quinta-feira, 18 de abril de 2019

As origens do SNI: Escola Superior de Guerra

Política

As origens do SNI: Escola Superior de Guerra

A organização de um Serviço Nacional de Informações foi o resultado de um projeto formulado e aperfeiçoado pela inteligência militar da ESG, que antecedeu o golpe de 1964, quando as Forças Armadas assumiram a direção do Estado

 
18/04/2019 15:26
 
 
Os estudiosos dos militares estão cada vez mais convictos do papel central que a Escola Superior de Guerra (ESG) teve na formação ideológica como também na estruturação do aparelho repressivo do regime militar. Em consonância com essa abordagem vamos investigar a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI), o principal órgão da Comunidade de Informações, que reuniu os serviços de informações das três Forças Armadas. A organização de um Serviço Nacional de Informações foi o resultado de um projeto formulado e aperfeiçoado pela inteligência militar da ESG, que antecedeu o golpe de 1964, quando as Forças Armadas assumiram a direção do Estado. 

O Serviço Nacional de Informações foi gestado no âmbito da ESG no final da década de 50, quando a CIA se tornou, para os membros da instituição militar, o modelo ideal para se organizar um novo serviço de inteligência no Brasil, mais de acordo com as circunstâncias internacionais da Guerra Fria. Propostas para reorganizar o sistema de inteligência no país foram formuladas, estudadas e amadurecidas pelos oficiais militares integrantes da ESG até o momento de criação do SNI em 1964. Diferentemente da CIA que é a responsável por todo esforço de informações dos EUA no exterior, o modelo de serviço inteligência desenvolvido pela ESG se voltou para a produção de informações do Brasil no âmbito interno. Incorporou da CIA as concepções que valorizavam uma estrutura de informações centralizadas como base para a tomada de decisões governamentais e formulação das políticas de segurança nacional. Adotou também as concepções sobre o modo de produzir as informações através do processamento de informes e atribuiu ao Serviço Nacional de Informações um lugar privilegiado na estrutura estatal, considerando-o o órgão central e coordenador do Sistema de Informações e integrante do Conselho de Segurança Nacional. Após 1964 a ESG dedicou atenção especial às demandas do recém-criado SNI. Reativou os Cursos de Informações em 1965  a fim de dar  continuidade às reflexões sobre as estruturas dos serviços de inteligência, formar ideologicamente os agentes de informação e prepará-los tecnicamente para as operações repressivas. Constava do programa da ESG, em relação aos estagiários do Curso de Informações, o propósito de viabilizar o contato com SNI com a finalidade de melhor entender como se organizava, assim como conhecer os meios de que dispunha para cumprir suas missões. Ao proferir uma palestra sobre o SNI em 1966, o tenente coronel Amerino Raposo Filho assinalou que "o SNI foi aqui gerado, é fruto da ESG".  A ESG e o SNI, enfatizou o oficial militar, compartilham responsabilidades institucionais: "...a Escola Superior de Guerra e o SNI identificam-se, isolam-se na problemática da Segurança Nacional em termos de Doutrina, de Planejamento e de Atuação Operacional tendo em vista a Conjuntura Brasileira".

Quando o Serviço Nacional de Informações começou a ser concebido pela inteligência da ESG, nos últimos anos da década de 50, qual era o cenário no Brasil do ponto de vista da organização dos serviços de inteligência? Juntamente com Serviço Federal de Informação e Contrainformação (SFICI), criado em 1946 no governo Dutra, havia os serviços de informações militares, representados pelas Segundas Seções dos Estados Maiores das Forças Armadas - Aeronáutica, Exército e Marinha. Havia ainda a 2a Divisão (D2) do ministério da Guerra e o CENIMAR do ministério da Marinha.  Cabia a esses órgãos assessorar os respectivos ministros acerca dos assuntos de segurança interna.

O SFICI foi criado como um organismo componente da estrutura do Conselho de Segurança Nacional, responsável pela organização das informações no Brasil. O governo Kubistchek resolveu dinamizá-lo por conta do acirramento do conflito do mundo ocidental com os países comunistas. Um dos encarregados da tarefa de reestruturar o SFICI foi o coronel Humberto Souza Melo que, juntamente com outros oficiais militares, foram enviados aos EUA e participaram de reuniões no Departamento de Estado americano, na CIA e no FBI, onde professores e instrutores compartilharam os conhecimentos sobre o modo de organizar e montar um serviço de inteligência. A viagem ocorreu no ano de 1956. Três anos depois o coronel Humberto de Souza Melo apresentou na ESG o trabalho intitulado "Organização de um Serviço Nacional de Informação". No texto exposto na ESG em 1959, a ideia de se criar um novo serviço de inteligência no Brasil apareceu associada à avaliação de que o Conselho de Segurança Nacional, para funcionar com eficiência, necessitava de dois departamentos, um, que trabalhe permanentemente na produção de informações e o outro que realiza os estudos e planejamento, coordenados, pelo secretário-geral do CSN. Portanto, o Serviço Nacional de Informações, tal como proposto em 1959 pelo coronel Humberto de Souza Melo foi projetado no âmbito da ESG em consonância com o entendimento de que as decisões governamentais e os planos para executá-las exigiam dos membros do Conselho de Segurança Nacional informações mais precisas e estudos mais rigorosos dos problemas nacionais.

Serviço Nacional de Informações (1959)

Ex-Chefe da 2ª Seção e do SFICI da Secretaria Geral do CSN e Chefe do gabinete da Secretaria Geral do CSN, além de colaborador do Curso de Informações da ESG, o coronel Humberto de Souza Melo esclareceu, em conferência realizada na ESG no ano de 1959, que as ideias sobre a organização de um Serviço Nacional de Informações vinham sendo estudadas e debatidas pelos membros da ESG, mas elas surgiram "principalmente das observações auferidas na CIA".  

O Serviço Nacional de Informações, segundo Humberto de Souza Melo, teria como finalidade coordenar as atividades de informações próprias e a de outros órgãos relativas à segurança nacional. Ele ocuparia o lugar chave de assessoria  do governo, uma vez que visa informá-lo e fazer recomendações sobre todos os assuntos concernentes às atividades de informações dos seus departamentos e agências. O coronel explicou que a informação de segurança deve proporcionar aos dirigentes nacionais um amplo conhecimento que envolva todas a atividades de informações, tanto no campo interno quanto externo. Para responder a esse objetivo, o trabalho propôs que se adotasse o princípio organizacional da centralização, "reconhecido por todos como fundamental da informação. A criação de uma "Central" dotaria o órgão de inteligência de condições para realizar a "orientação, a coordenação, planejamento, supervisão" e assegurar a "difusão dentro de diretrizes homogêneas" em correspondência com os propósitos estabelecidos pelo Conceito Estratégico Nacional. proporcionando as informações necessárias para as decisões governamentais.

O esquema organizacional apresentado pelo coronel Humberto de Souza Melo destacou os órgãos de informações internas e de segurança interna, considerados pelo texto, juntamente com os órgãos de informações externas, "um conjunto integrado que corresponde ao Setor Central, pois é no âmbito desses órgãos para onde convergirão os informes e terá lugar o processamento dos mesmos". O texto conclui que o Serviço Nacional de Informações é o núcleo "Central de um sistema de informações, cuja orientação e coordenação serão reguladas pelas decisões de uma Junta Coordenadora"

SNI (1964)

A lei que instituiu o SNI, em 13 de junho de 1964, estabeleceu que o órgão deveria atuar diretamente subordinado à Presidência da República com a finalidade de assessorar o presidente e o Conselho de Segurança Nacional. A proposta de criação do SNI foi apresentada pelo general Golbery ao presidente Castelo, que a transformou em projeto de lei para o Congresso. 

Após 1964 três trabalhos sobre o recém-criado SNI foram apresentados na ESG. Eles têm o mesmo título – "O Serviço Nacional de Informações –  e são de autoria do tenente coronel Mario David Andreazza (1964), do coronel João Batista Figueiredo (1965) e do tenente coronel Amerino Raposo Filho (1966). Nenhum dos três faz qualquer menção ao texto do coronel Humberto de Souza Melo, embora o modelo de serviço de inteligência institucionalizado com a criação do SNI em 1964 seja semelhante ao proposto pelo oficial militar em 1959 na ESG. Os trabalhos têm em comum a visão de que o SNI é o órgão central do sistema de informações e se constituiu como uma ampliação e consolidação da estrutura do SFICI.

A análise até aqui desenvolvida nos permite afirmar que a ESG foi a instituição responsável pelo lançamento da proposta de organização de um novo serviço de inteligência denominado Serviço Nacional de Informações. O SNI criado pelo regime militar em 1964 e reconhecido como sendo idealizado pelo general Golbery foi, na verdade, o desdobramento da proposta apresentada na instituição militar em 1959 pelo coronel Humberto de Souza Melo. O Serviço Nacional Informações idealizado no final década de 50, no âmbito da ESG, tomou a CIA como modelo mas adaptou a sua estrutura e o modo de agir de acordo com as circunstâncias nacionais. Adotou uma estrutura centralizada com a função de coordenar os demais serviços de inteligência e voltou-se para a produção de informações do país a partir do ambiente interno.

O Serviço Nacional de Informação idealizado pelo coronel Humberto Souza de Melo constituiu-se na matriz organizacional do SNI que adotou uma estrutura de informações centralizadas com ênfase na segurança interna. Coronel João Batista Figueiredo observou que o SNI foi criado "em pleno processo da Revolução de 31 de março", quando os "problemas inerentes à Segurança Interna" tiveram "seu volume aumentado". Após a criação do SNI, a ESG reativou os Cursos de Informação em 1965 para formar ideologicamente os agentes de informação e e prepará-los para as operações repressivas. Isso nos possibilita afirmar que a ESG e o SNI compartilharam responsabilidades institucionais. Desempenharam um papel central  na reorganização do aparelho repressivo do regime militar com a finalidade de combater as forças antagônicas ao Estado que, segundo a Doutrina de Segurança Nacional, ameaçavam as instituições, a lei e a ordem.

O SNI criado em 1964 incorporou o modelo organizacional do Serviço Nacional de Informações idealizado pelo coronel Humberto Souza de Melo no final da década de 50 e constituiu-se, por sua vez, no órgão central do Sistema Nacional de Informações (SISNI) quando este foi estruturado no ano de 1970. O SNI tornou-se o eixo em torno do qual foi organizada a Comunidade de Informações, composta pelos órgãos de inteligência comandados pelas Forças Armadas – CIE, DOI-CODI, CENIMAR e CISA. Nesse período, entre 1970 e 1973, o DOI-CODI do Estado de São Paulo ficou sob responsabilidade do general Humberto de Souza Melo, então comandante do 2º Exército e idealizador da primeira proposta sobre a organização de um Serviço Nacional de Informações. A proposta do coronel Humberto de Souza Melo sobre a organização do Serviço Nacional de Informações, apresentada no final da década de 50, pode ser compreendida como o prenúncio de um novo tipo de Estado que estava sendo gestado pela inteligência da ESG, com uma estrutura mais centralizada, submetida à hierarquia militar e voltada para responder prioritariamente as questões de segurança nacional.

Aloysio Castelo de Carvalho é Professor da UFF , Doutor em História Social pela USP

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