Mudança sobre Caixa 2 é bala de prata na imagem de paladino de Moro
Ao contrário de sua imagem como juiz, ministro Moro mostra em vários episódios que Caixa 2 do atual governo não é um problema digno de nota
Em 2004, Sérgio Moro escreveu sobre a operação mãos limpas, responsável por devassar o sistema político italiano no início da década de 90. No artigo, o ex-juiz procurou radiografar os procedimentos adotados pelo magistrado Antonio Di Pietro e sua equipe, a exemplo das prisões sumárias e do apoio da mídia às suas ações.
Moro também critica o que chama de “construção excessivamente liberal brasileira”, referindo-se à impossibilidade de prisão antes do trânsito em julgado. Reclama que “a punição judicial de agentes públicos corruptos é sempre difícil, se não por outros motivos, então pela carga de prova exigida para alcançar a condenação em processo criminal”.
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Nos seus estudos, o ex-juiz afirma que “o político corrupto, por exemplo, tem vantagens competitivas no mercado político em relação ao honesto, por poder contar com recursos que este não tem”. Deixa claro que a Lava Jato foi uma tentativa do ex-magistrado em fazer uma versão brasileira da sua prima-irmã italiana.
Ainda juiz, Moro ratificou esta última frase em abril em 2017, quando, durante a Brazil Conference na Universidade de Harvard, se referiu ao Caixa 2 como uma “trapaça, um crime contra a democracia”.
Na ocasião, fez questão de falar que considerava a prática de Caixa 2 pior que a de corrupção: “me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral”, pontuou.
“Para mim, a corrupção para fins de financiamento de campanha é pior que o de enriquecimento ilícito”, afirmou Moro em Harvard.
Trouxe ainda o exemplo de que pegar uma propina e colocar em uma conta na Suíça é crime, ressalvando que o dinheiro “não estará fazendo mal a mais ninguém naquele momento”. “Agora se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível”, concluiu.
Os poucos meses na condição de ministro, entretanto, foram suficientes para que passasse de inquisidor a guarda-costas daqueles a quem pretensamente caçava quando era o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.
O primeiro sinal de que a casaca de Moro virou foi a censura imposta ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) pelo Decreto nº 9.663 de 1º de janeiro de 2019, ordenando o sigilo das informações conhecidas ou obtidas em decorrência do exercício de suas funções.
É bom lembrarmos que as suspeitas movimentações financeiras do ex-assessor Queiroz que vêm acossando o senador Flávio Bolsonaro foram identificadas exatamente pelo Coaf. Mais suspeito que o próprio Queiroz, só uma iniciativa dessas no auge da crise envolvendo a exposição da primeira muda do extenso laranjal do PSL.
Dias depois, o Banco Central realizou consulta pública sobre as propostas de excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras e de derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil sejam notificadas ao Coaf.
O Moro implacável deu novamente lugar ao Moro complacente: “é só uma consulta pública, e não uma decisão final. Vamos ver como o governo vai se posicionar”, minimizou.
Sua biografia de paladino anticorrupção já havia sido testada em novembro do ano passado por Onyx Lorenzoni, confesso praticante do mesmo Caixa 2 que, segundo seu colega de Planalto, é pior que corrupção.
➤ Leia também: Para advogado, projeto 'anticrime' de Moro é populismo penal
“Ele já admitiu e pediu desculpas”, relativizou o mesmo homem que deu ares de prova absoluta à delação de Léo Pinheiro contra Lula no processo do tríplex do Guarujá, mesmo Pinheiro sendo corréu (ou seja, sem a obrigação de dizer a verdade), ter mudado de opinião sobre Lula após tê-lo absolvido em delação anterior e tomado mais uns meses de cadeia para refletir sobre, como também não ter apresentado provas do que disse e até hoje não ter tido sua delação – a mesma na qual se fundamentou Moro para condenar o ex-presidente – homologada.
A bala de prata na imagem de caçador de malfeitores em cima da qual foi projetado, contudo, veio no dia 19 de fevereiro, quarta-feira. Na versão original de seu “projeto anticrime” estava a criminalização do Caixa 2.
Algumas conversas com parlamentares, todavia, foram suficiente para que a separasse do pacote sob a fundamentação de que – vejam vocês – “Caixa 2 não é corrupção”, assoprando logo depois que ambos são “crimes graves”.
Repita-se: “Caixa 2 não é corrupção”. Atualmente, corruptos fazem troça diante do seu nariz certos de que contarão, no mínimo, com sua vista grossa.
O mais engraçado é que, no artigo, Moro vê a eleição de Sílvio Berlusconi – um político de direita – para o cargo de primeiro-ministro como “um símbolo das limitações” da Mãos Limpas, concluindo que “tendo ou não Berlusconi alguma responsabilidade criminal, não deixa de ser um paradoxo que ele tenha atingido tal posição na Itália mesmo após a Operação Mani Pulite”.
Antonio Di Pietro, assim como Moro, resolveu entrar para a política institucional. Provavelmente, assim como seu colega brasileiro, por estar cansado de levar “bolas nas costas”. Sua visão penitencial do fenômeno da corrupção como uma questão essencialmente moral fez com que se integrasse exatamente ao público que dizia combater: Di Pietro e seu partido acabaram se envolvendo em maracutaias e foram condenados a ressarcir cerca de 45 mil euros aos cofres públicos.
Eduardo Galeano define a história como um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será. Moro reproduziu de forma admirável o padrão Di Pietro na Lava Jato. Agora, dá mostras que pretende reproduzi-lo de forma ainda mais fiel na política.
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