quarta-feira, 17 de julho de 2019

A caixa registradora de Deltan

A caixa registradora de Deltan

"É evidente que Deltan sabia, ao tentar montar sua empresa de palestras, a Lava-Jato S/A, que surfava nas ondas de seu trabalho como procurador, o que agora soa cômico quando se pensa que até isso eles combinaram pelo Telegram", opina Ricardo Miranda
(Foto: Marcelo Camargo - ABR)
A Lava-Jato segue ladeira abaixo com a exposição de sua moral particular, pelo The Intercept, com a revelação da ensandecida cadeia de armações, ganância e desonestidade intelectual do grupo de procuradores que colocou o ex-presidente Lula na cadeia, com Moro, com Supremo, com tudo, e que agora queria, alegremente, faturar com isso. Faturar financeiramente, já que politicamente quem já faturou foi Jair Bolsonaro, que virou presidente, Sérgio Moro, o juiz que virou ministro e tem lugar cativo no coração do Supremo, e o mercado, que conseguiu manter o PT longe do Planalto. O The Intercept, o veículo de Glenn Greenwald – que, numa inversão completa da lógica, periga ele sim estar sendo investigado pela Polícia Federal -, revelou, como se sabe, a orquestração de um mercado de palestras de auto-ajuda corporativa-jurídica com que o procurador Deltan Dallagnol e seus acepipes de terninho 007 planejavam engordar suas contas bancárias. Deltan, por exemplo, recebeu cerca de R$ 300 mil como servidor e planejava com a criação da empresa de palestras e eventos faturar R$ 400 mil por aparição de 90 minutos – ou 400 k, na linguagem dos entendidos. Como lembrou Elio Gaspari, o valor de mercado para ouvir Dallagnol hoje é de R$ 35 mil por aparição – mas ele pode crescer. Como servidor público, o cidadão imberbe recebe mais ou menos isso por um mês de trabalho.
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Se há coisa mais indecente a ser revelada, não consigo pensar, a não ser que partamos para o mundo do bizarro, como a criação de uma malharia dentro do Ministério Público em Curitiba que vendesse camisetas com Lula atrás das grades e com Moro como super-homem, ou, quem sabe, a inauguração de um museu da Lava-Jato, com peças como o famoso power point de Deltan, os terninhos dos procuradores, as algemas e as tornozeleiras eletrônicas já usadas por delatores. Os procuradores poderiam também encher a prisão de Lula de câmeras e transmitir ao vivo no melhor estilo BBB. Se soam ideias absurdas, espero que eles não estejam lendo. Como Deltan tem uma caixa registradora na cabeça, podem rapidamente virar um bom negócio.
É evidente que Deltan sabia, ao tentar montar sua empresa de palestras, a Lava-Jato S/A, que surfava nas ondas de seu trabalho como procurador, o que agora soa cômico quando se pensa que até isso eles combinaram pelo Telegram, a mesma fonte onde tramaram cada etapa da Lava-Jato, como mostrou o The Intercept, com Moro, com Fux, com tudo. O desmascaramento de Deltan, o carola esperto, é um dos achados da exposição pública dos atores canastrões do nosso Mecanismo real, não a ficção bobinha de Selton Mello. A mesma turma que antes, igualmente sem pudor algum, pretendia criar, embarcando num acordo entre a Petrobras e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, uma escandalosa fundação independente, e bilionária no nascedouro, com recursos oriundos da Petrobras, que distribuiria os rendimentos para projetos de combate à corrupção e promoção da cidadania.
Entenda bem, o conceito de ética de Deltan, já exposto no Telegram, é diferente do nosso, portanto sua régua é diferente. É a régua da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que recebeu na tarde desta terça, 16, oito membros da força-tarefa de Curitiba, entre eles Deltan, para – adivinhem? – reafirmar o apoio da PGR ao trabalho do grupo. Repare. Foi o primeiro encontro público da Chefe do MPF com o coordenador da Lava Jato desde a primeira revelação dos conteúdos aterradores pelo Intercept, há quase 50 dias. Não se sabe se comeram bolinhos de chuva e tomaram chocolate quente, apenas que não foram notificados do afastamento dos cargos para responder sindicância, nem receberam voz de prisão. Talvez Raquel Dodge, no calor da conversa, tenha confessado que ela mesma pretenda no futuro viver de palestras e debateram alegremente preços de cachês, comparando-os com os que ganha, por exemplo, Rodrigo Janot e, viajando, Barack Obama. Ou se falaram de consultorias e escritórios de lobby, outro destino comum a servidores desatinados do Estado depois que penduram as chuteiras.
Enquanto isso, o mundo político de Brasília discute se a Comissão de Relações Exteriores do Senado, em sabatina, confirmará o nome do cowboyfritador de hambúrguer Eduardo Bolsonaro, o deputado que anda armado, para a embaixada brasileira em Washington, algo absolutamente natural num país onde o presidente beija a bandeira dos Estados Unidos e o chanceler Eduardo Araujo baba o ovo de Trump, e o senador Flávio Bolsonaro, blindado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, e agora devidamente desmilicianizado, cuida no Senado da reforma tributária, apresentando, com o apoio do Instituto Brasil 200, uma proposta de criação de um imposto único sobre movimentações financeiras. É de doer.

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