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Empresas e entidades apontam riscos para futuro da Internet no Brasil
por Intervozes — publicado 16/11/2018 16h15, última modificação 19/11/2018 13h27
Em nota lançada esta semana, setor empresarial, academia e organizações civis defendem políticas e direitos que devem ser mantidos no próximo governo
Agência Câmara
Dia da aprovação do Marco Civil na Câmara dos Deputados, em 2016: luta por direitos continua com regulamentação
Por Bia Barbosa*
Períodos de transição entre governos são historicamente marcados por pleitos e reivindicações dos mais diferentes setores. Na área da Internet não seria diferente, principalmente se considerarmos o significativo impacto das tecnologias digitais no último processo eleitoral e os desafios colocados sobre seu uso para a democracia brasileira. Considerando ainda a ausência de políticas de comunicação no programa do então candidato Jair Bolsonaro e o silêncio quase total sobre o tema desde sua eleição, diferentes setores lançaram, por ocasião da realização do VIII Fórum da Internet no Brasil, uma carta aberta sobre o futuro da Internet no país.
O documento, assinado pela Brasscom ( Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), pela Câmara-e.net (Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico) e pela Coalizão Direitos na Rede, que reúne 30 organizações acadêmicas e da sociedade civil que defendem direitos digitais, traz a posição desses setores sobre leis e políticas públicas consideradas primordiais de continuarem no próximo governo. De acordo com a nota, o Brasil conquistou importantes avanços nos últimos anos em relação à garantia de direitos e liberdades para os usuários e usuárias de Internet, que devem ser mantidos e expandidos, sobretudo por terem proporcionado ao país uma posição de destaque e reconhecimento internacional no que diz respeito à cooperação entre setor público, empresarial, acadêmico e a sociedade civil.
Um desses avanços foi o Marco Civil da Internet, que já foi alvo de ataques do presidente eleito. Na época de sua discussão pelo Congresso Nacional, em 2014, o deputado Jair Bolsonaro se posicionou contrariamente ao texto, que se tornou referência global nos últimos anos para a garantia de direitos na rede. Atualmente, mais de 200 projetos de lei para alterar o Marco Civil tramitam entre Câmara e Senado – a sua maioria visando alterar regras na proteção à privacidade e ao exercício da liberdade de expressão pelos internautas. A carta lançada esta semana afirma claramente: “é preciso defender seus princípios e garantias”.
A governança multissetorial, que tem sido central para o desenvolvimento da Internet no país, sob a batuta do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), também é apontada no documento como fundamental para a adoção de novas normas que equilibram as demandas dos diferentes grupos da sociedade. É o caso da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, recém-sancionada pela Presidência da República, que envolveu uma articulação positiva entre diversos setores para sua aprovação, unânime nas duas Casas do Congresso.
A carta sobre o futuro da Internet lembra, entretanto, que para seguir avançando no objetivo de estabelecer segurança jurídica nos negócios envolvendo o tratamento de dados pessoais e garantir a efetividade da nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, incluindo a fiscalização do poder público sobre o tratamento dos dados dos cidadãos, é fundamental a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados. O projeto de lei originalmente aprovado pelo Congresso previa a criação deste órgão, com autonomia institucional, financeira e política. Mas Michel Temer vetou os artigos da lei relacionados à Autoridade e também ao conselho multissetorial, que teria a prerrogativa de apontar diretrizes para uma Política Nacional de Proteção de Dados.
Empresários, academia e sociedade civil entendem – e afirmaram publicamente esta semana – que uma autoridade independente é estratégica para “acompanhar, de maneira centralizada, a aplicabilidade da lei, dialogar com os agentes de tratamento e a sociedade, receber denúncias sobre abusos no tratamento de dados pessoais, promover o desenvolvimento tecnológico e a inovação baseada no uso responsável dos dados e fiscalizar o cumprimento da lei pelos setores público e privado”.
Os vetos da Presidência à criação da Autoridade estão na pauta do Congresso há algumas semanas e devem ser analisados até o início de dezembro. Nos últimos dias, cresceram as chances de serem derrubados pela maioria do Parlamento, sobretudo diante do risco, anunciado pelo governo eleito, de que a regulação e fiscalização da exploração de dados pessoais no Brasil serão submetidas a um organismo de caráter militar como a Agência Brasileira de Inteligência, o que compromete significativamente as liberdades democráticas.
Mobilização internacional
O receio de que as políticas de Internet passem a ser conduzidas de outra forma do país, desconsiderando a experiência técnica e a referência de política multissetorial bem sucedida do CGI.br, também levou as organizações da sociedade civil a lançarem um alerta internacional sobre o tema esta semana. Durante encerramento do Fórum de Governança da Internet, realizado pelas Nações Unidas em Paris, na sede da Unesco, a Coalizão Direitos na Rede também divulgou uma carta pública sobre os riscos para o setor.
Além dos pontos que já haviam sido mencionados no documento conjunto com os empresários, a Coalizão chamou atenção especial à garantia da segurança das comunicações e das liberdades individuais e coletivas – incluindo a adoção e promoção de tecnologias seguras como a criptografia – e denunciou a gravidade das práticas adotadas em propagandas eleitorais envolvendo plataformas de Internet que dominam o mercado de redes sociais. “O WhatsApp, por exemplo, serviu a interesses políticos que influenciaram o cenário das eleições com sérias violações à Lei Eleitoral”, afirmou o documento.
Também preocupa a sociedade civil a continuidade de políticas públicas de acesso e conectividade da população. Está na pauta do plenário do Senado, para a próxima semana, a votação do PLC 79/16, que modifica a Lei Geral de Telecomunicações e pode resultar na entrega de mais de 100 bilhões de reais em infraestrutura pública – cabos, torres, edifícios – para o setor privado, sem garantia de contrapartidas que enfrentem a exclusão digital de 30% de brasileiros que seguem desconectados.
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Durante a sessão da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, que discutiu o projeto de lei no início de novembro, o senador Roberto Rocha (PSDB/MA) pediu a inclusão de uma emenda que garantisse que “pelo menos 50% dos compromissos de investimento previstos (…) serão destinados às localidades das Regiões Norte e Nordeste com menores rendas per capita”. O relator na CCT, senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA), não concordou em alterar o texto, mas se comprometeu a viabilizar a medida via regramento interno posterior da Anatel. Mas não há nenhuma garantia de que isso ocorra.
Por isso, as organizações de defesa de direitos digitais seguem trabalhando para barrar a aprovação do PLC 79 no Senado. E em carta também cobram “políticas sérias, maduras e continuadas” de acesso à rede, que não se percam – como temos visto em várias outras áreas – nas mudanças políticas do novo governo federal.
Pelo visto, o acesso, a privacidade e a liberdade de expressão na Internet são mais um campo que precisará ser defendido das turbulências do próximo período.
* Bia Barbosa é jornalista, mestre em políticas públicas, integra a coordenação executiva do Intervozes e a Coalizão Direitos na Rede.
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