Terça-feira, 24 de janeiro de 2017
Em tempos sombrios: um esquisito para o STF
Em tempos sombrios em que se afasta a presidenta da República “pelo conjunto da obra” sem que tenha se comprovado a prática de crime de responsabilidade que atente contra a Constituição da República. Em tempos sombrios de criminalização e negação da política. Em tempos sombrios da usurpação do poder. Em tempos sombrios da negação do Estado de direito. Em tempos sombrios que o autoritarismo substitui a democracia.
Em tempos sombrios em que o STF (Supremo Tribunal Federal) relativiza o princípio constitucional da presunção de inocência.
Em tempos sombrios de encarceramento em massa e da massa, em que o Brasil ultrapassa a cifra de 700 mil presos se colocando no pódio entre os três países do mundo com a maior população carcerária.
Em tempos sombrios em que seres humanos se transformam em feras e degolam seus semelhantes e em que a morte já não causa espanto.
Em tempos sombrios de aniquilação dos direitos trabalhistas.
Em tempos sombrios de criminalização dos movimentos sociais.
Em tempos sombrios de assalto às universidades públicas.
Nestes tempos sombrios talvez seja necessário que o atual ocupante do Palácio do Planalto indique para ministro ou ministra do STF na vaga deixada, prematuramente e tragicamente pelo ministro Teori Zavascki, alguém esquisito.
Um esquisito ou uma esquisita faria bem ao STF. Um esquisito que continue a ser a mesma pessoa que era antes de se tornar ministro (a). Um esquisito que não se envergonhe de dizer o que realmente pensa durante a sabatina no Senado Federal. Um esquisito que seja a favor da descriminalização das drogas. Um esquisito que entenda que a criminalização do aborto tem causado muito mais morte do que tivesse sido este descriminalizado. Um esquisito que perceba que o trabalhador continua necessitando de proteção.
Um esquisito que saiba que o que chamam de “flexibilização” dos direitos trata-se na verdade de aniquilação dos direitos. Um esquisito que respeite os direitos da criança e do idoso. Um esquisito que não faça distinção de gênero. Um esquisito que não se apegue à moral e à religião para decidir questões legais e constitucionais. Um esquisito que entenda o verdadeiro sentido e importância do princípio da presunção de inocência. Um esquisito que garanta nos processos criminais a ampla defesa e o contraditório. Um esquisito que entenda que a prisão somente deva ser decretada em casos excepcionais e em ultima ratio.
Que seja indicado um esquisito ou uma esquisita que respeite os seus pares. Que não se deixe impressionar e se pautar pela mídia. Um esquisito que respeite a separação dos poderes, mas que não se esconda atrás das questões “interna corporis” para não decidir o que deva ser decidido. Um esquisito que não veja a advocacia como um estorvo e sim como essencial à administração da justiça. Um esquisito independente que não se acovarde diante da opinião publica(da). Um esquisito que não se transforme em mito, mas que acabe com os existentes. Um esquisito que atenda as necessidades dos mais pobres e vulneráveis. Um esquisito que faça realmente do direito instrumento de justiça.
Um esquisito que, como alertou Rui Barbosa:
“não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, com qualquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo”.
Um esquisito que independente da cor da sua camisa ou do time de sua preferência seja comprometido com o Estado democrático de direito.
Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Membro do CNPCP.
*Foto: STF
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