PRISÃO POLÍTICA
Acesso regular de cineastas a presos indica que proibição a Lula é censura
O dia a dia de documentaristas que realizaram produções com presos revela que veto a gravações com Lula foge à regra. Procedimento para entrevistar presos não políticos é, na verdade, legal e simples
por Gabriel Valery, da RBA publicado 19/07/2018 19h31, última modificação 19/07/2018 19h36
REPRODUÇÃO/REDE GLOBO
No último domingo (15), o Fantástico, da TV Globo, mostrou detalhes de um presídio
São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso na sede da Polícia Federal do Paranádesde abril, está impedido de ser entrevistado do cárcere. Mesmo sendo pré-candidato à Presidência, uma decisão da juíza Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, impede veículos de imprensa de sabatiná-lo, como fazem com outros pré-candidatos.
A magistrada alega que “não há previsão constitucional ou legal que embase direito do preso à concessão de entrevistas ou similares”. A RBA procurou profissionais que realizaram entrevistas em presídios e verificou que essa interpretação foge do padrão.
A decisão da juíza de Curitiba, de restringir o direito de Lula como pré-candidato, contradiz inclusive recentes decisões de diferentes instâncias da Justiça. Na terça-feira (17) uma decisão da presidenta do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, determina que penas restritivas de direitos devem esperar o trânsito em julgado em todas as instâncias, o que não aconteceu no caso de Lula.
Outra decisão, por intermédio da ministra Rosa Weber, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negou, durante seu plantão, um pedido de antecipação de inelegibilidade do ex-presidente, feito pelo Movimento Brasil Livre (MBL).
Fantástico no presídio
Em texto veiculado hoje (19), Lula afirma, sobre a decisão da juíza: “Parece que não bastou me prender. Querem me calar”, o que remete à retórica do ex-presidente, enfatizada antes de ser preso: “Eu não sou mais um ser humano, sou uma ideia”.
O PT, em nota assinada pela presidenta da legenda, senadora Gleisi Hoffmann (PR), classificou a decisão de Carolina Lebbos como “teatro jurídico” e disse que a juíza "pode muito", mas não decidir sobre nada em matéria eleitoral. "Este tema é de competência exclusiva da Justiça Eleitoral. A verdade é que se decidiu sem competência para tal e, o que é pior, em absoluto descompasso com a própria legislação eleitoral."
O advogado Cristiano Zanin, da defesa de Lula, ao informar que recorreria da decisão, disse que a juíza "reforça violações a direitos e garantias fundamentais do ex-presidente", no sentido de que a lei que vale para todos é diferente da que vale para ele.
Em outras situações, dentro da normalidade jurídica, é possível entrevistar presos após cumprir alguns procedimentos. O programa Fantástico, no domingo (15), gravou um especial na penitenciária de Tremembé, mostrando detalhes da instituição por dentro.
O documentarista Rodrigo Siqueira atesta as possibilidades. “Estou fazendo um filme inteiramente rodado dentro de prisões. As autorizações vieram sem problemas. Só tive de esclarecer o que ia fazer. Fiz uma abordagem inicial, apresentei a proposta. Comecei pela Secretaria de Assistência Penitenciária (SAP) e então pedi uma autorização judicial. Me pediram consentimento dos diretores gerais das unidades e, feito isso, a Justiça liberou”, relata.
Presos não políticos em cena
Siqueira, autor de longas como Orestes (2015) e Terra Deu, Terra Come (2010), está trabalhando em um projeto chamado 171 – Me Engana que Eu Gosto, que conta com cerca de 30 "personagens" que estão presos. “Filmei em três presídios de São Paulo, sendo um de segurança máxima, um Centro de Detenção Provisória (CDP) e uma penitenciária feminina. São três presídios com gestões diferentes e escalas de rigor diferentes”, observa.
“O fato é que filmei com presos condenados em crimes mais leves e outros mais graves. Todos em regime fechado. Falei com homicidas, traficantes, condenados por latrocínio, assalto a mão armada. Alguns cometeram crimes hediondos”, afirma.
O procedimento foi similar ao relatado pela documentarista Luíza Zaidan, que após um imprevisto no cronograma de filmagens precisou gravar de dentro do CDP de Pinheiros, em São Paulo. “Não era exatamente o nosso tema, mas acabamos gravando na cadeia. Uma personagem acabou sendo presa antes das filmagens e concluímos os trabalhos dentro do presídio.”
“O processo para entrar no CDP foi bastante simples. Conseguimos fazer em um tempo bem rápido. Como não tínhamos uma pauta muito relacionada com a cadeia, com a estrutura, foi bem rápido. Primeiro, o Tribunal de Justiça (TJ) entrou em contato com a juíza que cuidava do caso dela para conseguir uma autorização. Depois disso, entramos em contato com a SAP que consultou a personagem se ela queria ser filmada. Com isso, logo agendamos. Coisa de uma semana esse trâmite todo”, diz Luíza.
A personagem está presa há cerca de um mês. A produção está em processo de edição. O documentário curta-metragem se chama A Flor da Pedra e ainda não tem data para lançamento.
A cineasta Júlia Hannud encontrou, por sua vez, ambiente diferente dos demais. Ela se impressionou com a ausência de burocracia para concretizar o documentário intitulado Corpo e Muro, ainda não lançado. Júlia filmou no presídio feminino de Franca (SP). “Toquei a campainha e falei que tinha um projeto universitário e que queria apresentar ao responsável. Do outro lado, disseram que ele (o diretor da unidade) não tinha chegado ainda e que poderia esperar. Quando chegou, toquei em seu ombro, ele estava no telefone. Falei sobre o projeto e ele me chamou para entrar”, descreve a cineasta.
“Só eu entrei. Lá, fiquei três horas conversando com ele sobre o projeto. Trocamos uma ideia, ele falou sobre a experiência dele como delegado. Disse que se eu quisesse gravar, de acertar com as presas. Ele me deixou entrar e disse que se as meninas falassem para eu ir embora, eu teria de ir. Aceitei.”
Júlia estranhou não ter esbarrado em burocracia. “Chamei a equipe e entramos na parte principal do presídio sem os equipamentos. Veio uma presa nos receber na porta e eu comentei sobre o trabalho. Entramos, demos alguns passos e reparamos que não tinha nem um carcereiro com a gente. Achei estranho, mas tudo bem. Sentamos em roda dentro do pátio e se aproximaram umas 11 meninas para falar comigo.”
A documentarista admite que acredita que não seja sempre assim. Diz já ter conversado com outras pessoas que precisaram de autorização. Mas, em comum, todas conseguiram entrevistar os presos não políticos, sem censura.
Pelo mundo
Documentários com presos entrevistados e, até mesmo, com detalhes sobre o funcionamento das prisões não são exclusividades do Brasil. A vivência no ambiente de cárcere e a pluralidade de histórias encontradas nas celas são campo fértil para diferentes produções. É o caso da série Por Dentro das Prisões Mais Severas do Mundo, que teve sua segunda temporada lançada recentemente pela Netflix.
Nela, um jornalista da rede britânica BBC, que passou 12 anos preso injustamente, mostra o dia a dia de prisões em todo o mundo. O material apresenta prisões em países como Brasil, Honduras, Polônia, México, Filipinas, Ucrânia e Papua Nova Guiné.
Documentários com presos entrevistados e, até mesmo, com detalhes sobre o funcionamento das prisões não são exclusividades do Brasil. A vivência no ambiente de cárcere e a pluralidade de histórias encontradas nas celas são campo fértil para diferentes produções. É o caso da série Por Dentro das Prisões Mais Severas do Mundo, que teve sua segunda temporada lançada recentemente pela Netflix.
Nela, um jornalista da rede britânica BBC, que passou 12 anos preso injustamente, mostra o dia a dia de prisões em todo o mundo. O material apresenta prisões em países como Brasil, Honduras, Polônia, México, Filipinas, Ucrânia e Papua Nova Guiné.
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