terça-feira, 20 de novembro de 2018

Pesquisa da UnB sobre os médicos cubanos

Pesquisa da UnB, exclusivo: Assistência digna prestada por médicos cubanos melhora adesão ao tratamento, evita complicações, internações;  saída será uma tragédia
Foto: Araquém Alcântara/Mais Médicos
BLOG DA SAÚDE

Pesquisa da UnB, exclusivo: Assistência digna prestada por médicos cubanos melhora adesão ao tratamento, evita complicações, internações; saída será uma tragédia


20/11/2018 - 21h29

por Conceição Lemes
Desde 14 de novembro, quando o governo de Cuba comunicou o fim da participação no Programa Mais Médicos, as manifestações na mídia e redes sociais são majoritariamente um lamento só.
Põem abaixo as falas desrespeitosas e depreciativas do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), desqualificando os médicos cubanos.
Devaneio? Achômetro desta repórter?
Evidências científicas apresentadas por estudo feito pelo Grupo de Pesquisa Mais Médicos, da Universidade de Brasília (UnB), mostram que não.
Baseado nos bancos de dados do Ministério da Saúde e entrevistas feitas em 32 municípios das cinco regiões do país, esse estudo corrobora a voz do povo.
Uma conclusão logo salta à vista: o atendimento mais cuidadoso e humanizado dos médicos cubanos.
É elogiado por todos os atores do Sistema Único de Saúde (SUS), a começar por quem o usa: os usuários.
Igualmente por gestores, conselheiros de saúde de municípios, coordenadores de redes de atenção básica e demais profissionais que integram as equipes de saúde da família.
‘’Uma das grandes vantagens da assistência humanizada é que favorece a criação de vínculo entre o médico e o paciente, melhorando adesão ao tratamento’’, destaca a professora e pesquisadora Leonor Pacheco, coordenadora do grupo de pesquisa da UnB.
Essa segunda é conclusão do estudo, que leva à terceira.
”Ao aderir ao tratamento, os pacientes frequentam mais as UBSs [Unidades Básicas de Saúde] para acompanhamento de rotina, evitando complicações mais graves e descongestionando as urgências e emergências’’, observa Leonor Pacheco, que é professora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB.
INTERIORIZAÇÃO E MAIOR EQUIDADE DE ACESSO
Desde a sua criação, o Programa Mais Médicos sempre priorizou os profissionais brasileiros.
Porém, na primeira chamada apenas 1.096 se candidataram. Esses brasileiros e outros 522 estrangeiros foram econtratados, totalizando 1.618 médicos.
Ou seja, apenas 10,4% dos 15.460 médicos solicitados pelos 3.551 municípios que aderiram ao programa na sua primeira chamada, em julho de 2013.
Essa distância gritante entre a oferta e a demanda levou então o Brasil a firmar o acordo de cooperação internacional com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para a vinda de médicos cubanos.
Nos primeiros 12 meses, o programa recrutou 14.462 médicos, sendo 79% cubanos, 16% brasileiros e 5% de outras nacionalidades.
Resultado: redução de municípios com extrema carência de médicos, ou seja, com menos de 0,1 médico por mil habitantes.
Não existe um número ideal, absoluto, de médicos por habitantes.
Esse número depende do modelo de atenção básica e das condições da população.
A maioria dos países com bons sistemas de saúde tem 3 médicos por 1 mil habitantes.
O Reino Unido, usado como referência para o Mais Médicos, tem 2,7 médicos por 1 mil habitantes.
Mas, abaixo de 1 médico por 1 mil habitantes, é considerado crítico.
O estudo da UnB revela que, antes do Mais Médicos, apenas 823 municípios tinham 1 médico por 1.000 habitantes.
Um ano após a criação do Programa, 991 municípios já atingiam o patamar de 1 médico por 1.000 habitantes.
Nesse mesmo período, o número de municípios com menos de 0,1 médico por 1.000 habitantes caiu de 374 para 95. Redução de 75% , como mostram os dois mapas abaixo.
Distribuição municipal de médicos por mil habitantes antes da criação do Programa Mais Médicos, em julho de 2013
Distribuição municipal de médicos por 1 mil habitantes após o Programa Mais Médicos. Brasil, 2014
“O Programa teve a contribuição ímpar de atrair e fixar médicos em áreas remotas, de difícil acesso, com populações historicamente desassistidas, como indígenas e quilombolas rurais’’, ressalta Leonor Pacheco.
O programa enviou 3.390 médicos para municípios que tinham comunidades quilombolas rurais e 294 para trabalhar nos Distritos Sanitários Indígenas.
”Pela primeira vez, desde a criação do subsistema de saúde indígena no SUS, foi possível garantir a presença de médicos em todos os 34 distritos sanitários indígenas’’, enfatiza a professora. ‘’Cobertura de 100%’’.
A interiorização das ações e a melhor distribuição de médicos contribuíram para:
*garantir maior equidade no acesso e utilização dos serviços de saúde;
*desenvolver a atenção médica em municípios onde antes não havia profissionais;
*fortalecer e aumentar a cobertura da Atenção Primária em Saúde.
ATORES DO SUS FALAM SOBRE OS MÉDICOS CUBANOS
Do Grupo de Pesquisa Mais Médicos, além da professora Leonor Pacheco, fazem parte: Ana Costa, André Moura, Felipe Oliveira, Fernando Carneiro, João Paulo Oliveira, Josélia Souza, Lucélia Pereira, Sábado Girardi, Sidclei Queiroga, Ximena Bermudez e Yamila Gomes.
Como dissemos no início, todos os atores do SUS foram ouvidos sobre o programa e os médicos cubanos.
Segue o que a pesquisa da UnB revela sobre a avaliação de cada um deles.
Profissionais das equipes de saúde da família
Eles afirmam que a inserção dos médicos cubanos no programa:
*Colaborou efetivamente para disponibilizar médicos para atender às necessidades da população, além de ampliar o acesso à assistência com maior qualidade e integralidade.
*Melhorou o acolhimento, vínculo e respeito devido à valorização da condição humana dos usuários.
* Foi determinante para os avanços na atenção básica das localidades onde os cubanos estavam inseridos devido à imensa disposição deles para resolver os problemas de saúde das pessoas.
*No interior das equipes, eles se integraram no processo de trabalho multi-profissional, favorecendo o fortalecimento da atenção primária.
Usuários do SUS atendidos por  médicos cubanos
Os pacientes referem:
*Aumento da satisfação com a atenção básica e a capacidade de resposta dos serviços.
São várias as evidências nesse sentido. Por exemplo, atendimento na hora marcada, demanda espontânea de pacientes que não estavam agendadas, visitas domiciliares e diminuição do tempo de espera até a realização de consulta médica.
*Pela primeira vez na vida, muitos tiveram acesso a consulta médica; antes não havia atenção médica regular no município.
*Satisfação com a atenção, sensibilidade, respeito, trato humanizado e disponibilidade dos médicos cubanos. Em resumo: dignidade na assistência.
Sobre os médicos cubanos, os usuários destacam ainda:
*Responsabilidade em permanecer no município para o qual foi designado pelo Programa Mais Médicos.
*Compromisso com a população na consulta médica, na relação médico-paciente, na efetiva resolução dos problemas, por meio do estabelecimento de relações horizontais, mais próximas e afetivas. Enfim, ouvir, olhar, examinar, cuidar.
Conselheiros de saúde dos municípios estudados 
Eles mencionam:
*Melhoria da qualidade da atenção básica no local de atuação dos médicos cubanos.
*Avanços na saúde da população rural, já que foi incorporada como cenário da atenção básica.
*Em relação à consulta médica, referem mais amor, atenção, cuidado.
* Diminuição da necessidade de consultas de urgência devido à permanência dos médicos na UBS.
‘’Doentes crônicos, principalmente os hipertensos e diabéticos quando bem monitorados e controlados, deixam de apresentar crises agudas de suas doenças e passam a não precisar mais de internações ou outros procedimentos mais agressivos e custosos’’, justifica Leonor Pacheco.
 Cubanos do Programa Mais Médicos 
Eles também foram entrevistados para a pesquisa, e falam por eles mesmos:
*Dedicam  tempo maior de consulta em comparação ao que a população estava acostumada; consideram isso é necessário para fazer uma avaliação clínica detalhada de cada paciente e do seu prontuário.
*Nas visitas domiciliares, eles aplicam um olhar integral ao paciente, família e ambiente.
* Observaram a carência prévia de atenção médica nas comunidades.
*Detectaram com preocupação o grande consumo de medicamentos, especialmente psicofármacos sem o devido controle.
* Conseguiram encaminhar pacientes para acompanhamento psiquiátrico.
Gestores municipais (secretários de Saúde e coordenadores de atenção básica)
Eles também fizeram elogios à atuação dos médicos cubanos:
* Melhoria de indicadores de saúde da atenção básica, como pré-natal, visitas domiciliares, melhor acesso à rede e à humanização do cuidado, além da vigilância à saúde.
* Atendimento minucioso, tempo adequado de consulta, melhora na qualidade da consulta médica, realização de exame físico completo, uso racional de medicamentos, respeito e responsabilidade no acompanhamento dos casos, preocupação em resolver os problemas dos pacientes e  cumprimento de horários.
*Atuam na prevenção e promoção da saúde, e não somente atendendo usuários doentes.
* Buscam garantir o atendimento dos usuários, seja nas UBS ou em visitas domiciliares, procurando respeitar suas especificidades, inclusive culturais.
Resultado: significativa redução de hospitalizações por causas evitáveis e satisfação da população com os serviços de saúde.
COM A SAÍDA DOS MÉDICOS CUBANOS, UMA TRAGÉDIA SE AVIZINHA
Diante de tudo isso, não é preciso ter bola de cristal para prever o imenso impacto que a saída dos 8.500 médicos cubanos terá.
É uma tragédia anunciada que atingirá 29 milhões de brasileiros.
As tabelas e mapas abaixo ajudam a visualizar onde isso acontecerá
A tabela  e o mapa Percentual  de população desassistida mostra a porcentagem da população de cada estado que ficará sem assistência com a saída das médicos cubanos.
No Acre, será 32%. Seguem de perto, Rondônia e Amapá com 27% e 26% cada, respectivamente.
A população de todos os estados da região Norte será afetada em proporção maior que a média do Brasil, que é de 12%.
A tabela e o mapa Percentual de municípios com perda total de assistência médicareferem-se àqueles municípios que só contam com a presença dos médicos cubanos.
O destaque é Rondônia: um quarto dos municípios sem nenhum médico.
O Rio Grande do Sul vem em segundo lugar: 17%.
Em todo o Brasil, serão quase 6% dos municípios sem médico algum.
A tabela e o mapa Número de municípios com perda total de assistência médicaapresentam quantas cidades em cada Estado ficarão sem nenhum médico com a saída dos cubanos.
Em números absolutos nos estados do Sul e Sudeste está localizado o maior numero de municípios nesta situação. Destaque para RS, SP, MG SC e PR.
Em todo o Brasil, serão 367 os municípios sem nenhum médico.



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