quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O comunismo e o PT: uma retórica para asseclas desinformados

O comunismo e o PT: uma retórica para asseclas desinformados

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O comunismo e o PT: uma retórica para asseclas desinformados
Por Raphael Silva Fagundes
“Cinco novas empresas de Brasil, Espanha, Portugal e Panamá investirão no enclave industrial Mariel, totalizando assim 24 companhias estabelecidas no principal polo de desenvolvimento cubano”.
“Embora os números de comércio sejam modestos, a França já é o terceiro investidor europeu na Ilha com a presença de importantes companhias como a de bebidas Pernod Ricard, a hoteleira Accor e a companhia aérea Air France”. E o que falar do investimento da Itália em Cuba. Ou seja, não é porque o BNDES investiu em Cuba que o PT é comunista, Olavo de Carvalho! A não ser que todos esses países também o sejam. E nem uma foto de Lula com Fidel quer dizer isso, pois, sendo assim, poderíamos ter o mesmo entendimento em relação as fotos do comandante da Ilha com Mandela.
É muito fácil falar que uma coisa é ruim quando as pessoas não conhecem sobre o que se está falando. A Igreja Católica usou dos mesmos procedimentos ao proibir o acesso a determinados livros. Quem não se lembra do livro de Umberto Eco, “O Nome da Rosa”, que virou um grande sucesso de Hollywood? A ideia aqui é relacionar o Lula ao comunismo, mas não porque este último seja uma ameaça, e sim porque carrega a imagem do fracasso, de algo que não deu certo (embora, a URSS tenha passado de uma economia praticamente feudal para uma espacial em 40 anos).
Contradição lógica
No blog do nosso querido “liberal sem medo”, Rodrigo Constantino, nos deparamos com um artigo originalmente escrito para o Instituto Liberal. No texto, intitulado “Entendam: o PT é um partido comunista”, o artista plástico João César de Melo afirma que os comunistas da antiga União Soviética são hoje empresários russos. “Os comunistas que outrora impediam a influência capitalista, hoje são os maiores empresários do país. Os comunistas que trabalhavam para preservar um regime onde a propriedade privada e o lucro eram proibidos, hoje são proprietários de grandes fortunas”. O autor inventa uma contradição lógica para fundamentar sua tese, mas esquece que foram justamente esses empresários que puseram fim ao comunismo para ter lucro e propriedade privada. Eles não são mais comunistas. Não é porque Vladimir Putin foi agente da KGB que hoje ele é comunista. O próprio veterano Olavo de Carvalho já foi militante comunista em sua juventude e hoje é um conservador convicto.
Em seu artigo, muito bem argumentado, diga-se de passagem, o artista liberal diz que o comunismo não foi capaz de controlar o mercado e acabou por adotar outro caminho. Liberou o mercado e manteve o controle sobre a mídia, a política e a cultura. O que nos leva a crer que não há diferença entre o suposto governo comunista do PT e a ditadura militar que se estendeu de 1964 a 1985. Isso porque os anos de chumbo, tanto privatizaram quanto construíram empresas públicas. Além disso, foram bancados por muitos industriais. No entanto, a cultura, a mídia e a política eram controladas. Mas os militares não caçavam comunistas?
Retórica suja
Caro João César de Melo, seu texto é muito bem argumentado. Repito! Diz que muitos militantes defendem o PT e o comunismo, mas “não têm a menor noção do que defendem”, e que “insistem em dizer que não são comunistas. Algo como se um eleitor de um partido que tem como símbolo a suástica dissesse que, apesar de apoiar algumas ideias específicas, não é nazista”. Sua estratégia argumentativa de comparar o comunismo a algo ainda mais depreciado, execrado por todos, foi fenomenal. Você só não tem fundamento. E um argumento sem fundamento é uma retórica suja, desonesta.
“O PT é comunista porque manifesta o mesmo viés totalitário, utiliza-se das mesmas estratégias que já foram empregadas por todos os outros movimentos comunistas da história”, diz Melo. Se o PT fosse realmente totalitário, você jamais teria a liberdade de dizer o que disse sem sofrer nenhuma punição. Não sei, mas até Hannah Arendt, que assemelhava o nazismo ao comunismo, discordaria das suas colocações.
Propriedades
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O comunismo também não é necessariamente contra a propriedade privada como muitos pensam. Marx sempre se posicionou contrário ao latifúndio e à grande propriedade: “Propriedade adquirida, fruto do próprio trabalho e do mérito pessoal! Falais da propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, que antecedeu à propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la: o desenvolvimento da indústria já a aboliu e continua a aboli-la diariamente”. Logo, os supostos “comunistas russos” de João César de Melo são exatamente o que o comunismo não o é. Portanto, as palavras do seu artigo estão muito mais próximas das gafes do presidente Michel Temer do que o que é o comunismo.
Apesar de forçar a barra ao dizer que há no PT uma estrutura leninista que o manteve no poder, além de outras sandices, a coluna de Marco Antonio Villa é mais realista, pelo menos os primeiros parágrafos. “Transformar Lula em Lenin é uma piada. Na política é indispensável, ao enfrentar um adversário, conhecê-lo. O petismo, nos últimos tempos, foi transformado em algo que nunca foi. Ora é bolivariano, ora comunista, ora populista, ora — para os mais exaltados e néscios — bolivariano-comunista-populista. Puras e cristalinas bobagens”. Assim é até possível dialogar.
Lenin x Maquiavel
Apesar do tom agressivo e de alguns juízos de valor, o texto é menos desonesto. Contudo, a estratégia de se manter no poder, adotada pelo PT, não é leninista, como afirmará ao longo do artigo, mas maquiavélica, embora tanto Maquiavel quanto Lenin defendessem a importância da força bruta na vida política.
Nas estratégias de depreciar o PT, alguns setores da direita brasileira inventam uma situação de enunciação inconsistente para vender um enunciado. É a invenção retórica, nível da argumentação onde o orador busca os argumentos úteis para a persuasão. No entanto, a enunciação, isto é, as circunstâncias linguísticas, emocionais, históricas etc., que propiciam o discurso, é forjada para criar um enunciado falso. Isto ocorre porque não há o que criticar do PT, pois a direita, se estivesse no poder, não faria algo tão diferente.
Sabe-se que o PT não é comunista, aliás os latifundiários e os banqueiros nunca enriqueceram tanto nesse país. Em escalas, inclusive, internacionais. Privatizações e repressões aos movimentos populares estavam sendo realizadas pelo Partido dos Trabalhadores de forma intensiva (de modo mais maquiavélico que leninista). Mas é a direita quem deveria estar fazendo isto. A venda do pré-sal, que já estava em andamento no governo petista, teve como mentor José Serra. Mas era necessário o poder. Se o PSDB não tomasse o poder para adotar as medidas conservadoras que a presidenta Dilma Rousseff estava pondo em prática, iria perder a razão de existir. O PT iria confluir em si tanto aspectos da direita quanto de esquerda.
Estrutura ideológica
O golpe, realizado através de argumentos jurídicos, ainda precisa de uma estrutura ideológica que o garanta. Por isso depreciar a esquerda, o comunismo etc. Por isso inventar um projeto como o “escola sem partido” fundamentado em um espectro que não ronda lugar nenhum (embora os movimentos de esquerda estejam se expandindo ao redor do mundo, inclusive nos EUA).
A burguesia procura vender coisas que não custam, para depois vender seus produtos caros. Ela vende ideias facilmente acessíveis, em jornais baratos e veículos de comunicação populares. Nas igrejas ou através de rostos bem afeiçoados e jovens, respondendo de forma simples questões complexas e fazendo dos seus interesses os interesses de todos. Por isso, fortalecer a extrema direita, que usará seus asseclas desinformados para lutar contra algo que existe apenas no discurso; para defender políticas que dificilmente serão alcançadas, como a questão do desarmamento, a volta da família tradicional ou a severidade com o detento. O cidadão comum, ingênuo e desiludido, irá se revoltar não por empregos ou melhores condições de trabalho, mas pela sua moral, que não enche sua barriga, mas infla seu ego.


 Raphael Silva Fagundes é doutorando em História Política da UERJ.

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