A fúria dos idiotas: a busca pela excitação nas redes sociais
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A fúria dos idiotas: a busca pela excitação nas redes sociais
Por Raphael Silva Fagundes
Esses dias eu estava lendo um artigo no jornal El país sobre o deputado Fernando Holiday do MBL, intitulado: “Fernando Holiday, o vereador incendiário nas redes sociais e cordial na Câmara”. O texto de Felipe Betim dizia que “A postura de Holiday durante toda a votação [na Câmara] contrasta com seu modus operandi nas redes sociais, nas quais aborda, sobretudo, temas nacionais e pouca coisa sobre seu mandato ou a cidade de São Paulo. Elas são constantemente atualizadas, principalmente o Facebook, com postagens contundentes e por vezes agressivas contra a esquerda, o PT e seus adversários”.[1]
Esse tipo de atitude não é contraditória. Na verdade ela é fruto de um fenômeno social que assola a humanidade nas últimas décadas.
Os indivíduos das sociedades pré-industriais não continham sua excitação. O esforço de controle dos sentimentos e emoções em público não existia. O processo civilizador, segundo Norbert Elias, interferiu diretamente nesse padrão comportamental.
O processo civilizador que no fim culminou na elevação da sociedade industrial, onde o trabalho sério e imprescindível para a vida assume relevância inestimável, impôs que a excitação ficasse apenas reservada aos momentos de lazer. “Rituais sociais e cerimônias de casamentos e funerais, por ocasião do nascimento das crianças ou da entrada na maioridade e situações semelhantes, dificilmente proporcionam já assinalável excitação pública como acontecia nas sociedades mais simples”.[2]
no momento de crise que nos encontramos, a linha que separa o mimético do sério se arrebentou |
Nem mesmo no íntimo a excitação poderia ser tolerada, porque as sociedades modernas geraram uma grande complexidade de poder, uma distribuição ampla na qual se impediu determinadas manifestações impulsivas que podem, por sua vez, afetar a posição de alguém nessa estrutura. O trabalho ficou atrelado a nossa rotina racional diária, o lazer ao tempo livre.
O sociólogo alemão diz que nas sociedades industriais o futebol, o teatro, a música, o cinema etc. provocam essa excitação, aliás os indivíduos buscam essas formas culturais justamente para se excitarem. Essas atividades permitem o contato com o inesperado, o que jamais iremos encontrar na rotina, isto é, a imprevisibilidade é um fator que leva a excitação nos momentos de lazer.
Mas é lógico, destaca Elias, que “seja qual for o seu caráter, a excitação e a emoção compensadora, reclamada em algumas atividades de lazer, nestas sociedades são limitadas igualmente por restrições civilizadas”. E é ainda mais curioso quando Elias usa o termo “mimético” para designar o tipo de excitação provocada pelo lazer. É uma excitação que imita a “vida real”, não sendo seriamente perturbante e perigosa. Certas emoções “incendiárias” experimentadas na “realidade” poderiam provocar distúrbios irreparáveis.
No entanto, essa fronteira é tênue porque há “uma relação muito especial e muito direta entre os sentimentos com os quais os fatos miméticos estão de acordo e os sentimentos que se encontram em harmonia com situações críticas reais”. E no momento de crise que nos encontramos, a linha que separa o mimético do sério se arrebentou.
A excitação e ciberespaço
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Quando o indivíduo está “rolando” a sua timeline no Facebook, ele também se encontra em tempo livre, em um momento de lazer realizando uma atividade não remunerada, e, com frequência, depara-se com algo imprevisível, uma notícia polêmica ou um post chocante. Muitas postagens buscam esse fim, são polêmicos e chocantes propositalmente, porque sabe que geram excitação em um espaço onde todos buscam avidamente por ela.
O problema é que para Elias, o desporto, a música, o cinema, etc. são um contraponto a situações sérias. Estes tipos de atividades não podem provocar excitações que tumultuem o mundo social real. No entanto, nas redes sociais isso não funciona desta forma. Lá a excitação provoca impactos na estrutura, embora ainda não sejam capazes de levar a uma mudança dela (a Primavera Árabe, por exemplo, não foi algo tão transformador assim, muito menos os movimentos de 2013 aqui no Brasil).
Lacan não acreditava no grande Outro, um espírito que tudo forma, como pensava Hegel. No entanto, como diz o filósofo esloveno Slavoj Zizek, “para que um indivíduo mergulhe no espaço virtual, o grande Outro tem de estar lá, mais poderoso do que nunca sob o disfarce do próprio ciberespaço, essa forma diretamente universalizada de socialidade que nos permite nos conectar com o mundo inteiro enquanto estamos sentados sozinhos diante de uma tela”.
A ideia de que a coletividade se desmanchou em pequenos mundos, que ficamos reduzidos a átomos sociais, é interessante, mas esses átomos, isto é, os indivíduos em suas redomas, precisam de um lugar onde todos se encontram. Neste espaço, todos sabem que estão sendo observados, melhor dizendo, há um desejo comum de quem penetrou nesse ambiente de ser vigiado. Esse local apresenta-se como neutro, o que permite “que o espaço ‘privado’ das idiossincrasias pessoais, imperfeições, fantasias violentas etc. não transborde numa dominação direta dos outros”.[3] É um lugar perfeito para descarregar o ódio.
Isso explica por que se pode ser incendiário nas redes sociais, xingar todo mundo, mas no mundo “real” ser comportado. Lembra até as figuras de alguns psicopatas dos filmes de Hollywood, onde o assassino em série se comporta normalmente em público, com o seu círculo de amigos, mas no porão de sua casa há alguém sendo torturado até a morte. As redes sociais trouxeram o porão para a luz do sol.
Diferente de outros momentos de lazer, as redes sociais estão abrigando indivíduos que buscam por uma excitação agressiva gratuita. As pessoas estão rindo de absurdos com maior frequência sem precisar demonstrar seus lábios esticados empurrando as bochechas ou a sua boca escancarada entorpecida por uma emoção explosiva. Muitos aplaudiram quando as redes sociais levaram multidões às ruas para derrubar ditadores no Oriente Médio, hoje às condenam por disseminar o ódio a torto e a direito, independente da posição política. Mas uma coisa é certa, as excitações provocadas nas redes sociais só ganharam força física quando foram convenientes para a estrutura vinculada aos interesses capitalistas, porque caso contrário, a boa e velha repressão age sem pudor. A excitação no mundo virtual reflete a falta dela no mundo real (onde todos estão preocupados com as contas, salários e doenças). A repressão que aumenta cada vez mais no mundo real convence-nos da liberdade virtual, e assim a engrenagem do sistema continua a girar.
Raphael Silva Fagundes é doutorando em História Política da UERJ e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
[2] ELIAS, Norbert. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. p. 103.
[3]ZIZEK, S. Em defesa das causa perdidas. São Paulo: Boitempo, 2011.pp. 53-4.
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