terça-feira, 13 de outubro de 2020

Paulo Freire hoje questionaria educação em pandemia, por Antonia Darder e James Kirylo

 


Paulo Freire hoje questionaria educação em pandemia, por Antonia Darder e James Kirylo

Muitos estudantes não conseguem ter acesso a tecnologia, ou enfrentam a insegurança alimentar - problemas que normalmente seriam resolvidos na escola

O renomado educador Paulo Freire teria questionado como nós estamos educando nossos filhos em tempos de COVID-19
Por Antonia Darder e James D. Kirylo
Do The Conversation
Sugerido por Alfeu

Por todo o mundo, as escolas estão lutando para fornecer alternativas acadêmicas online durante o coronavírus, especialmente para os estudantes de grupos racial e economicamente marginalizados.

Embora a educação online não seja novidade, sua proliferação em massa em meio a pandemia é, e está radicalmente mudando a face da educação

Muitos estudantes não conseguem ter acesso a tecnologia, ou enfrentam a insegurança alimentar – problemas que normalmente seriam resolvidos na escola. Eles perdem também as atividades extracurriculares que são importantes para o seu bem-estar.

A pandemia expôs também as brechas na segurança, predadores online e questões de privacidade e isolamento.

A eficácia do aprendizado online continua sendo uma preocupação crítica entre os educadores, especialmente considerando que o ensino virtual pode ser normalizado depois da pandemia.

Como estudiosos que já escreveram extensamente sobre educação, acreditamos que é útil considerar que o educador e filósofo brasileiro Paulo Freire, já falecido, teria pensado sobre a normalização global da aprendizagem virtual.

Com a exceção de John Dewey, o pai da educação progressista, Freire foi o principal filósofo da educação progressista em todo o mundo, e o seu pensamento permanece influente nos dias atuais.

 

A formação de cidadãos democráticos

Freire criticava o capitalismo, na qual ele via como explorador, e escreveu amplamente sobre populações oprimidas, particularmente aquelas que vivem na pobreza. Ele argumentou que enquanto a educação se mantivesse a serviço dos ricos e poderosos, a democracia genuína seria impossível de ser alcançada.

Freire via na participação política aberta como o pilar das sociedades democráticas. A fim de preparar os estudantes para isso, Freire conclamou por uma abordagem educacional crítica – pedagogia do questionamento centrado nas experiências dos estudantes como ponto de partida para ensinar e aprender.

Considere o trabalho no Paulo Freire Freedom School em Tucson, Arizona, o Instituto Paulo Freire na Espanha e o Centro Paulo Freire na Áustria. Todos eles empregam as histórias e as experiências vividas dos estudantes no centro do seu aprendizado.

Paulo Freire em 1963. Foto: Correio da Manhã

Freire criticou o “sistema bancário da educação convencional”, que enxergava os estudantes como recipientes vazios para serem preenchidos pelo professor.

Professores são considerados oniscientes. O conhecimento cultural que os estudantes da classe trabalhadora e de minorias raciais é sistematicamente vista como secundário. Consequentemente, os estudantes são vistos como objetos para serem dirigidos do que contribuidores do seu próprio aprendizado.

Métodos educacionais como currículos padronizados e ensino-para-prova frequentemente  resultam em práticas não democráticas no interior da sala de aula.

Essas abordagens podem inibir a compreensão de si mesmos como sujeitos empoderados de seu próprio mundo, Freire chamava atenção. Eles podem transfigurar os estudantes em objetos para serem manipulados e silenciados. Nós acreditamos que isso é apenas agravado pelo ensino online, que reduz as oportunidades dos alunos dialogarem com os outros.

Sem uma reflexão critica dos estudantes e o diálogo com os outros, eles são impedidos de um desenvolvimento das habilidades coletivas no centro da vida democrática. Freire teria argumentado que os estudantes não conseguem alcançar um sentido de seu próprio empoderamento como seres humanos afetuosos e conscientes – ingredientes vitais para a formação de cidadãos democráticos.

O novo normal educativo

Para Freire, uma educação democrática permite os estudantes de todas formações trabalharem coletivamente. É um esforço para transformar as desigualdades de suas  vidas diversas. Vital para sua formação intelectual é a tensão criativa  necessária para manifestar relações vivas de solidariedade e formas genuínas de democracia.

A regularização do ensino online, nós acreditamos que Freire teria demonstrado, representam como uma ameaça existencial para esse modelo educacional.

Dada a separação física total do ensino online, espera-se que os estudantes operem de modo que, mais do que nunca, desincorporem seu aprendizado através dos espaços online solitários. Dessa forma, em vez de desenvolver uma voz, Freire diria que os estudantes estão cada vez mais longe do contato humano, interação social e a ética da empatia essencial para a vida democrática.

Da mesma forma, Freire criticaria o modelo de educação online que desfigurou o trabalho dos professores. Na sala de aula virtual, o trabalho do instrutor se torna ainda mais rotineiro e desagregado do que antes. Os professores estão cada vez mais servindo na função de mediadores tecnológicos em vez de mentores críticos.

Freire também teria apontado para os perigos de uma cultura educacional que leva o estudante a aceitar a vigilância tecnológica. Ele iria nos lembrar que a maioria dos casos
de política autocrática nos EUA ou no exterior foi sendo estabelecida através da vigilância sistemática da juventude – utilizado para esmagar a dissidência.

Acima de tudo, Freire se preocupava com a capacidade dos estudantes de se desenvolverem em adultos críticos e conscientes que pudessem encarar os desafios de um mundo interconectado – onde o capitalismo e a ganancia corporativa estão nos levando em direção a devastação planetária.

Como imaginamos um mundo pós-pandêmico, em vez de nos rendermos ao modelo educacional virtual, Freire teria convocado as comunidades para reingressar em nossas escolas e bairros com o comprometimento ainda maior para sustentar uma democracia participativa.

 

 

 

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