Dalmo Dallari*
O atual titular do Ministério da Justiça
do governo Temer, Alexandre de Moraes, acaba de ser indicado para o cargo de
Ministro do Supremo Tribunal Federal. Essa indicação é absolutamente infeliz,
pois significa entregar um cargo da mais alta Corte do País a alguém que, por
uma série de circunstâncias, sabe-se que irá usar o cargo para proteger amigos
e correligionários, a partir do Presidente Michel Temer que fez sua indicação.
Vem muito a propósito assinalar que o próprio indicado, Ministro Alexandre de
Moraes, propôs textualmente que se aplicasse a seguinte regra proibitiva: «É vedado para o cargo de Ministro do Supremo
Tribunal Federal o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiverem
exercido cargo de confiança no Poder Executivo, mandatos eletivos, ou o cargo
de Procurador Geral da República durante o mandato do Presidente da República
em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se a demonstração de
gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa
Corte Constitucional». Isso é o que consta expressamente em tese
apresentada pelo agora Ministro da Justiça quando se candidatou para a obtenção
do título de Doutor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Aplicada essa regra moralizadora ele não deveria ser indicado para o cargo de
Ministro do Supremo Tribunal Federal. Como fica mais do que evidente, aquilo
que ele sustentou ser um ideal jurídico e moralizador foi agora por ele
espezinhado, porque suas ambições e seus atuais compromissos falaram mais alto.
É lamentável esse procedimento do
Ministro Alexandre de Moraes, pois ele é autor de obras que davam a impressão
de se tratar de um jurista autêntico, defensor da moralidade pública e,
especificamente, da exigência de absoluta independência, além dos demais
requisitos expressamente consignados na Constituição, para que alguém possa ser
indicado para o altíssimo cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Numa
tentativa primária de atenuar a contradição, o Presidente Michel Temer
concedeu, a pedido do interessado, uma licença de trinta dias para o Ministro
da Justiça, obviamente para poder dizer que ele não está no exercício do cargo
de Ministro. Isso, na realidade, chega a ser ridículo, pois mesmo estando
licenciado por trinta dias, o que significa apenas estar dispensado dos
encargos do Ministério durante esse tempo, Alexandre de Moraes continua a ser o
titular do cargo de Ministro da Justiça, ou seja, de um cargo de confiança no
governo do Presidente da República, podendo reassumir plenamente as atividades
práticas do Ministério quando lhe convier. Ele é, portanto, titular de cargo de
confiança do Presidente da República ora em exercício, Michel Temer. A
tentativa de usar essa simulação tem, por si só, o efeito de comprometer
seriamente o conceito de probidade de Alexandre de Moraes e deixa dúvidas
quanto à autenticidade de suas palavras de jurista.
A par desse aspecto que já é de grande
relevância, justificando a recusa da aceitação de seu nome para o cargo de
Ministro do Supremo Tribunal Federal, há outros pontos que se somam a esse.
Assim, é necessário e oportuno lembrar que o Presidente Michel Temer é acusado
de corrupção na campanha eleitoral que lhe deu o mandato de Vice-Presidente da
República, sendo muito provável que o processo, ora em curso no Superior
Tribunal Eleitoral, chegue ao Supremo Tribunal Federal. E então o Ministro
Alexandre de Moraes, se estiver integrando aquela alta Corte, será um valioso
advogado dos interesses do Presidente Michel Temer para impedir a cassação de
seu mandato. Acrescente-se a isso tudo que Alexandre de Moraes é militante
partidário, sendo filiado ao Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB),
tendo já ocorrido inúmeros pronunciamentos contrários à sua indicação para o
Supremo Tribunal Federal, inclusive por vários Senadores de diferentes
partidos, entre eles o Senador Cristovam Buarque, segundo quem, por seu
desempenho político e administrativo passado, em vários cargos políticos que ocupou,
e por sua situação atual, Alexandre de Moraes não preenche os requisitos de
credibilidade e imparcialidade, qualidades intrínsecas ao conceito de «
reputação ilibada», que é exigência constitucional para que alguém seja
indicado para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em defesa dos princípios e normas
constitucionais e para efetivação do Estado Democrático de Direito o Presidente
Michel Temer deverá rever a indicação do nome para preenchimento da vaga
resultante da morte do ínclito Ministro Teori Zavascki, indicando alguém que,
realmente, satisfaça, sem qualquer dúvida, as exigências constitucionais de
notável saber jurídico e reputação ilibada, pois mantida a indicação do
Ministro Alexandre de Moraes muito provavelmente haverá a rejeição de seu nome
pelo Senado, a menos que seja feita uma negociação política que torne ainda
mais lamentável sua indicação.
* jurista
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