lhes propiciar lucros e poder,
seguirão adiante. Ao menos até que a rebeldia do povo brasileiro – aí incluído
o povo paulista, em seu mosaico de diversidade, que não se confunde com sua
oligarquia reacionária –, que segue se aquilombando em todo tipo de ocupação e
luta pelo país, os destrone e proclame a nova abolição.
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