Maior alinhamento aos EUA pode prejudicar exportações brasileiras com a China, afirmam especialistas
Um respiro. É assim que os analistas definem a trégua de 90 dias na guerra comercial acertada na noite de sábado entre Donald Trump e Xi Jinping, num jantar em Buenos Aires após o encerramento da reunião do G-20. O acordo temporário prevê que os Estados Unidos não vão elevar de 10% para 25% as tarifas sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses na virada do ano, enquanto a China se compromete a aumentar as compras, sem especificar a quantidade, de produtos industriais, agrícolas e do setor de energia, como combustíveis.
A pausa nas tensões comerciais deve servir como sinal de alívio aos mercados financeiros, que temiam os efeitos para a economia global de uma escalada do conflito, mas não garante que um acordo definitivo possa ser alcançado facilmente. Enquanto o prazo para um entendimento começa a correr, especialistas avaliam que as exportações brasileiras serão afetadas, já que os dois gigantes são os maiores parceiros comerciais do país.
Embora o Brasil se beneficie da melhora do ambiente econômico global, assim como o restante do mundo, especialistas ponderam que o conflito resultou num aumento das exportações de soja para a China. As vendas ao exterior de janeiro até a quarta semana de novembro somaram 78,5 milhões de toneladas, o equivalente a dez milhões a mais do que o resultado de todo o ano passado, impulsionadas pelas compras de Pequim. Normalmente, os chineses compram a maior parte da soja no quarto trimestre dos EUA, quando ocorre a colheita no país e a safra brasileira ainda está se desenvolvendo. Especialistas avaliam que, se o acordo for adiante, a China pode dar prioridade a bens americanos, o que traria riscos ao Brasil no médio e longo prazos. Brasil e EUA são concorrentes em produtos como soja, carne, frango, milho e aviões.
– O Brasil está totalmente refém nestas negociações entre EUA e China. Nem mesmo na soja, que somos grandes produtores, temos influência na formação de preços. Se os chineses quiserem ser duros com o Brasil, ainda mais num momento em que o novo governo dá sinais de que quer maior alinhamento com os EUA, poderá substituir facilmente os fornecedores do produto – afirma Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-americanos da John Hopkins University.
Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o país deve fechar o ano com alta de 30% nas exportações de soja, com vendas de 80 milhões de toneladas. José Augusto de Castro, presidente da AEB, avalia que o compromisso da China de comprar commodities dos EUA reverterá esse movimento, embora frise que o saldo da trégua é positivo, pois vinha afetando os preços dos principais produtos comercializados com a expectativa de demanda mais fraca.
– Num primeiro momento, é uma notícia favorável para o comércio mundial, mas gera uma preocupação. A compra maciça de produtos agrícolas dos EUA atingirá o Brasil – afirma, acrescentando que a expectativa, ainda preliminar, é que as vendas de soja recuem para 70 milhões de toneladas no ano que vem.
Após o encontro entre Xi e Trump, o principal diplomata do governo chinês, o conselheiro de Estado Wang Yi, disse que os dois lados concordaram em abrir seus mercados, acrescentando que enquanto a China avança numa rodada de reformas, as preocupações legítimas dos EUA podem ser resolvidas progressivamente.
As transações entre os dois países somaram US$ 635,3 bilhões no ano passado. Mesmo com a aplicação de tarifas ao longo deste ano, as exportações chinesas cresceram este ano 7,9%, enquanto as vendas americanas avançaram 3,1%. O déficit comercial dos EUA com a China no ano passado foi de US$ 375 bilhões.
Para analistas, os chineses demonstraram “boa vontade” com a perspectiva de aumento do volume de compras durante a fase de transição do acordo, ação justificada com a perspectiva de reduzir gradualmente o desequilíbrio no comércio bilateral. Ainda assim, diante da ausência de um cronograma para as conversas e de uma declaração conjunta, analistas se mostraram céticos quanto à perspectiva de avanços reais em três meses. Se não houver acordo após esse período, as tarifas sobre os US$ 200 bilhões em produtos chineses sobem a 25%.
O problema é que as tensões comerciais vão muito além da balança. Há divergências mais difíceis de resolver num prazo de 90 dias em áreas como transferência de tecnologia, propriedade intelectual, barreiras não tarifárias, roubo cibernético e acesso a mercados. Ainda assim, economistas ressaltam que o saldo é positivo para Trump, que tem conseguido avanços com sua “diplomacia do porrete”, ao aumentar a tensão entre as partes para forçar negociações, como fez com o novo Nafta e com a Coreia do Norte.
– Para a economia global foi uma boa notícia, tira do cenário a preocupação com o aprofundamento do conflito. A guerra comercial com a China é como uma luta de boxe: ganha quem suportar mais os golpes do adversário – afirma o economista Otaviano Canuto, acrescentando que, para o Brasil, a continuidade do conflito seria um quadro mais negativo. – Não ter acordo causaria problemas macroeconômicos, com impacto no juro dos EUA e desaceleração chinesa, o que não interessa ao Brasil.
Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, avalia que o saldo é positivo:
– Para o Brasil, é mais importante saber que não vai haver escalada protecionista. Se continuasse, o cenário que todos temiam era de contração do comércio mundial.
Nos mercados, Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor da Novus Capital, espera alívio no câmbio e na Bolsa:
– Esse tema estava afetando não só o Brasil, mas todos os emergentes. Por mais que a trégua seja por 90 dias, eles assumiram compromisso de avançar nas pautas.
Do O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário