Encravada em um pacato bairro residencial de Curitiba, a sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná funciona em um prédio moderno, de vidro, que contrasta com os arredores de casinhas bucólicas. No saguão, uma placa de ferro exibe o ano de inauguração, 2007, e os nomes dos responsáveis pela construção daquele lugar: o ex-ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pouco mais de uma década depois, Lula voltou ao prédio. Desta vez, como presidiário.
A ironia da placa que ostenta o nome do ex-presidente foi a primeira coisa que reparamos ao chegar no prédio em que Lula está preso desde 7 de abril do ano passado. Estivemos lá na quarta-feira para que, depois de mais de um ano de tentativas, o ex-presidente fosse finalmente entrevistado por Glenn Greenwald. Não foi fácil. O
Intercept, assim como outros veículos,
precisou entrar no STF para que Greenwald pudesse falar com o ex-presidente. A resposta demorou quase um ano – mas, no final de abril, o ministro Ricardo Lewandowski
finalmente liberou a entrevista. Depois que as eleições passaram, é claro.
O esquema com a Polícia Federal é rígido. O horário marcado era 9h30, mas exigiram que chegássemos às 8h para montar os equipamentos. Mais de cinco agentes foram envolvidos no processo. A equipe inteira passa por uma revista minuciosa – quem tem mais de um aparelho celular precisa deixá-lo do lado de fora. Quando faltavam poucos minutos para que Lula chegasse, policiais colocaram um biombo do lado de fora da sala para que o ex-presidente não fosse visto pelo corredor. "Cinco minutos!", disse o policial, avisando que só os nomes autorizados poderiam ficar no local quando Lula chegasse. Dali para frente, só quatro pessoas se encontrariam com o ex-presidente: os três membros da equipe técnica de filmagem e o próprio Glenn.
Enquanto a entrevista acontecia – Glenn foi o primeiro jornalista estrangeiro a conversar com o ex-presidente desde que ele foi preso –, a ordem era que deixássemos o prédio. Nos arredores, desde que Lula chegou, a vida mudou. A começar pelo acampamento de militantes, montado desde o primeiro dia da prisão. São eles que ainda gritam "bom dia!" e "boa noite!" todos os dias para o ex-presidente. Hoje, a convivência é pacífica. Eles alugaram o terreno e, mesmo que os vizinhos e a polícia queiram, não podem ser retirados de lá. Mas um militante do MST contou que a convivência já foi difícil – especialmente na virada do ano. "Eles ficavam passando aqui com carro de som, tripudiando mesmo", nos disse, lembrando dos apoiadores de Bolsonaro que comemoravam a vitória. Uma pequena barraca vende a produção de famílias assentadas – geleias, mel, arroz, feijão e o leite achocolatado industrializado infantil Terrinha, além de livros sobre socialismo, marxismo e outras ideologias capazes de abalar a estrutura de uma universidade federal. A vigília só acaba, disse o militante, quando Lula sair dali.
O dia no acampamento estava atípico, mais calmo do que o normal. A maioria dos militantes tinha ido aos protestos contra os cortes da educação, que aconteceriam por todo o Brasil naquele dia.
Do lado de dentro do prédio, a entrevista seguia para seus momentos finais. Embora o tempo estivesse frio e chuvoso do lado de fora, o lado de dentro também não parecia convidativo – não pudemos sequer entrar de novo no prédio da PF para pegar os equipamentos antes que terminasse a entrevista seguinte, com a revista alemã Der Spiegel, e Lula estivesse fora de vista. Greenwald contou que, conforme o tempo se esgotava, o policial responsável pela escolta ia se aproximando de Lula. O ex-presidente não pareceu se abalar. "Você não vai ser preso não, eu é que posso ficar mais um tempo aqui", ele disse sorrindo ao Glenn, que tentava avisá-lo que o tempo havia esgotado.
A caminho do aeroporto, o taxista do bairro, Ronildo, ria discretamente ouvindo a nossa conversa no carro sobre a entrevista que havia acabado de acontecer. Vizinho da PF, ele está acostumado a levar advogados e parentes dos envolvidos nas investigações da Lava Jato. "É um tal de 'vamos aproveitar essa brecha' aqui", ele lembra, narrando as conversas que costuma escutar de dentro do carro. Não mencionou nomes, claro. E também evitou adjetivar os militantes acampados na frente da PF – disse apenas que não entende esse negócio de endeusar político. "Você acha que Lula merece estar preso?", perguntamos. Ele disse que sim. Acha que o ex-presidente teve três fases: uma ótima, uma segunda em que começou a se vender e o final, em que estragou tudo. "Ele tinha tudo para fazer diferente e desperdiçou a chance." E Moro? "Chegou dando esperança, mas também virou velha política."
Na entrevista, Lula falou sobre o ex-juiz, hoje ministro, responsável por o colocar na prisão. Disse ter suspeitas sobre o envolvimento dos EUA na Lava Jato. Mas falou, sobretudo, sobre as razões que levaram a esquerda, e seu partido, a fracassarem tão retumbantemente nas eleições a ponto da população preferir eleger Jair Bolsonaro em seu lugar.
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