Samuel Pinheiro Guimarães
O programa econômico do
Senhor Henrique Meirelles, atual Ministro da Fazenda; ex-Presidente do
BankBoston entre 1996 e 1999 e do FleetBoston Financial; ex-Presidente do Banco
Central de 2003 a 2010, e, entre 2012 e 2016, Presidente do Conselho de
Administração da holding J&F, de Joesley Batista, é o Programa do Mercado.
É o programa desejado com
ardor (e promovido com recursos) pelos banqueiros, rentistas, grandes
empresários comerciais e industriais, grandes proprietários rurais, donos de
grandes órgãos de comunicação, gestores de grandes fortunas, executivos de
grandes empresas e seus representantes no Congresso.
O Mercado pode ser definido
como sendo integrado por cerca de 200 mil pessoas que declaram,
espontaneamente, ao preencher suas declarações anuais de Imposto de Renda,
terem rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos (cerca de 80 mil
reais por mês).
Os integrantes dessa
entidade, criada e chamada pela mídia e pela academia de Mercado, são em número
inferior a 0,2% da população adulta brasileira (cerca de 120 milhões de
indivíduos) e se defrontam com os demais 207 milhões de indivíduos, que são
mais de 99% do povo brasileiro. Entre os 26 milhões de brasileiros que devem,
de acordo com a legislação, apresentar declaração de rendimentos e de bens são
eles menos de 1% dos declarantes do imposto de renda.
O Programa de Reformas de
Meirelles, as quais são contrarreformas que promovem um retrocesso econômico e
social ao período anterior a 1930. Essas contrarreformas, que a esmagadora
maioria do povo rejeita, são um programa imposto de forma implacável ao Brasil,
sendo, em realidade, a execução (anacrônica) das políticas recomendadas pelo
Consenso de Washington.
O Consenso de Washington é
uma lista de dez políticas elaborada por técnicos do Fundo Monetário
Internacional (FMI), do Banco Mundial, do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos
e por acadêmicos norte-americanos, como sendo as políticas mais adequadas e
(até as únicas) capazes de promover o desenvolvimento dos países atrasados,
subdesenvolvidos, como o Brasil.
Este Consenso, que data de
1989, retoma os princípios da teoria e da política econômica clássica dos
tempos do padrão-ouro e anteriores a Keynes, em um momento da política
econômica americana caracterizado pelo sucesso de seus esforços de abertura de
mercados, de desregulamentação financeira e de apoteose da globalização; e da
política externa, devido a sua vitória contra o Iraque na primeira guerra do
Golfo e à derrocada da União Soviética, a maior vitória política e militar em
que não houve o dispêndio de uma bala.
A aplicação das políticas do
Consenso de Washington, exigida pelas “condicionalidades” do FMI e do Banco
Mundial para a concessão de empréstimos e pelos dispositivos dos acordos de
livre comércio, versão dos “acordos desiguais” do Século XIX, não levaram ao
desenvolvimento dos países da América Latina e da África.
A distância, em termos de
renda per capita, de participação no Produto Mundial e no comércio internacional,
de número de patentes registradas etc. entre os países altamente desenvolvidos
e os países subdesenvolvidos (entre os quais não se deve incluir a China) não
se reduziu entre 1989, data do Consenso, e os dias de hoje.
Do ponto de vista estrutural,
estes países continuaram a se caracterizar como produtores/exportadores de
matérias primas e importadores de produtos industriais, exibindo graves disparidades
e pobreza, e baixo ou nenhum dinamismo tecnológico.
Aqueles países que se
desenvolveram e cresceram rapidamente depois de 1989 foram aqueles que não
seguiram estas políticas do Consenso (sempre advogadas pelos Estados Unidos,
organismos econômicos e países desenvolvidos) com especial destaque para a
China, e em parte pela Índia.
A execução do Programa do senhor
Henrique Meirelles se faz com a colaboração dos senhores Ilan Goldfajn e Dyogo
Oliveira, e dos técnicos que trabalham na Fazenda, no Banco Central e no
Ministério do Planejamento, que são apresentados sob a expressão “equipe
econômica”.
O Programa de Reformas
executado por Henrique Meirelles e seus auxiliares, com a ajuda do Congresso
Nacional, é a implementação, no Brasil, do Consenso de Washington.
As políticas do Consenso de
Washington e do Programa de H. Meirelles são dez: disciplina fiscal; redução
dos gastos públicos; reforma tributária; juros de mercado; câmbio de mercado; abertura
comercial; eliminação das restrições ao investimento direto estrangeiro;
privatização de empresas estatais; desregulamentação ; direito à propriedade
intelectual.
Os dez mandamentos de Meirelles
1)
A disciplina
fiscal, primeiro princípio do Consenso, que significa um esforço de promover um
rigoroso equilíbrio entre receitas e despesas públicas, elimina a possibilidade
de endividamento do Estado para realizar políticas anticíclicas, para enfrentar
o desemprego e o subemprego, e realizar os investimentos estruturantes e
indispensáveis ao desenvolvimento sustentado de um país.
A
disciplina fiscal, ponto central do Programa de Meirelles, é imposta pela
Emenda Constitucional 95, que congela as despesas “primárias” por 20 anos, sem
tocar nas despesas do Estado com a dívida pública, que chegam a quase 50% do
total do orçamento e dos gastos públicos, sem permitir o aumento de receitas,
rejeitando o combate à sonegação de impostos e à evasão de divisas, e,
implicitamente, negando a possibilidade de aumento de impostos e de reforma
tributária.
2)
O segundo
princípio do Consenso, que é a redução dos gastos públicos, significa a redução
das despesas primárias com as atividades do Estado em segurança pública,
justiça, defesa; em programas sociais como educação e saúde pública; com a
Assistência e Previdência Pública; com investimentos de infraestrutura etc.
Não
cogita H. Meirelles de reduzir os gastos do Estado com o serviço e amortização
da dívida pública, correspondentes a mais de 50% do orçamento, que decorre dos níveis
extraordinários, em termos internacionais, da taxa de juros de referência
estabelecida pelo Banco Central (taxa SELIC) nem de controlar as receitas que o
setor financeiro aufere com a prática de juros elevadíssimos que inibem o
consumo da população e o investimento empresarial.
A
politica de redução dos gastos do Estado é procurada através da mesma Emenda
Constitucional 95 que congelou as despesas primárias ao nível das despesas
realizadas no ano de 2017, por vinte anos, isto é, até 2037.
Algumas
consequências da redução de gastos públicos (ou de privatização dos programas
públicos) são as seguintes:
·
Redução
do Bolsa Família, que atende hoje a 25% da população,
o que redundará em aumento da pobreza absoluta;
·
Redução
do atendimento às crianças na primeira infância;
·
Redução
do SUS e agravamento da situação da saúde da massa de cidadãos
pobres, sem capacidade de pagar por remédios e assistência
médica;
·
Redução
dos investimentos em educação e sua privatização o que excluirá os pobres do
acesso à educação;
·
Redução
dos investimentos em defesa, necessários a uma política
de dissuasão, imprescindível a um país
com as dimensões geográficas, populacionais e econômicas
do Brasil.
·
Redução
dos investimentos em ciência e tecnologia.
3)
O terceiro
princípio, a reforma tributária, propugnado pelo Consenso de Washington não
significa uma reforma do sistema tributário para torná-lo menos regressivo,
isto é, menos incidente sobre os mais pobres, mas sim reduzir impostos sobre o
capital e as contribuições previdenciárias das empresas para, com o aumento da
perspectiva de lucro das empresas, atingir o objetivo de estimular os
investimentos privados.
É
o que parece pretender o Ministério da Fazenda e Meirelles, articulador
principal da política econômica do Governo Temer, como se pode entrever das
discretas manifestações do Governo sobre o tema.
A
pouca disposição de Henrique Meirelles de rever as desonerações fiscais e de
cobrar a dívida pública da União, que supera o montante de três trilhões de
reais, e as dívidas das empresas privadas para com a Previdência, que chegam a
mais de 400 bilhões de reais; os programas de refinanciamento de dívidas
(REFIS) que são, em realidade, programas de perdão de dívidas; a tolerância com
as decisões do Conselho Administrativo da Receita Federal-CARF em favor das
grandes empresas e contra o Estado; a tolerância com a evasão de divisas para o
exterior, revelam, em seu conjunto, a natureza da reforma tributária que
Meirelles está, na prática, realizando em benefício do capital e contra o trabalho.
4)
A prática de
juros de mercado, a quarta recomendação do Consenso de Washington, significa
que o Estado não deve executar políticas de juros subsidiados para estimular e
fortalecer as empresas de capital nacional em sua competição, interna e internacional,
com as megaempresas transnacionais que, além dos recursos de suas tesourarias,
tem fácil acesso a financiamento de bancos públicos de seus Estados e de
megabancos privados transnacionais.
A
política de Meirelles de substituir a TJLP-taxa de juros de longo prazo,
cobrada pelo BNDES nos empréstimos às empresas (não somente nacionais, mas
também estrangeiras) pela TLP-Taxa de Longo Prazo, que fará com que os juros
cobrados pelo BNDES se aproximem dos juros de mercado, taxa que será flutuante,
é um dos instrumentos da política de privatização dos bancos públicos
brasileiros, no caso do BNDES, visa também beneficiar as empresas estrangeiras
que atuam no Brasil e forçar as empresas brasileiras a se financiarem junto a
bancos privados que praticam taxas de juros (a empresas) que superam 30% ao
ano, taxas que tornam inviável qualquer investimento produtivo.
5)
O Consenso de
Washington recomenda, em quinto lugar, aos países subdesenvolvidos que adotem
uma política de câmbio de mercado, isto é, que o Estado não interfira de
nenhuma forma no mercado cambial e que não controle de nenhuma forma os fluxos
de ingresso e de saída de capitais da economia e, portanto, permita a intensa
especulação que existe no mercado mundial de divisas.
O
Ministério da Fazenda e o Banco Central realizam uma politica de câmbio
valorizado, isto é, o real tem um valor em relação ao dólar muito superior ao
que seria conveniente para promover o desenvolvimento industrial e os
investimentos privados necessários, política que dificulta as exportações
brasileiras, inunda o mercado doméstico com importações de produtos industriais
baratos (provenientes em especial da China, mas não somente da China), estimula
as despesas com turismo etc. e desnacionaliza a indústria brasileira que, cada
vez mais enfraquecida, é gradualmente vendida a preços “muito bons”, segundo os
especialistas em vender o Brasil.
A
política cambial é pró-valorização do real com o objetivo de usar a política de
juros altos para atrair capitais estrangeiros em investimentos especulativos.
6)
A abertura
comercial, sexta política recomendada pelo Consenso de Washington, que consagra
a divisão internacional do trabalho entre países primários e países
industriais. É objetivo de Henrique Meirelles na medida em que este pratica uma
política de plena liberdade de ingresso no Brasil de produtos industriais
estrangeiros, mesmo quando há situações de dumping.
As
consequências desta política de abertura se pode verificar pelos déficits na
balança comercial de produtos industriais com os países altamente
industrializados e com a China; por não haver regulamentação da exportação de
produtos agrícolas, altamente favorecida pela política de crédito do Governo (o
que beneficia os países que importam produtos primários brasileiros); pela
decisão de extinguir o acesso a crédito favorecido às empresas instaladas no
Brasil que era concedido pelo BNDES; pela eliminação da política de conteúdo
nacional; pela fraca defesa das políticas brasileiras denunciadas na
Organização Mundial do Comércio-OMC pelos países exportadores industriais que
procuram impedir a emergência de competidores enquanto, no Brasil, se repete
sem cessar o mantra da competitividade e da produtividade, na realidade,
argumentos para promover a redução de salários e de benefícios aos trabalhadores.
Henrique
Meirelles pretende consolidar o seu programa neoliberal através da adesão do
Brasil à Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, que reúne
os países mais desenvolvidos do mundo para articular posições comuns em negociações
e em organismos internacionais, sem ouvir a sociedade ou o Congresso Nacional,
aferrolhando (lock in) toda sua política ultraneoliberal e tornando sua
eventual revisão, ainda que venha a se verificar indispensável pelas
necessidades de desenvolvimento de um país com as características do Brasil,
mais difícil, pois sua revisão contrariaria “compromissos Internacionais”.
Pretende
também Henrique Meirelles promover, a qualquer custo, um acordo de livre
comércio com a União Europeia, que levará à celebração de acordos de livre
comércio com os Estados Unidos, com a China, com o Japão e outros países e
eliminará toda possibilidade de desenvolvimento industrial no Brasil devido à
eliminação de seu principal instrumento que é a política tarifária.
Estes
acordos significarão o fim da tarifa externa comum do Mercosul e, portanto, o
fim de toda política de integração regional e de formação de um bloco sul
americano.
7)
O sétimo
princípio do Consenso de Washington, que determina a eliminação das restrições
ao investimento direto estrangeiro, vem sendo posto em prática em especial pela
política de câmbio de mercado; pela privatização e desnacionalização das
empresas estatais, sem qualquer precaução de natureza estratégica, como ocorre
em países desenvolvidos em relação a setores como eletricidade, portos e meios
de comunicação; pela abertura da exploração das reservas do pré-sal às
megaempresas petrolíferas estrangeiras; pela política de fragmentação e venda a
transnacionais petroleiras de empresas do complexo da Petrobras; pelo fim da
política de conteúdo nacional.
Outras
políticas do Governo de favorecimento ao capital estrangeiro são a abertura de
setores de serviços como a saúde e educação; a venda de terras a estrangeiros;
a desregulamentação ambiental e a abertura de reservas florestais à exploração
econômica, em especial à mineração.
A
Operação Lava-Jato contribuiu de forma importante para criar na opinião pública
uma imagem da Petrobras como empresa corrupta e ineficiente, a partir da
divulgação permanente para a imprensa de delações premiadas envolvendo
dirigentes da empresa e políticos, apesar de sua capacidade de produção e de
sua liderança tecnológica no setor de petróleo.
Em
realidade, o objetivo da política de Meirelles é reduzir o Estado ao mínimo,
eliminando sua competência e função reguladora e fiscalizadora da atividade
econômica (inclusive no sistema tributário) e de investidor e transferir toda
atividade econômica para a empresa privada, mas em especial para a empresa
estrangeira, promovendo um amplo processo de desnacionalização da economia que
ocorre, inclusive, em paralelo à eliminação de qualquer apoio às empresas de
capital nacional.
8)
A execução do
oitavo princípio do Consenso de Washington, que recomenda a privatização das
empresas estatais, estava anunciado no Programa de Parcerias de
Investimento-PPI desde o início do Governo Temer e agora se acelerou com a
crise política e com o desequilíbrio fiscal agravado pelas necessidades de
articulação de apoio político no Congresso para impedir a aprovação da abertura
do processo de investigação contra Michel Temer e para compensar a queda
constante de receita tributária, devido à recessão econômica causada pela
própria política recessiva que Henrique Meirelles provoca ao executar, com
rigor, as políticas recomendadas pelo Consenso de Washington e pelo Mercado.
Agora
foi anunciada a privatização de 57 empresas, entre elas a Eletrobrás, a Casa da
Moeda e grandes aeroportos, e prossegue, de forma discreta, o programa de
desinvestimento da Petrobras, executado por Pedro Parente, que transformará a
Petrobras, uma grande empresa de petróleo integrada e altamente competitiva no
cenário internacional, em uma pequena empresa exportadora de petróleo, em
especial para os Estados Unidos.
Henrique
Meirelles está empenhado em privatizar os bancos públicos, como revelou Ilan
Goldfajn, Presidente do Banco Central, ao dizer, em entrevista à imprensa, que
os “juros altos” (ou o spread) no mercado brasileiro decorriam da falta de
competição no setor financeiro, que deveria ser aberto aos bancos estrangeiros.
9)
A política de
desregulamentação é a nona política patrocinada pelo Consenso de Washington que
significa, no mínimo, o afrouxamento da legislação econômica e trabalhista.
O
Programa Econômico do Mercado, executado por Henrique Meirelles, segue à risca
essa recomendação do Consenso em todos os setores de atividade econômica a
começar pela reforma trabalhista, com a redução das atribuições dos sindicatos;
o enfraquecimento da Justiça do Trabalho e da fiscalização; a prevalência do
negociado sobre o legislado; a terceirização em todas as atividades das
empresas; os horários intermitentes de trabalho; a possibilidade de demissão em
massa de trabalhadores; fim do imposto sindical, mantendo o sistema S das
entidades patronais; ampliação dos contratos temporários; fim da carteira de
trabalho.
A
reforma da Previdência Pública significará, devido à migração dos contribuintes
mais ricos e mesmo dos mais pobres, que perceberão a inutilidade de contribuir
devido aos novos prazos e exigências de aposentadoria, a privatização e o fim
da Previdência no Brasil para os mais pobres, cujo rendimento não permitirá que
paguem planos privados de previdência.
Na
área ambiental, a flexibilização se faz pela transferência da União para os
Estados da competência para a determinação de reservas ambientais; pela redução
das exigências dos relatórios de impacto ambiental; pela flexibilização no uso
de agrotóxicos.
Todo
o programa de privatização (e desnacionalização) de empresas estatais corresponde
também a uma ampla desregulamentação da atividade econômica em benefício das
empresas privadas, mas não dos trabalhadores.
O
enfraquecimento da regulamentação econômica se agravará com a redução das
atividades de fiscalização do Estado que decorrerá da atrofia dos organismos de
fiscalização devido a cortes de recursos e de pessoal.
10) A décima recomendação do Consenso de Washington diz
respeito a proteção da propriedade intelectual através de uma legislação mais
favorável aos detentores de patentes e marcas que são, em geral, megaempresas transnacionais.
Há um esforço permanente do
Governo, através do Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI, de
reduzir os prazos para exame das solicitações de concessão de patentes, sem
estabelecer nenhuma obrigação de fabricação no Brasil, o que se torna a patente
um monopólio de importação, e redução das exigências de novidade, ao que se
soma nenhuma fiscalização e remessas significativas e crescentes de pagamentos
ao exterior por tecnologias, muitas vezes obsoletas e pelo uso de marcas, o que
é absurdo.
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