Frei Leonardo Boff
Por mais críticas que se
façam e se tenha que fazer ao PT, com ele ocorreu algo inédito na história
política do país. Alguém do andar de baixo conseguiu furar a blindagem que as
classes do poder, da comunicação e do dinheiro, por séculos, montaram, para inviabilizar
políticas públicas em benefício de milhões de empobrecidos.
As elites endinheiradas nunca
aceitaram um operário, por voto popular, que chegasse ao poder central. É
verdade que elas também se beneficiaram, pois a natureza de sua acumulação, uma
das mais altas do mundo, sequer foi tocada. Mas permanecia aquele espinho na
política: aceitar que o lugar que supunham ser seu, fosse ocupado por alguém
vindo da grande tribulação imposta aos pobres, negros, indígenas, operários
durante todo o tempo da existência do Brasil.
Seu nome é Luiz Inácio Lula
da Silva.
Agora esta elite despertou.
Deu-se conta de que estas
políticas de inclusão social poderiam se consolidar e modificar a lógica de sua
abusiva acumulação.
Como é conhecido pelos
historiadores que leem a nossa história a partir das vítimas, como é o caso do
mulato Capistrano de Abreu, do acadêmico José Honório Rodrigues e do sociólogo
Jessé Souza entre outros, diferente da história oficial, sempre escrita por mão
branca, todas as vezes que as classes subalternas ergueram a cabeça, buscando
melhorar a vida, esta cabeça foi logo golpeada e os pobres reconduzidos à
margem, de onde nunca deveriam ter saído. A violência nas várias fases de nossa
história, foi sempre severa para com os pobres e negros e em alguns casos,
assassina. A conciliação das classes opulentas, à revelia dos reclamos
populares, sempre detiveram o poder e os meios de controle e repressão em seu
próprio benefício.
Não é diferente no atual
golpe midiático-jurídico-parlamentar que injustamente apeou a Presidenta Dilma
Rousseff. O golpe não precisou mais de cassetetes e de tanques. Bastou aliciar
as elites endinheiradas, as 270 mil pessoas (menos de 1% da população) que
controlam mais da metade do fluxo financeiro do país, associadas aos meios
massivos de comunicação, claramente golpistas e antipopulares, para assaltar o
poder de Estado e a partir daí fazer as reformas que os beneficiam
absurdamente.
O Brasil ocupa uma posição
importante no quadro geopolítico mundial. É a sétima economia do mundo,
controla o Atlântico Sul e está voltada para a África. Esta área, na estratégia
do Pentágono que zela pela segurança do Império norte-americano, estava a
descoberto.
Havia aí um país, chave para
a economia futura, baseada na ecologia, que tentava conduzir um projeto de
nação autônomo e soberano, mas aberto à nova fase planetária da humanidade.
Precisava ser controlado.
A Quarta Frota que fora
suspensa em 1950, voltou a partir dos anos 80/90 a ser ativada com todo um
arsenal bélico, capaz de destruir qualquer país oponente. Ela vigia
especialmente a zona do pré-sal, onde se encontram as jazidas de petróleo e gás
mais promissoras do planeta.
Segundo a própria estratégia
do Pentágono, bem estudada pelo recém falecido Moniz Bandeira e denunciada nos
EUA por Noam Chomsky, era decisivo desestabilizar os governos progressistas,
desfigurar suas lideranças, desmoralizar a política como o mundo do sujo e do
corrupto e forçar a diminuição do Estado em favor da expansão do mercado, o
verdadeiro condutor dos destinos do país.
Pertence à esta estratégia
difundir o ódio ao pobre, ao negro e aos opositores deste projeto entreguista.
Pois este é o projeto das
elites do atraso (segundo Jessé Souza). Não querem um projeto de nação, mas uma
incorporação, mesmo subalterna, ao projeto imperial. Aceitam sem maiores
reticências a sua recolonização para serem meros exportadores de commodities.
Argumentam: por que termos uma indústria própria e um caminho próprio para o
desenvolvimento, se tudo já está construído e montado pelas forças que dominam
o mundo?
O capital não tem pátria,
apenas interesses.
Estas elites do atraso
colocam-se do lado do Império e de seus interesses globais. Atrás da
desmontagem dos avanços sociais com a transferência da riqueza popular para os
já super-ricos, estão estas elites do atraso. Bem intuía, pesaroso, o mestre
Celso Furtado no entardecer de sua vida, que as forças contrárias à construção
do Brasil como nação forte, vigorosa e ecumênica, iriam triunfar e destarte
interromper o nosso processo de refundação do Brasil.
Nas próximas eleições devemos
derrotar democraticamente estas elites do atraso, porque não mostram nenhum
interesse pelo país e pelo povo, apenas como oportunidade de negócios. Se
triunfarem, poderão levar outros países latino-americanos para o mesmo caminho
fatal. Teríamos sociedades altamente controladas, ricas por um lado e
paupérrimas de outro, tremendo de medo da violência. Seríamos ainda
positivamente cordiais?
* Frei Leonardo Boff, da Ordem dos Frades Menores, é articulista do
JB on line e escreveu, entre outros, “Brasil: concluir a refundação ou
prolongar a dependência?” a sair em breve pela Vozes de Petrópolis.
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