ONU e OEA defendem confidencialidade da fonte e alertam o Brasil sobre abusos contra Glenn Greenwald
Para os órgãos, o dispositivo é fundamental para garantir que informações sensíveis e que denunciam irregularidades e abusos por parte de autoridades possam vir a público.
do Barão de Itararé
ONU e OEA defendem confidencialidade da fonte e alertam o Brasil sobre abusos contra Glenn Greenwald
por Felipe Bianchi
O Relator Especial para a Libertade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, e o Relator Especial das Nações Unidas para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, David Kaye, manifestaram preocupação com a situação de Glenn Greenwald, de sua família e dos jornalistas do The Intercept Brasil. Em comunicado oficial, os especialistas denunciaram o assédio e os abusos que Greenwald vem sofrendo, bem como o fato de o governo brasileiro permanecer inerte quanto às hostilidade e ameaças sofridas pelo jornalista. Esse tipo de proteção é dever do Estado de acordo com inúmeras resoluções e recomendações de tais órgãos internacionais.
Leia o documento traduzido na íntegra ou acesse a versão original em espanhol:
Especialistas em liberdade de expressão da ONU e CIDH expressam preocupação por ameaças de morte ao jornalista Glenn Greenwald, diretor do The Intercept Brasil, e seus familiares
De Washington, nos Estados Unidos
(Traduzido por Felipe Bianchi)
O Relator Especial para a Libertade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, e o Relator Especial das Nações Unidas para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, David Kaye, expressam preocupação diante das ameaças, desqualificações por parte das autoridades e intimidações recebidas pelo jornalista Glenn Greenwald, da agência de notícias The Intercept Brasil, bem como por seus familiares, a partir da difusão de informações e reportagens de interesse público.
Os Relatos Especiais fazem um apelo ao Estado brasileiro para que seja realizada uma investigação completa, efetiva e imparcial das ameaças recebidas pelo jornalista e por sua família. Não obstante, recordam as autoridades brasileiras de suas obrigações de prevenir e proteger jornalistas em risco e garantir a confidencialidade das fontes de informações.
Segundo informação de conhecimento público, no dia 9 de junho, o The Intercept Brasil começou a publicar uma série de vazamentos que expuseram irregularidades na denominada Operação anticorrupção Lava Jato.
De forma imediata, o jornalista Glenn Greenwald começou a receber insultos, difamações e ameaças de morte. Com a hashtagh #DeportaGreenwald, viralizou-se uma campanha orquestrada de hostilização contra o jornalista, como também contra o meio de comunicação do qual é fundador e editor, contra seu marido – o deputado federal David Miranda – e os filhos do casal.
Autoridades públicas apontaram a suposta natureza ilegal do material vazado que o The Intercept Brasil recebeu por parte de uma fonte anônima, com o fim de desqualificar ou restringir a liberdade de imprensa.
Parlamentares defenderam a possibilidade de convocar o jornalista Glenn Greenwald à prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados. Greenwald foi acusado de cumplicidade com “práticas de ativismo jornalístico através de uma ação criminal, o que o tornaria cúmplice”. Os deputados expuseram o jornalista como um agente que estaria enfrentando as instituições e autoridades brasileiras e “cometendo crimes contra a segurança nacional”, insinuando que ele deveria ser penalizado criminalmente e deportado do país.
Os Relatores Especiais também documentaram as publicações de um parlamentar que expôs uma foto de Greenwald no Facebook com o título “inimigo do Brasil”. A publicação também envolve o marido de Greenwald, David Miranda.
Através de um comunicado fechado no dia 17 de junho, Miranda expôs uma série de ameaças contra ele e seus filhos. Além disso, ele informou que havia feito uma denúncia à Polícia Federal brasileira devido ao crescente número de agressões recebidas pelo deputado depois que seu marido publicou os vazamentos.
Por isso, a Relatoria Especial da CIDH registra a informação oferecida antes de emitir esse comunicado pelo Estado do Brasil, de que indicou a possibilidade de o jornalista acionar o Programa de Proteção para Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores Sociais e Ambientalistas (PPDDH). Desde setembro de 2018, o dispositivo vem ampliando o alcance de sua atuação para atender jornalistas e comunicadores sociais.
Em diversas ocasiões os Relatos Especiais destacaram o importante papel que os meios de comunicação cumprem para a democracia, em especial quando se trata de jornalismo investigativo ativo. Como consequência, os jornalistas que investigam casos de corrupção e atuações indevidas de autoridades públicas não podem ser alvo de assédio judicial ou qualquer outro tipo de hostilidade como represália a seu trabalho. O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas afirmaram que atentados contra pessoas em exercício de sua liberdade de expressão são incompatíveis com o artigo 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, sob nenhuma circunstância. Os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) reafirmaram que “a atividade jornalística deve ser exercida livre de ameaças, agressões físicas ou psicológicas ou quaisquer outros atos de hostilidade”, instando a implementação de medidas integrais de prevenção, proteção e aplicação da lei nesta matéria (Resolução AG/RES. 2908 (XLVII-O/17), aprovada pela Assembleia Geral da OEA no marco de seu 47º período ordinário de sessões.
Os Relatores Especiais recordam o Estado brasileiro da sua obrigação de prevenir, proteger, investigar e punir a violência exercida contra jornalistas – em particular daqueles que tenham sido objeto de intimidação, ameaças ou outros atos de violência. A obrigação de prevenir supõe, entre outras prerrogativas, a adoção de um discurso público que contribua com a prevenção da violência contra os jornalistas, o qual “requer que os funcionários públicos se abstenham de realizar declarações que exponham jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação a um maior risco de atos de violência”. Além disso, a Relatoria da ONU afirma que “o Estado deve zelar pela integridade física e psicológica de jornalistas”.
A proteção das fontes jornalísticas constitui um princípio fundamental do direito à liberdade de expressão, dado o valor inestimável do acesso, por parte da sociedade, à informação de interesse público. Sem esta proteção, dificilmente tais informações seriam publicadas. O Princípio 8 da Declaração de Princípios sobre Liberdade Expressão da CIDH estabelece que “todo comunicador social tem o direito à preservação de suas fontes de informação, anotações e arquivos pessoais e profissionais”. Igualmente, a nível internacional, a confidencialidade das fontes é uma derivação das garantias do direito de buscar, receber e difundir informação, premissa consagrada no artigo 19 do Pacto.
O Sr. David Kaye (EUA) foi designado Relator Especial sobre a promoção do direito à liberdade de opinião e expressão em agosto de 2014 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Os Relatores Especiais são parte do que se conhece como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Os Procedimentos Especiais, o maior órgão de especialistas independentes no sistema da ONU para os Direitos Humanos, é o nome geral dos mecanismos de investigação e monitoramento do Conselho de Direitos Humanos para fazer frente a situações concretas em países ou referentes a questões temáticas em todo o mundo. Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham de maneira voluntária; não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. São independentes de qualquer governo ou organização, atuando de forma individual.
O sr. Edison Lanza (Uruguai) é Relator Especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Secretaria do Relator Especial para a Liberdade de Expressão foi criada pela CIDH para promover a defesa do direito à liberdade de pensamento e expressão no hemisfério, dado o papel fundamental que este direito desempenha na consolidação e no desenvolvimento do sistema democrática.
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