quinta-feira, 24 de maio de 2018

A Esquerda diante da paralisação dos caminhoneiros

Artigo | A Esquerda diante da paralisação dos caminhoneiros

Transportadoras trancam o país e aprofundam crise política; a esquerda deve aproveitar a brecha e politizar o movimento

Brasil de Fato | João Pessoa (PB)
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"A esquerda não vai dirigir a paralisação, mas a direita pode ter atiçado um formigueiro que poderá fugir a seu controle" / Divulgação
A paralisação dos motoristas de caminhão certamente é o elemento conjuntural que tem gerado maior perplexidade e polêmicas no seio da esquerda, nos últimos tempos. Mesmo com a nota da Frente Brasil Popular e de outras organizações políticas e sindicais, é patente a confusão no seio das vanguardas de forças do campo democrático e popular. É sensível a falta de uma avaliação política e de uma diretriz tática clara diante dessa conjuntura.
O descompasso inexorável entre a realidade e a análise que dela se faz, todavia, não deve paralisar as direções políticas, uma vez que lhes cabe exatamente buscar superar esse fosso projetando cenários e fazendo "apostas" políticas.
A paralisação é claramente dirigida por setores empresariais, o que revela uma contradição a ser explorada no bloco burguês. Por outro lado, esse movimento parece dar sinais de desbordar essa direção política, diante dos sinais de legitimidade popular que alcançou e de certo espontaneísmo que começa a se somar.
Claro que, num primeiro momento, tendo em conta a memória coletiva da experiência traumática da apropriação, pela direita, das manifestações de junho de 2013, bem como as crescentes manifestações de facistização na sociedade brasileira, se justifica a preocupação. Diante de um possível aprofundamento e radicalização desse explosivo movimento, num cenário em que a direção política não é do campo de forças populares, o Temer possa ser usado como "boi de piranha" para uma saída autoritária. Não se pode descartar a possibilidade de sua queda junto com o adiamento das eleições. 
No entanto, para as organizações políticas o fundamental é reconhecer os flancos que se abrem com a agudização de uma crise que, ao aprofundar-se, passa a ser mais do que uma mera crise política. Caminha para uma crise institucional, uma vez que a ela se somam a crise econômica, engendrada pelo neoliberalismo, e uma crise social sem precedentes. Tal crise institucional pode, inclusive, abrir portas para uma crise de regime. O desfecho dela, todavia, não é dado a priori, como algo inexorável. 
O que cabe às esquerdas nesse momento é disputar a legitimidade social do movimento, ainda que o movimento em si seja dirigido por setores burgueses. Fazer penetrar sua leitura da conjuntura e as alternativas que apresenta. Politizar o processo apostando na polarização social, com clareza de que o fundamental é acumular forças no plano organizativo para o cenário que vier, inclusive se ele for o do adiamento das eleições ou coisa pior.
Aplicar na prática política o conceito de defesa ativa nesse cenário de derrota estratégica, após o golpe de 2016, implica fustigar o inimigo em seus pontos frágeis. A disputa intraburguesa revelou essa fratura. A esquerda não vai dirigir a paralisação, mas a direita pode ter atiçado um formigueiro que poderá fugir a seu controle. 
Lembremos que em janeiro de 1905, na Rússia tsarista, um certo Padre Gapón, representante da Igreja Ortodoxa (a qual dava sustentação ao regime autocrático), dirigente de um sindicato amarelo, decidiu organizar uma manifestação pacífica para que os trabalhadores levassem uma petição ao "papai" Tsar Nicolau II, solicitando-lhe que destinasse mais atenção à vitimas da fome e de frio no contexto de crise econômica e derrota militar na guerra contra o Japão. Ao receber a manifestação debaixo de bala, com inúmeros mortos, o Domingo Sangrento desatou um conjunto de greves e manifestações de solidariedade espontâneas que fugiram ao controle e aos planos de quem dirigia o movimento até ali. 
Não, nós não estamos na Rússia. Não, nós não estamos em 1917. Não, nós não estamos diante de um regime autocrático. Não, nós não estamos às portas da Revolução, muito pelo contrário, vivemos um cenário de cerco e aniquilamento.
Não é intenção aqui fazer qualquer derivação ou comparação histórica mecânica. Apenas chamar atenção para certas lições históricas. Em primeiro lugar, para o fato de que as manifestações espontâneas podem surgir de contextos dos mais improváveis, e que cabe aos partidos políticos politizá-las se somando, vinculando-se à classe. Em segundo lugar, de que foi o aprendizado nas ruas e nas greves que fez o proletariado e o campesinato russos reconhecerem as palavras de ordem das suas vanguardas políticas.
Ou seja, se há um enorme grau de imprevisibilidade do movimento dos caminhoneiros, não cabe a posição de neutralidade ou de afastamento (defesa passiva). Qualquer que seja o desfecho, o importante é que tenhamos acumulado um mínimo de forças para resistir ao que virá, ou para ampliar nossa capacidade de fustigamento no contexto de resistência (retirada estratégica) em que vivemos. É imperativo, no plano tático, a defesa ativa, aproveitando a brecha nas fileira inimigas para furar, ainda que temporariamente, o cerco.
Nesse sentido, é de fundamental importância iniciativas como a greve dos petroleiros, por exemplo. A ordem agora é fustigar, politizar e resistir. 
*Médico da Rede de Médicos e Médicas Populares e militante da Consulta Popular
Edição: Paula Adissi

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