Política
Elite?
A casta da Justiça
Trata-se de uma espécie de “nobreza” que se autorreproduz de modo familiar, por casamentos e hereditariedade
Reprodução/The Intercept
Uma pipoca enquanto assistem à tragicomédia chamada Brasil
O uso da palavra “elite” como algo pejorativo sempre esteve na boca de todos. Como acusação abstrata, o termo é, no entanto, inofensivo.
Por conta disso, sempre insisti em meus trabalhos em nomear a “elite econômica”, ou a elite dos proprietários, como aquela fundamental, dado que apenas ela pode “comprar” – não necessariamente em dinheiro vivo - as outras elites que lhe são subalternas.
Essa “compra” não se dá no modelo da “classe dirigente” que de cima comandaria o processo de dominação social. É necessário perceber essa relação mais como uma “divisão de trabalho da dominação” do que uma relação de subordinação direta e não mediada.
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A análise da relação entre a fração financeira do capital e a “casta jurídica” permite concretizar o que entendemos como divisão de trabalho interna na “elite do poder”.
Na realidade, essa relação espelha de modo muito típico a articulação entre a classe de proprietários e as camadas superiores da classe média.
No caso classe média (toda classe social se define pela reprodução de privilégios, positivos ou negativos), é a reprodução de conhecimento útil e altamente valorado que define sua posição superior na sociedade.
Nem todo conhecimento é, porém, igualmente importante para a reprodução das relações de poder. A classe média não se diversifica apenas horizontalmente nas suas diversas frações de classe. Ela também se diversifica “verticalmente” pela proximidade com o núcleo do poder.
O CEO de um banco é quem defende os direitos de propriedade dos acionistas e ele próprio recebe uma parte nada desprezível dos ganhos. Aqui, nas altas camadas, a proximidade e o entrelaçamento de interesses entre elite e classe média é real.
É o caso da “casta jurídica”. Ela cumpre uma função semelhante àquela do executivo do banco no aparelho de Estado. Mas a aparência de autonomia é muito maior. Ela é uma espécie de “nobreza” que se autorreproduz de modo familiar, por casamentos e hereditariedade.
O professor Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná, conduziu um interessante estudo: se o estado tem menos de cem anos de exploração econômica intensiva, sua casta jurídica se reproduz familiarmente há mais de 150 anos.
Isso não é patrimonialismo, mas nepotismo. A casta jurídica é uma ordem estamental que se percebe acima da sociedade e de seus conflitos unida por uma ética corporativa de autoproteção. A Lava Jato, no país da compra de sentenças judiciais, não registra um caso de corrupção e fraude no Judiciário. Só este fato comprova seu caráter seletivo, corporativo e reacionário.
A Lava Jato turbina a casta jurídica de modo inaudito na história. A expansão dos cargos jurídicos no Estado nos últimos 20 anos fez também com que uma classe média ampliada, que pudesse pagar para seus filhos anos a fio de estudo para os concursos, encontrasse a justificação perfeita para uma meritocracia restrita.
Esse é o público perfeito para a fúria santa do moralismo de fachada como justificação para o aumento de privilégios econômicos e pressão por influenciar a agenda política no sentido do punitivismo seletivo como ideologia corporativa.
O moralismo seletivo é o pretexto perfeito para a competição clássica entre os estratos técnicos para desapossar o poder político, tensão esta que, como mostra Max Weber, habita todas as formas de Estado em todas as épocas.
Como o poder dos proprietários depende do saque e da colonização do Estado para seus fins, a aliança da casta jurídica com estes passa a ser estratégica para ambos que perseguem, cada qual com seu motivo, a mesma criminalização da política e a mesma estigmatização da soberania popular como fonte de poder legítimo.
Assim, a relação de subordinação da casta jurídica aos interesses da elite, objetiva e material, aparece ao público e aos integrantes da própria casta precisamente pelo efeito do corporativismo como ideologia explícita de autoproteção, como se fosse independência.
Essa ilusão objetiva dos integrantes da casta jurídica – as camadas superiores do aparelho jurídico-policial – apenas fortalece o vínculo entre as diversas elites, pois ambas perseguem fins comuns enquanto cuidam do próprio umbigo.
A subordinação material da casta jurídica e da Lava Jato aos interesses da elite financeira, dado que a mídia venal é o braço armado dessa elite sem a qual a operação não existiria, é substituída pela defesa da honra estamental de casta intocável.
Para usar um exemplo recente, a recusa, claramente ilegal, de permitir a visita a Lula dos governadores amigos sequer precisa assumir dimensão política e partidária. A pecha de críticos do Judiciário e dos juízes garante solidariedade de cima abaixo na justiça de casta
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