PROJETO DE NECROPOLÍTICA
Quantas mortes são necessárias para se tirar um genocida do poder?
Mudo então a minha pergunta. O que será preciso para tirar um genocida do poder? E já que os poderes não o farão, o que será preciso para que o povo o faça?
Publicado 24/01/2021 - 18h52
Acumulam-se desmandos, um atrás do outro. Do negacionismo da ciência à dança das cadeiras no Ministério da Saúde e declarações estapafúrdias e cruéis. Da ausência do cronograma do Plano Nacional de Vacinação à esdrúxula imposição de sigilo ao cartão de vacinação de quem deveria ser um chefe de Estado, mas não distingue ainda o público do privado. Da ausência de uma mínima política pública de combate a uma pandemia grave à confusão com a Pfizer, que privou o país dessa vacina. Da falta de seringas à mancada com a Índia, que pode colocar a perder a importação da vacina da Astrazeneca, à falta de oxigênio para bebês em Manaus.
E a lista poderia continuar, mas paremos por aqui. Em demonstração do que já dissemos, não é inépcia, não é loucura. É projeto da necropolítica promovida por Bolsonaro.
Por isso voltemos à nossa pergunta: quantas mortes são necessárias para tirar um genocida do poder? Que o Congresso não o fará já é sabido. Não há os votos necessários. No jogo político, o genocida tem a maioria. Cúmplices.
Tem a cumplicidade do Centrão, dos agraciados com emendas parlamentares, daqueles que esperam que Bolsonaro, como um peão descartável, faça as reformas impopulares (a da vez é a administrativa) e derreta até a próxima eleição.
Afinal, quem vai querer assumir o país em meio a essa crise pandêmica e assumir a responsabilidade? Ou pior, assumem o risco de que o fascismo faça morada definitiva no cenário político nacional. Cúmplices. Têm sua parcela de cumplicidade na oposição, que faz seu jogo de cena apresentando pedidos de impeachment que sabe que não irão prosperar, para sair bem na foto e dizer que fez seu papel. Tem sua parcela de cumplicidade o Judiciário, que faz muito pouco, sob o argumento do princípio da separação de poderes.
Voltando à nossa questão, quantas mortes são necessárias para se tirar um genocida do poder? As mortes vão sendo banalizadas, como os números da violência pela criminalidade, da violência contra mulher, da violência policial, do extermínio da juventude negra. Até que os bebês fiquem sem oxigênio em Manaus.
Mudo então a minha pergunta. O que será preciso para tirar um genocida do poder? E já que os poderes constituídos não o farão, o que será preciso para que o povo o faça? O que é preciso para que um povo pobre, espoliado e cansado se apodere de sua soberania?
Este povo que em trabalhos precarizados é quem mais se expõe em transportes públicos lotados ou em mototáxis com capacetes compartilhados. Este povo que não tem condições de home office ou de isolamento. Este povo que vive em casas compartilhadas.
O que impede que o povo pobre, preto e periférico deste país, mais exposto aos perigos da pandemia, invada o Planalto, e ocupe as cadeiras do presidente, do vice, e de todos os deputados do Centrão no Congresso Nacional? Hipoteticamente, o que impede?
Creio que estejam muito ocupados sobrevivendo. Vamos pensar em outras hipóteses. Pessoas sensatas me diriam: Brasília é longe, essa viagem custaria caro, quem pagaria a conta? Como se organizar? Não há lideranças para isso. A repressão seria muito forte, lembra do que fez Temer?
O povo teria medo. Mas, o povo não já vive com medo de bala perdida que sempre encontra um corpo negro? Medo do desemprego? Mas, como revidar sem armas? O povo não tem armas. Mas, e se as armas do dito ‘Crime Organizado’ se juntassem a essa causa? Acho que não há chances de acontecer. Não faria bem aos negócios. O narcotráfico funciona do jeito que está, como guerra ao Morro. Não como a Revolução do Morro.
Veja bem, não estou incentivando nada, são só divagações da quarentena de uma branca classe média que deve estar completamente equivocada, delirando e com febre, ao imaginar o Morro no Planalto Central.
Luana Rosário é doutora em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-doutoranda em Ciências Sociais pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
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