Almirante
Othon: houve interesse internacional em minha prisão
Fernando Brito
Pela primeira vez, um grande
jornal, a Folha de São Paulo, se
interessa em ouvir detalhadamente o relato do almirante Othon Pinheiro da Silva
sobre o caso que o levou a ser condenado a 43 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização
criminosa por ter recebido, pagamentos de R$ 3 milhões, que ele diz serem por
consultoria e a Justiça diz serem trabalhos fictícios.
Seja como for, ponha na balança:
Marcelo Odebrecht, confessadamente corrompedor de centenas de políticos com
infindáveis bilhões de reais, pegou 30 anos, que foram convertidos em 10, com
seu acordo de delação e sai agora em dezembro.
Reproduzo trechos da
entrevista que o almirante Othon deu a Monica Bergamo:
·
O Ministério
Público Federal considerou que o estudo assinado pelo senhor para a Andrade
Gutierrez era simplório e entendeu que ele é fictício.
É um desconhecimento total ou
uma vontade de não querer reconhecer a importância do trabalho. São anos de
pensamento sobre o Brasil.
O que ocorreu no país, e
sobre o que falava no meu estudo? O consumo de energia cresceu e o estoque de
água das hidrelétricas estacionou na década de 80. Antes disso, o Brasil
poderia passar por vários anos “secos” porque tinha estoque de água. Mas isso
mudou e veio o apagão.
O Brasil agora precisa de
energia térmica de base.
Termelétricas têm que ser
movidas a carvão ou energia nuclear. E nuclear é melhor para nós, porque temos
reservas de urânio correspondentes a 50% do pré-sal.
Nós temos que aproveitar o
que a natureza nos dá.
Ah, se eu tivesse mais usinas
nucleares. O custo do investimento é maior, mas o do combustível é menor do que
o de outras alternativas.
No caso da hidrelétrica, o
custo do combustível (a água) é quase zero. E no caso da nuclear, é pequeno.
Se eu tiver a energia
nuclear, eu economizo água e não chego nessa situação de apagão. A energia
nuclear não compete com a hidrelétrica. Ela complementa. Era isso o que o
estudo mostrava.
·
Depois o senhor
foi para o governo e a obra de Angra 3 foi retomada.
Em julho de 2005, eu soube
que tinha uma lista para escolher o presidente da Eletronuclear. Eu não queria.
Mas aí eu fiz a grande
bobagem da minha vida. Fui convidado. Bateu a vaidade e eu aceitei. Em outubro
de 2005, assumi o cargo.
·
E como passou a
receber dinheiro da empreiteira?
Tudo o que eu fazia na época,
em que prestava consultoria, era na base do sucesso.
E coincidiu que fui para o
governo e houve a decisão de retomar Angra 3.
Quem decidiu foi o Conselho
Nacional de Política Energética, do qual eu não fazia parte. Como presidente,
eu apenas executei as diretrizes.
Mas passei a fazer jus à
remuneração do trabalho, estudo para a Andrade Gutierrez, que eu fiz antes.
·
Quanto passou a
receber?
Eu cobrei R$ 3 milhões, em
valores de dezembro de 2004. Comecei a receber depois que houve a decisão da
retomada das obras.
Como era um troço
completamente diferente, eles falaram “vamos pagar através de outras empresas”.
Aí virou outro crime.
Se fosse hoje, eu exigiria
deles, da empreiteira Andrade Gutierrez, um contrato de confissão de dívida
para que me pagassem só depois que eu saísse. Eu não receberia no cargo.
Eu tinha direito, foi um
trabalho que eu fiz antes. Não era imoral nem ilegal. Apenas com a experiência
de hoje eu teria feito diferente.
·
O Ministério
Público Federal e a Justiça consideraram que era propina.
Não era propina, não foi
mesmo. Eu achava que tinha direito de receber. Agora, tive o cuidado de não
tomar nenhuma decisão que beneficiasse a empreiteira, não tem nenhum ato de
ofício assinado por mim.
Tivemos inclusive um atrito
inicial com a Andrade Gutierrez, porque eu exigi que o TCU aprovasse os
detalhes do aditivo, para o pagamento do serviço nas obras de Angra 3.
Eles ficaram irritadíssimos.
Fui uma decepção para eles. Houve outras divergências, chegaram a parar as
obras. Ora, se eu tivesse ligação com eles, isso teria ocorrido?
·
Delatores da
empresa afirmaram que o senhor, na verdade, cobrava percentual sobre os
contratos de Angra 3.
A Andrade Gutierrez já tinha
um ressentimento em relação a mim. E delação premiada é um processo muito danado.
O cara acha que agrada os investigadores e senta a pua. Ele não tem
compromisso.
·
O senhor diz que
sua prisão interessa ao sistema internacional. Que evidência tem disso?
Como começou tudo isso? Num
depoimento que o presidente de uma empreiteira fazia sobre um contrato com a
Petrobras.
Ele mencionou que ouviu dizer
algo sobre o presidente da Eletronuclear estar de acordo com um cartel.
Isso serviu de pretexto para
os camaradas vasculharem a minha vida desde garoto. Havia um direcionamento.
·
Mas haveria um
comando externo nas investigações?
Não comando, mas influência
forte, ideológica. Não posso provar, mas tenho um sentimento muito forte. Houve
interesse internacional.
·
E por que haveria
interesse internacional em sua prisão?
Porque tudo o que eu fiz na
área nuclear desagradou. Qual o maior noticiário que tem hoje? A Coreia do
Norte e suas atividades nucleares. A parte nuclear gera rejeição na comunidade
internacional.
E o Brasil vir a ser potência
nuclear desagrada. Disso eu não tenho a menor dúvida.
·
Há setores que
acreditam que o Brasil deveria desenvolver a bomba atômica. O país fez bem em abrir
mão dela?
Eu acho que fez. O artefato
nuclear é arma de destruição de massa e inibidora de concentração de força.
Mas, no nosso caso, se tivéssemos a bomba, desbalancearíamos a América Latina,
suscitando apreensões.
E a última coisa que a gente
precisa na América Latina é de um embate.
·
O país, no
entanto, não abriu mão da tecnologia. Se necessário, em quanto tempo faríamos
uma bomba?
Em uns quatro meses. Com a
tecnologia de enriquecimento que nós usamos, podemos fazer a bomba com o
plutônio, como a de Nagasaki, ou com o urânio, que foi a de Hiroshima. Temos os
dois, porque quem tem urânio enriquecido pode ter o plutônio também.
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