segunda-feira, 8 de junho de 2020

Cinema em Casa: Escravos da América

Cinema

Cinema em Casa: Escravos da América

Para assistir em plataformas digitais, quatro filmes sobre o racismo profundamente entranhado na cultura americana, a herança pesada da escravidão nos Estados Unidos

 
04/06/2020 16:41
 
 
É volumoso o acervo de filmes e documentários acumulado sobre o drama da escravatura e a arraigada cultura racista que a ela sobreveio e se perpetuou até os nossos dias, nos Estados Unidos. Não podia deixar de sê-lo já que Hollywood se situa numa das cidades americanas que mais têm se destacado na luta das ruas convulsionadas e indignadas com o assassinato a sangue frio do negro George Floyd por um truculento policial branco. Há dez dias e noites seguidas as ruas dos EUA - com destaque para Nova Iorque, Portland e Los Angeles - oferecem um exemplo inesperado e admirável de cidadania e resistência como há muito não se via. '' Sem Justiça não haverá Paz'', avisam os manifestantes, negros, brancos, asiáticos, mulheres, homens, jovens e velhos.

Neste momento histórico é conveniente não esquecer que os negros americanos foram autorizados a entrar nas salas de cinema do país tardiamente; e só podiam sentar nos piores lugares da plateia. Na linguagem popular esses assentos eram conhecidos como nigger heaven - literalmente, o ''céu dos negros.''

Os poucos personagens afro-americanos dos filmes produzidos na época nunca tinham papeis que não fossem de servilismo ou de bandidagem.

Hoje, desfrutamos o cinema de Tarantino com estrelas negras. Temos os filmes do destemido Spike Lee que veio a público esta semana para desnudar a postura covarde, autoritária e vazia de Trump diante dos mega-protestos. Temos os semi-documentários de Steve MacQueen, os de Ava Duvernay, e cartazes premiados, como Moonlight - sob a luz do luar, de Barry Jenkins, Oscar de Melhor Filme em 2017.

E antes dele o histórico L.A. Rebellion, como ficou conhecido o movimento da geração de estudantes de cinema negros, dos anos 60, que frequentaram a UCLA. Gay Abel-Bey, Anita W. Addison, Shirikiana Aina, Don Amis entre tantos outros.

Mas embora a visibilidade cinematográfica dos negros esteja se fazendo, como se vê nos quatro filmes mencionados abaixo, a discriminação, a marginalização e a indiferença dos brancos para a precariedade desse grupo populacional na vida nacional ainda são escandalosas.

***



A 13ª Emenda
O excelente documentário - 13th, título original - focaliza a evolução do sistema da justiça criminal americano, o complexo prisional do país com dezenas de unidades privatizadas a partir do governo Clinton, o encarceramento em massa e, sempre, o reforço e a renovação do mito da criminalidade dos negros; os negros presos por motivos fúteis: vadiagem, porte de pequenas quantidades de maconha, e os negros presos sem provas.

Na sua época, Nixon afiou o discurso racista hoje anabolizado por Trump, invocando ‘’a ‘’lei e a ordem’’ para submeter os ‘’superpredadores’’ mencionados, aliás, por Hillary Clinton em um dos seus discursos de campanha. Na agenda do atual presidente, Trump chegava a pedir a pena de morte para menores infratores. Negros. No fim do período da escravidão, a pergunta era esta: o que fazer com os quatro milhões de negros alforriados que faziam parte ativa do sistema econômico do país? O que fazer com essa formidável força de trabalho gratuita?

Disponível no catálogo da Netflix.

:: Leia mais :: A Décima Terceira Emenda: Os escravos de Tio Sam

***



Django livre
O Dr. King Schultz (Christoph Waltz) e Django (Jamie Foxx) cavalgam rumo à Casa Grande de uma fazenda do estado do Tennessee poucos anos antes do início da Guerra de Secessão (1861-65). O Dr. Schultz é um dentista alemão que há alguns anos se radicara nos Estados Unidos e acabara se tornando um caçador de recompensas. Django é um ex-escravo que aceitara temporariamente a parceria com o Dr. Schultz em troca da alforria e de sua ajuda para encontrar a esposa, a escrava Brunhilde (Kerry Washington). Maria Clara Sampaio, em Carta Maior, lembra que o título original é Django Unchained. ''Django Desacorrentado” serve como mote para a discussão sobre o que é ser livre e o que o filme conseguiu captar do significado histórico da liberdade para ex-escravos não apenas nos Estados Unidos pré-Guerra da Secessão. (...) A resistência e a experiência pessoal da maioria dos escravos e escravas é a da luta pela sobrevivência em um cotidiano violento onde o excesso desumano de trabalho e a comida insuficiente resumem a sobrevivência a uma luta instintiva e animalizada.''

No You Tube e no Google Play.

:: Leia mais :: 'Django', de Tarantino: entre o ordinário e o extraordinário 
:: Leia mais :: Django Livre, Django Siegfried, Django Obama: metamorfoses liberais de Tarantino 

***

Eu não sou seu negro

Texto de James Baldwin (na foto, ao centro) guia a narrativa do filme. (Imovision/Divulgação)

O filme dirigido pelo haitiano Raoul Peck (autor também de Lumumba) é construído a partir de um manuscrito inacabado do romancista e ensaísta norte-americano James Baldwin. Com cerca de 30 páginas, Remember this house aborda questões relacionadas ao sistema segregacionista nos EUA, tendo como ponto de partida memórias sobre os três líderes negros assassinados entre 1963 e 1968: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King. Se parece inaceitável o racismo, mais surpreendente ainda é a perpetuação dele até os tempos atuais. Persistem preconceito, opressão e violência que vitimam um incontável número de pessoas. O doc foi nomeado para o Oscar como Melhor Documentário. Utilizando-se do texto de Baldwin, narrado pela poderosa voz do ator Samuel L. Jackson, o filme contém entrevistas realizadas pelo autor nos anos 1960, trechos de filmes, reportagens e fotografias da época. As palavras de Baldwin são de grande atualidade quando ele comenta as imagens de conflitos motivados por questões raciais.

No You Tube e GooglePlay.

***



Doze anos de escravidão

Filme do inglês Steve McQueen baseado no diário de Salomon Northup, violinista e empresário negro americano, da cidade de Saratoga, sequestrado em Washington em 1841 e vendido como escravo em Nova Orleans.

Uma história verídica, especialmente dramática: Solomon Northup era um homem livre, negro, filho de escravo alforriado, bem educado e culto, talentoso violinista e exímio artesão. Casado com Anne, uma moça descendente de negros e indígenas, era pai de dois filhos e vivia confortavelmente com a família em Saratoga, estado de Nova Iorque.

Por meio de venenosa armadilha na qual lhe foi prometido trabalho rentável como violinista, foi sequestrado em Washington, drogado durante um jantar na notória Taverna de Robey e vai parar, preso e acorrentado, em uma das duas senzalas que existiram, em 1841 - poucos as conhecem -, vinte anos antes do começo da Guerra da Secessão, situadas à sombra do Capitólio. Solomon vai para senzala Williams, localizada no mesmo lugar do atual National Air and Space Museum do Smithsonian Institute. O filme foi indicado nove vezes ao Oscar. Ele ilumina não só um mero um episódio, mas um sombrio momento da história da escravidão nos Estados Unidos, e relembra que Salomon foi apanhado na mesma cidade em que Abraham Lincoln escreveu para o New York Tribune após o início da Guerra da Secessão: ''O meu principal objetivo nesta luta é salvar a União e não salvar a escravidão nem destruí-la; se eu pudesse salvar a União ao preço de não libertar um só escravo, eu o faria; e se pudesse salvá-la libertando todos os escravos, eu faria; se pudesse salvá-la libertando uns e abandonando a outros, também o faria."

No You tube, Google Play e na Netflix.

:: Leia mais :: Doze anos de escravidão e mais de 100 de um certo silêncio




Nenhum comentário:

Postar um comentário