quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Privatização da Eletrobras é "pá de cal" no setor, diz Ildo Sauer



 
Importante análise do prof. Ildo Sauer sobre a privatização da Eletrobras. Os defensores do neoliberalismo, muitos dos quais se formaram nas universidades às quais basicamente só a elite tem acesso, repetem o mantra: “sou a favor de toda privatização. O privado é muito mais eficiente, competitivo, criativo e inovador do que as empresas públicas, pesadas e lerdas, verdadeiros cabides de emprego.” Não lhes ocorre pensar na geopolítica internacional, nos serviços de inteligência, na ideologia cultural que permeia toda a correlação de forças no mundo. Acreditam que o diploma de Harvard ou o emprego na Alemanha lhes garantem toda a lucidez e a autoridade para se posicionarem pelo Estado Mínimo. Essa prepotência está custando muito caro a todos nós.
                                
                                   Tânia Franco
 
 
NO CAMINHO DA MANADA NÃO HÁ ESPAÇO PARA REFLEXÃO
 
É um motivo de perplexidade e inquietação o desplante com que o governo golpista de 2016 vem atuando. Retira direitos consagrados há quase cem anos, doa a estrangeiros bens e riquezas naturais brasileiras, provoca a humilhação da nossa nacionalidade no exterior, enfim, é um verdadeiro provocador que não encontra quem o revide com efetividade.
Aqui e ali, um discurso, uma artigo, mais ou menos veemente, uma denúncia, muitas vezes cheia de ressalvas, parece que a ameaça de Aécio Neves, gravada pelo corruptor, de matar o denunciante, intimidou todo mundo.
Tenho plena consciência que não são os arrogantes e imbecis parlamentares, os magistrados, nem mesmo os ruralistas, exportadores, banqueiros e outros sanguessugas da nação, desde o período colonial, quem está mantendo este governo. Também não são os Estados Unidos da América (EUA) ou qualquer outro império de algum estado nacional.
Por trás dos golpistas está um poder colossal, mas não invencível: o sistema financeiro internacional, que denomino “banca”.
Como age a banca para neutralizar reações e obter um apoio suicida de parte do povo? Há várias técnicas no domínio das corrupções, afinal é a banca a maior corruptora de todos os tempos, também no domínio das estratégias de administração e no campo da comunicação de massa.
Neste último, o Brasil talvez tenha sido o mais fácil país para a banca exercer sua ação. Encontrou um sistema quase totalmente privado, dominado por meia dúzia de famílias, mas sendo um monopólio efetivo de uma delas: a proprietária do Sistema Globo.
A banca não tem argumento. Como defender o propósito de criar uma dívida permanente, de preferência crescente, que escravize o devedor? Afinal a banca só faz, rigorosamente, isso: promover a dívida. Tenho a convicção – expressão tão em voga – que esta face da banca se originou com a Revolução Francesa e o “passeio” de Napoleão pelas terras aristocráticas do continente europeu. Deve ter sido um susto, para quem sempre teve na propriedade fundiária seu poder e riqueza, se encontrar, subitamente, despojado de ambos.
Os financistas ingleses, que já haviam se apropriado da revolução industrial, viram um modo de responder a esta inquietante situação da aristocracia e seus apaniguados: a geração de dívida. E, a partir daí, pela dívida, a Inglaterra criou um império colonial. Você, por acaso, está pensando que as ferrovias na Índia objetivavam o progresso daquele país? Triste e ledo engano. Além de facilitar a comercialização das companhias inglesas (precursoras, com as holandesas faça-se justiça, da simbiose público-privada: o público arca com os investimentos e os prejuízos; o privado com os lucros) gerava a dívida da Índia com os bancos ingleses. Aqui, no Brasil, a independência carregou uma enorme dívida com a Inglaterra, que o Império multiplicou, e somos apenas um exemplo entre tantos outros. Nenhuma jabuticaba.
Voltando à estratégia da banca. A forma mais fácil de conduzir uma multidão é colocando-a numa situação de dualidade: ou isso ou aquilo, ou preto ou branco, ou comunista ou democrata e assim, sem outra resposta, você vira um boi no estouro da boiada. Não pode ficar atrás da árvore ou correr em outra direção, segue a boiada ou a enfrenta.
O caminho para o golpe de 2016 foi a corrupção. Nunca tantos corruptos se apresentaram contra uma única corrupção, a do Partido dos Trabalhadores. Dia e noite as redes de televisão e a imprensa martelavam: corruptos, corruptos, corruptos.
E, os próprios tribunais de exceção, constituídos por agentes da banca e corrompidos diversos, para condenar os “petralhas”, chegaram aos denunciantes, aos golpistas de todos os poderes. Era, então, necessário mudar a tônica. Como por milagre, a corrupção sai das manchetes. Entra a violência. Sim, você deve ser a favor do uso policial das forças armadas ou então é um terrorista, um amigo dos marginais. Exceto se for um magistrado conhecido por conceder noturnos habeas corpus.
Assim, a banca prepara a repressão, que um governo provocador, inimigo da Nação terá, mais dia menos dia, que enfrentar. E a pauta da violência, do desastre substitui a da corrupção. Nem importa se é o assalto com vítima no seu bairro ou uma avalanche na Suíça. Você precisa ter medo, como antes tinha revolta. Já prepara, pelo medo, uma grande arma, as prisões e torturas dos opositores. Há até um pré-candidato a qualquer coisa que tem no discurso da agressão seu mote político.
E a banca vai destruindo, dentro de seu plano, mais um país, como o fez com o Iraque, a Líbia, tentou na Síria e insiste na Venezuela. É um projeto nefasto de poder, cujo enfrentamento exige a consciência e a reflexão de quem não se ilude com dicotomias e sofismas. Pense e salve sua Pátria, saia do rebanho ou se tornará um pária.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 
Economia

Entrevista

Privatização da Eletrobras é "pá de cal" no setor, diz Ildo Sauer

por Dimalice Nunes — publicado 24/08/2017 00h50, última modificação 24/08/2017 12h07
O professor da USP, especialista em energia, recebe "sem espanto e sem alegria" os planos do governo Temer para a venda da estatal
Alexandre Marchetti /ItaipuBinacional
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Usina de Itaipu, um dos ativos da Eletrobras
Ex-diretor da Petrobras de 2003 a 2008 e professor do Instituto de Engenharia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEA-USP), Ildo Sauer rechaça o plano do governo de Michel Temer de privatizar a Eletrobras. 
Na noite da segunda-feira 21, a estatal anunciou ao mercado a intenção do governo de se desfazer de seu controle. Hoje, a União detém 63,2% das ações. A notícia surpreendeu o mercado, pois os papeis da empresa subiram mais de 50%. Mas não Sauer. "É um desastre continuado. Vai aprofundar os problemas e aumentar os preços."
Em entrevista a CartaCapitalo especialista traça um breve histórico dos fatores que levaram à desorganização do setor elétrico, alvo de diversas privatizações nos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e garante: "não tem modelo de privatização aceitável".
Segundo ele, o objetivo de aumentar a participação da iniciativa privada no setor é o mesmo da gestão tucana: elevar a eficiência e, de quebra, tentar acomodar o rombo das contas públicas. "O governo Fernando Henrique começou a privatizar dizendo que ia abater a dívida pública, melhorar a eficiência, a qualidade e diminuir as tarifas. A dívida pública só aumentou, as tarifas aumentaram muito acima da inflação e criamos um racionamento", lembra Sauer.
CartaCapital: Qual a primeira impressão a respeito do anúncio da possível privatização da Eletrobras?
Ildo Sauer: Sem espanto e sem alegria. Sem alegria porque é um desastre continuado. Já vem de décadas essa postura em relação aos recursos naturais e seu aproveitamento em favor da transformação da sociedade brasileira.
Vem com a tentativa de privatizar a utilização aparelhada do sistema elétrico pelo governo de José Sarney, as tentativas de destruição do sistema elétrico nos governos de Fernando Henrique, o não resgate do sistema elétrico como deveria e como foi proposto pela campanha do governo Lula, ao continuado loteamento dos cargos do sistema elétrico pelo governo de coalizão ou cooptação, que já vem de antes, mas foi mantido.
Houve um breve interregno numa tentativa de mudar, com a presidência do Pinguelli (Luiz Pinguelli Rosa) na Eletrobras, mas ele foi demitido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que dizia que o Pinguelli não tinha senadores e o Sarney tinha.
E com a ex-presidente Dilma Rousseff aconteceu o desastre maior: ela fez a reforma do modelo do setor elétrico em 2004, mas abandonou o que foi compromissado na campanha, o resgate das empresas públicas e seu papel de garantir o abastecimento da energia no Brasil em conjunto com a iniciativa privada, vendendo a energia a um custo entre o médio e o custo marginal, usando essa diferença para ampliar os investimentos no setor e investindo em educação e saúde pública.
CC: Quais foram os principais erros de Dilma? 
IS: O que ela fez foi destruir o valor econômico da Eletrobras para manter os privilégios dos grupos privados que vendiam energia a custos altíssimo, em leilões de natureza complexa e suspeita - leilões de reserva - e compraram muita energia térmica cara.
Ela resolveu renovar as concessões e forçar a venda da energia a um preço próximo do custo da operação e manutenção, 10 ou 12 reais o megawatt/hora mais impostos, quando os privados vendiam entre 250 ou até 1,1 mil reais megawatt/hora. Então ela usou o potencial de geração de recursos para fazer da Eletrobras uma muleta e subsidiar um sistema que não funciona.
CC: E agora com o governo Temer?
IS: 
É a pá de cal em tudo. A impressão que eu tenho é que é um bando de gangsteres ou de ratos que estão vendo o navio afundando e tentam abocanhar o resto de queijo, de riqueza, para se locupletar enquanto o navio não afunda. É importante dizer que o que esse governo está fazendo com essa ousadia, essa audácia, e ausência total de legitimidade é um acinte à democracia porque é um aprofundamento da cleptocracia. É um contraste brutal entre o que poderia ser feito e o que está sendo feito.
CC: Essa medida foi proposta pelo Ministério da Fazenda, para cobrir o rombo das contas públicas, e pegou o mercado de surpresa. Como esse afogadilho prejudica a segurança do sistema elétrico? Há risco de desabastecimento?
IS: Não. O fato de vender usinas ou o controle de usinas não afeta diretamente a produção de energia. Até porque a Eletrobras está completamente manietada já há muito tempo. Ela não vem sendo usada como protagonista, virou muleta auxiliar dos negócios privados.
O problema existia e está se agravando. O sistema está em risco porque estamos há muito tempo com planejamento completamente equivocado, escolha de vencedores de leilão por critérios errados, violando o interesse público e falta de contratação de capacidade suficiente.
Por isso o sistema está em risco. Mesmo com recessão continuada estamos com risco de falta de energia. Imagina se a economia estivesse crescendo? O sistema elétrico está completamente deteriorado e as medidas que o governo Temer está tomando tem como objetivo proteger os interesses de investidores do sistema financeiro que querem, num momento de fragilidade da mobilização popular, abocanhar ativos para depois revalorizar a empresa e aumentar tarifas.
CC: O governo fala em redução das tarifas com um potencial ganho de eficiência da empresa depois de privatizada. Qual deve ser o impacto? 
IS: É um acinte à inteligência de qualquer ser racional a afirmação do ministro (ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho) de que isso vai baixar tarifa. A energia está contratada a preços aviltados para tapar a lacuna dos grandes erros dos outros contratos. Então ninguém vai comprar para operar daquele jeito, vão comprar para depois realizar uma nova manobra para reavaliar o valor e dizer que "não, essa energia está muito abaixo do mercado, precisamos dar um jeito". Isso é histórico no Brasil no setor de energia.
O governo FHC começou a privatizar dizendo que ia abater a dívida pública, melhorar a eficiência, a qualidade e diminuir as tarifas. A dívida pública só aumentou, as tarifas aumentaram muito acima da inflação e criamos um racionamento. E essa trajetória de aumento das tarifas acima da inflação continuou nos governos Lula e Dilma.
Falta argumentos racionais para fazer o que eles estão fazendo. É uma agressão ao sistema democrático e ao interesse público.
CC: O que deveria ser feito para reorganizar o setor e garantir a oferta de energia com modicidade das tarifas?
IS: São duas tarefas: uma é impedir a privatização da Eletrobras, que vai agravar tudo. A segunda é que o modelo colocado, herdado dos governos FHC, Lula e Dilma, precisa ser revisto. É preciso revisar o modelo de planejamento, é preciso retomar a contratação centralizada, é preciso reorganizar o setor e contratar a construção das melhores usinas.
No Brasil não faltam recursos, o maior potencial de geração de energia hoje é o eólico, que adequadamente combinado com o hidráulico poderia atender toda a demanda do Brasil até quando a população vai se estabilizar, em 2040, como o previsto pelo IBGE, em 220 milhões de habitantes, e dobrando o consumo per capita.
Não faltam recursos naturais, não falta capacidade tecnológica, não falta recursos humanos: falta organizar o sistema, geri-lo e operá-lo de acordo com o interesse público. Tem que trocar os critérios de operação. A proposta do governo Temer vai aprofundar os problemas e aumentar os preços, porque ele eleva os riscos para os agentes individuais.
O que o governo Temer está fazendo é, face ao desastre do legado do governo Dilma, aproveitar essa lacuna a considerar que o interesse público não tem mais chance. É fazer o assalto final ao que restou para gestar novos interesses que depois de constituídos irão se sobrepor e irão impor suas condições ao governo que virá. Temos de enfrentar isso com todo o vigor. Um governo sem legitimidade que quer destruir uma construção histórica de mais de meio século e um recurso natural permanente.
CC: Ainda não há definição sobre o modelo que será usado para a venda do controle estatal da Eletrobras, mas existiria um modelo menos pior, capaz de assegurar algum nível de controle?
IS: É não vender e restaurar a Eletrobras. Restaurá-la na sua capacidade, reorganizar sua gestão e não inventar mentiras como o aumento da eficiência e a redução das tarifas. É restaurar a gestão do interesse público para mudar o País. Não tem modelo de privatização aceitável.
CC: Alguns envolvidos no projeto de privatização da Eletrobras fizeram parte do governo FHC na época do apagão. Há algum paralelo entre as situações?
IS: Claro, a Elena Landau, que presidiu o conselho de administração da Eletrobras e o presidente da Eletrobras (Wilson Ferreira Júnior), um notório técnico que era serviçal do projeto tucano da privatização das empresas de São Paulo, a CPFL, Eletropaulo e Cesp.
Ele é definido como técnico, mas as soluções técnicas podem servir a dois interesses, ao público ou ao dos grupos econômicos e financeiros. Os que estão lá hoje participaram ativamente do racionamento do Fernando Henrique, todos eram sócios do modelo daquele tempo, vinculado à utilização das empresas estatais em favor dos grandes interesses privados e financeiros.

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