Exclusivo: gravação indica pressão do governo Alckmin para policiais produzirem flagrantes. Por Joaquim de Carvalho
Uma gravação que circula em grupo de policiais no whatsapp revela que o governo do Estado de São Paulo impôs meta de flagrante para equipes de investigação.
“Senhores, boa tarde. Até o presente momento, não apareceu nenhum flagrante aqui no 4o. DP da operação DECAP. Se não tivermos dois flagrantes por equipe, estão todos escalados para a operação de sábado para domingo, ok? Então vamos, por gentileza, nos empenhar um pouquinho que eu estou no aguardo de um retorno disso? Tá bom? Obrigado e bom trabalho a todos”, diz o delegado, cuja voz é atribuída a Júlio César dos Santos Geraldo, titular do 4o. Distrito Policial de São Paulo, na Consolação.
A reação foi imediata. Um investigador respondeu:
“Manda esse arrombado ir tomar no olho do c… dele. E mandar ele ir para a rua fabricar flagrante. Essa porra dessa operação segura cadeira dele. Manda ele fabricar flagrante, c… O que eu fico fodido é os policiais falando amém. Vá para a p… que o p…”
A gravação revela que, segundo o delegado, a operação não é exclusiva do 4o. Distrito, mas do DECAP, que é o Departamento de Polícia Judiciária da Capital, ou seja, abrange toda a cidade de São Paulo.
Segundo um investigador, que não quer ter o nome citado por razões óbvias, o estabelecimento de meta de flagrante faz parte de um movimento na Secretaria de Segurança Pública para criar uma imagem favorável ao governador Geraldo Alckmin, pré-candidato a presidente, neste momento em que a crise da segurança no Rio de Janeiro ocupa o noticiário.
“Querem mostrar que aqui a segurança pública funciona, ao contrário no Rio. Querem usar a polícia para marketing político”, afirma.
O vazamento da gravação do delegado acontece no mesmo momento em que a coluna Painel, da Folha de S. Paulo, publicou nota sobre uma reunião do governador com a bancada do PSDB no Congresso Nacional.
“O governador Geraldo Alckmin entregou papeis sulfite com um gráfico que compara a taxa de homicídios de São Paulo com a do Brasil. Segundo o informe, enquanto o Estado registrou 9,2 mortes a cada 100 mil habitantes em 2015, o número nacional chegou a 28,9. Alckmin afirmou que, como a segurança será o principal tema da disputa eleitoral, ‘a eficiência de São Paulo será um case na campanha’”, diz a nota.
A queda de homicídios em São Paulo não é obra do governo de São Paulo, mas do PCC, segundo estudo do pesquisador canadense Graham Willis, professor na Universidade de Cambridge (Inglaterra), autor do livro The Killing Consensus: Police, Organized Crime and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil (O Consenso Assassino: Polícia, Crime Organizado e a Regulação da Vida e da Morte no Brasil Urbano).
“A queda foi tão rápida que não indica um fator socioeconômico ou de policiamento, que seria algo de longo prazo. Deu-se em vários espaços da cidade mais ou menos na mesma época. E não há dados sobre políticas públicas específicas nesses locais para explicar essas tendências”, disse ele à BBC, em entrevista publicada em 2016.
Segundo ele, “Para a organização manter suas atividades criminosas é muito melhor ficar ‘muda’ para não chamar atenção e ter um ambiente de segurança controlado, com regras internas muito rígidas que funcionem”.
Willis esteve na periferia de São Paulo e fez um trabalho de observação. “Quando estive numa comunidade controlada pela facção, moradores diziam que podiam dormir tranquilos com portas e janelas destrancadas”, afirma.
O líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, flagrado numa escuta em telefonema de dentro do presídio, disse:
“O irmão, sabe o pior que é? E que há dez anos todo mundo matava todo mundo por nada… Hoje pra matar alguém é a maior burocracia, então quer dizer, os homicídios caíram não sei quantos por cento, aí eu vejo o governador chegar lá e falar que foi ele”.
Por burocracia, entenda-se: autorização dos líderes do PCC nas comunidades, chamados de Irmandade, para que alguém seja assassinado.
O estabelecimento de metas de flagrante, como mostra a gravação atribuída ao titular do 4o. DP, é o caminho mais curto para erros na Polícia.
No afã de atender ao chefe, investigadores podem forçar a barra, forjar provas, e colocar na cadeia gente inocente.
No Brasil, como se viu na intervenção federal e na pressão do delegado para apresentação de flagrantes, segurança virou moeda para conquistar a simpatia do eleitor.
O risco de desastres é enorme.
.x.x.x.
PS: Procurei o delegado Júlio César dos Santos Geraldo. Um policial me atendeu, e relatei a ela detalhes da reportagem. A policial disse que o delegado estava em outra ligação, pediu meu telefone e disse que ele retornaria. Estou aguardando. Assim que ele ligar, publicaremos suas respostas.
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