quarta-feira, 26 de junho de 2019

O caos em Pernambuco não será noticiado


Sábado, 8 de junho de 2019

O caos em Pernambuco não será noticiado

Foi “um conflito individual, mas preocupante". Assim o secretário de Justiça de Pernambuco, Pedro Eurico, justificou o fato de um detento do Complexo do Curado, na região metropolitana de Recife, ter matado a tiros uma pessoa e ferido outras dez na semana passada. A arma usada foi uma pistola .40, modelo que até dias atrás – antes do decreto de flexibilização do posse e porte de armas ser aprovado – era de uso restrito das forças armadas.
Só neste ano, outros "incidentes individuais" já deixaram quatro mortos e 12 feridos por arma de fogo dentro de presídios da região. E esse fenômeno não começou agora. Dos 15 assassinatos registrados dentro de unidades prisionais do estado em 2018, quatro foram por arma de fogo. Dos 17 mortos em 2017, quatro foram a tiros. E 2016 foi ainda mais crítico: dos 43 mortos sob responsabilidade do estado de Pernambuco, 15 foram por armas de fogo. 
Mas, questionado sobre como essas armas foram parar nas mãos dos detentos, quais os modelos utilizados nos crimes e se houve investigação – exatamente para saber como foram parar ali – o governo me ignorou. Nem a Secretaria Executiva de Ressocialização, a Seres, e nem a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, a SJDH, se deram ao trabalho de responder às minhas perguntas. 
Logo após o "incidente isolado" de quinta feira, uma operação na unidade do Complexo Penitenciário do Curado apreendeu quatro armas – dois revólveres e duas pistolas – e quase 92 munições. Só neste ano, foram apreendidas 24 armas no Curado. No ano passado, foram 55.
A  SJDH ainda fez questão de me dizer que o governo comprou sistemas para inspecionar bagagens por raio x, detectores de metal, detectores de metais e scanners corporais, entre outros equipamentos, mas na hora de responder se toda essa tecnologia seria capaz de impedir a entrada de armas no Complexo do Curado… Silêncio.
O Complexo do Curado tem um problema crônico de superlotação e insegurança. Cerca de 5.500 detentos dividem, atualmente, um espaço construído para 1.819 pessoas, de acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação pelo G1. Ano passado a Corte Interamericana de Direitos Humanos pediu que fosse proibida a entrada de de novos detentos na prisão e a OEA chegou a solicitar, ainda em 2015, que o Brasil investigasse a entrada de armas nos presídios do estado
Em Pernambuco, a lei prevê que membros do Conselho Estadual de Direitos Humanos podem acompanhar vistorias, inspeções e exames em todos os presídios do estado. Mas, no Curado, eles foram impedidos de entrar na semana passada por "questões de segurança". "É muito facilitada a entrada de armas de fogo e é muito dificultada a entrada de órgãos de controle externo e direitos humanos para fazer as inspeções", diz Edna Jatobá, conselheira estadual de direitos humanos e parceira local da plataforma Fogo Cruzado, que mapeia violência armada no Grande Recife. Representantes da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e Defensoria Pública também foram barrados.
O que o estado escolhe não ver, ele (finge que) não sente. Pernambuco não apenas não sabe como as armas foram parar dentro da cadeia – mas, também, não tem ideia de quantas foram apreendidas pelas forças de segurança estaduais. 
A pesquisa De onde vem as armas apreendidas no nordeste, de 2018, do Instituto Sou da Paz, mostra que o estado tem um problema crônico para contabilizar a apreensão de armamentos. Não há o perfil das armas apreendidas em 2015 e nem os números de 2016. Em abril do ano passado, foi divulgada a quantidade de armas apreendidas no trimestre anterior – mas não há série histórica. 
Em 2017, a divulgação diária dos números de homicídios, informações como os nomes, idades e cor da pele das vítimas no estado, saiu do ar levando o Ministério Público a investigar a falta de transparência. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco denunciou que os funcionários das assessorias de imprensa do estado são orientados a repassar “apenas informações positivas”. 
Peritos do Instituto de Medicina Legal, inspetores e até delegados recebem avisos de que não podem dar entrevistas em locais de crimes, nem repassar informações à imprensa sobre homicídios em tempo real. Pior: jornalistas que publicam reportagens com críticas à atual gestão tem sido proibidos de participar do grupo de WhatsApp onde são divulgadas informações e fotos oficiais sobre prisões e apreensões.
Há pouco mais de dois anos, membros do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Cidadania encaminharam um pedido de renúncia coletiva ao então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Era a primeira vez que algo desta magnitude acontecia na história no Conselho, criado em 1980.
Na carta, “de caráter definitivo e irretratável”, os sete membros que compunham o conselho apontaram 13 razões para renunciarem – todas relativas à crise no sistema penitenciário.
“A atual política criminal capitaneada pelo Ministério da Justiça, a seguir como está, sem diálogo e pautada na força pública, tenderá, ainda mais, a produzir tensões no âmago de nosso sistema prisional, com o risco da radicalização dos últimos acontecimentos trágicos a que assistiu, estarrecida, a sociedade brasileira”. Como uma profecia, o que era temido se cumpriu. 
O ano de 2017 havia começado com uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas. Em 17 horas, 56 presos foram mortos e mais de uma centena fugiu. Dias depois, uma rebelião que durou 14 horas deixou 26 mortos na penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte. 
De lá pra cá, outras rebeliões – de maior ou menor porte – vêm acontecendo país afora. Este ano houve outros 57 mortos em Manaus, motim no Espírito Santo e a Força Nacional foi enviada para o Rio Grande do Norte para evitar rebelião do PCC
O grande projeto de segurança pública apresentado pelo atual governo é o pacote "anti crime" de Moro. No capítulo 17, chamado Medidas para alterar o regime jurídico dos presídios federais, há humildes cinco artigos. A maior parte trata de comunicação dos presos, seu acesso e contato com o mundo externo. Muito pouco para um país que chegou a 700 mil presos, a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA e da China. A única menção a presos provisórios – que são quase 40% dos detentos hoje – é uma previsão de que eles, mesmo sem condenação, sejam incluídos em um banco de DNA. O que se tem de fato previsto para o campo até agora é o de sempre: mais vagas
O silêncio e jeitinho das autoridades para lidar com massa carcerária tem limite.

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