quinta-feira, 29 de abril de 2021

Drauzio Varella: “Médicos não têm direito de receitar remédios sem eficácia”

 

28 de abril de 2021

Boa noite, Glauco!

Acabamos de publicar a Entrevista dos Aliados com o Dr. Drauzio Varella! Muitas das perguntas foram feitas por vocês, Aliados. Obrigada pela participação! 

Na entrevista, Dr. Drauzio criticou os colegas que prescrevem tratamentos ineficazes contra a Covid, afirmando que médicos não têm esse direito. “A medicina tem que ser baseada nas evidências científicas. Isso é o que diferencia a medicina atual daquela que foi praticada há 100 anos atrás, [quando] os médicos faziam sangria, aplicavam sanguessugas. Isso foi feito durante milênios, quando a medicina não era baseada nas evidências."

Varella também listou os erros que fizeram de Bolsonaro o principal responsável pela disseminação do vírus, desde confundir a população com fake news até deixar de comprar vacinas no ano passado, quando outros países já se mobilizavam para isso. 

Mas ele também pediu aos brasileiros que resistam, mantendo o distanciamento social e usando máscara. “Vai passar. Nós estamos vivendo os piores momentos, e agora é a hora que a gente tem que sobreviver.”


Confira um trecho da conversa abaixo e a entrevista completa no site da Pública. Conhece alguém que gostaria de participar da escolha dos nossos entrevistados e enviar suas próprias perguntas? Compartilhe essa entrevista e convide essa pessoa para se tornar Aliada da Pública

Um abraço,

Giulia Afiune
Editora de Audiências

Drauzio Varella: “Médicos não têm direito de receitar remédios sem eficácia”
por Giulia Afiune


Colocar os direitos dos pacientes em primeiro lugar é o que o Dr. Drauzio Varella vem fazendo ao longo de seus mais de cinquenta anos de profissão. Médico oncologista formado pela Universidade de São Paulo, ele foi um dos primeiros a se dedicar ao tratamento da AIDS no Brasil, fazendo campanhas de prevenção e esclarecimento veiculadas no rádio. Durante décadas, ele atuou – e ainda atua – como médico voluntário junto à população carcerária em São Paulo. Hoje, em meio à pandemia, ele afirma que médicos não têm direito de prescrever remédios ineficazes contra o coronavírus, pois isso fere a ética da profissão. 

“Eu sou oncologista, então eu tenho direito de usar uma droga que não tem efeito na doença daquele paciente? Esse é um direito meu? E o direito do doente? [O doente] que está recebendo uma droga que não vai acrescentar nada e poderá juntar efeitos colaterais. O médico não tem esse direito, não. O médico tem que se basear na melhor informação científica disponível para adaptá-la para aquele paciente”, diz. 

Escritor e comunicador, Dr. Drauzio dedicou boa parte da sua vida profissional à divulgação de ciência e informação sobre saúde para a população, primeiro no rádio, depois na televisão, e hoje também na internet. É por isso que ele se diz decepcionado ao ver que um vídeo seu – gravado antes do coronavírus se alastrar pelo mundo, em que ele diz que a Covid seria um “resfriadinho” na maioria dos casos – foi usado por membros do governo federal para minimizar a pandemia e propagar desinformação. “É uma coisa tão baixa”, critica. “E é destinada a fazer o quê? A confundir a população. A justificar os absurdos que o Presidente da República fala – e não é que ele falou em janeiro do ano passado, quando a epidemia não estava aqui. Ele fala até agora. Passou um ano inteiro confundindo a população, dando exemplo pessoal de como você faz para facilitar a disseminação do vírus. Isso sim é um crime que não pode ficar sem punição.”

Aos brasileiros que estão desanimados e desiludidos, ele tem um recado claro: “Nós temos que resistir.” Ele conta que ouvia histórias de sua avó, que no início do século XX sobreviveu à gripe espanhola no Brasil numa época em que as famílias não tinham nem rádio em casa. “Hoje, uma parte expressiva da população fica em casa com televisão, com internet, se falando pelo zoom, e a gente vai dizer que não aguenta mais? Tem que aguentar. Sai, máscara, volta. Não se aglomera, não fica se juntando com os outros, não é a hora, não vai ser assim pra sempre. Vai passar. Nós estamos vivendo os piores momentos, e agora é a hora que a gente tem que sobreviver, porque senão a gente não deixa descendentes, né?” 

O senhor afirmou que o presidente Bolsonaro é o grande responsável pela disseminação da pandemia no Brasil. Quais foram os principais erros que ele cometeu? 

Bom, eu acho que ele é o principal, mas não é o único. Há muita gente responsável, inclusive esses meninos de classe média que se metem nos bares, que organizam festas clandestinas, e outras autoridades que também negaram as medidas de proteção da sociedade. 

Mas ele é o maior responsável por uma razão muito simples: é o presidente da República, autoridade máxima do país, que detém o controle do Ministério da Saúde. Quem é que tinha que coordenar todo o esforço de combate à epidemia? Era o Ministério da Saúde. Quem nomeou os ministros da Saúde? Foi ele. Então, ele é o maior responsável, não há como fugir dessa responsabilidade. 

Nós tínhamos que ter aprendido uma lição fundamental na epidemia da AIDS: você só combate a epidemia quando tem uma coordenação central, uma autoridade que chama para si a responsabilidade de adotar as medidas mais sensatas de acordo com a opinião dos técnicos e da ciência, que é o único recurso que a gente tem. 

No caso da AIDS, quando começamos a ter drogas altamente eficazes, a partir de dezembro de 1995, o Ministério da Saúde assumiu a liderança, juntou um grupo de jovens técnicos, sanitaristas, infectologistas, e disse o que nós tínhamos que fazer, que era distribuir medicamentos para todos [os pacientes]. Na época, essas drogas custavam muito caro, saíam na faixa de dois, três mil dólares por mês. Vê o tamanho do desafio? Nós fomos pra cima dos fabricantes das drogas, pra cima das multinacionais, quebraram patentes, negociaram o preço, e conseguiram 90% de abatimento. Drogas que custavam cem passaram a custar dez pro governo e aí foi possível combater a epidemia. 

[Mas] quando veio esta epidemia [de covid-19], nós tivemos a situação oposta. Primeiro, nós tivemos o Ministério da Saúde completamente degradado. Não porque não tenha gente boa, os quadros do Ministério da Saúde do Brasil sempre foram gente preparada e competente. Mas, as alterações que o ministério sofreu pra colocar lá militares – que eu não tenho nada contra, lógico, mas [são] pessoas que não tinham nenhum preparo na área da saúde… Deu no que deu. E tivemos um Presidente da República que, pessoalmente, adotou medidas para dar exemplos do que nós deveríamos fazer se quiséssemos disseminar a epidemia mais depressa: sair por aí sem máscara, provocando aglomerações.

[Também] tem o erro crasso de não pensar nas vacinas quando elas estavam disponíveis. Qualquer pessoa diria, ‘bom, os Estados Unidos, a Europa, a Ásia tão indo atrás, nós temos que ir atrás também’. Era arriscado, claro, mas a troco de que os países estavam investindo bilhões de dólares na compra de vacinas? São idiotas? Eles estavam afim de jogar dinheiro fora? Quando todos os países estavam correndo em busca das vacinas, não havia por que o Brasil não fazer o mesmo, né?

E nós falhamos. Por sorte nossa, nós tínhamos o Instituto Butantã em São Paulo e a Fiocruz no Rio de Janeiro, que se empenharam para a obtenção da vacina. Mas isso foi uma iniciativa dos dois institutos, não foi uma iniciativa do governo federal que disse, ‘olha, vamos organizar, vamos ver se nós dispomos da tecnologia, vamos apoiar o Butantã’. Ao contrário, o presidente pessoalmente declarou guerra ao Butantã, dizendo que era uma vacina chinesa, que o Ministério da Saúde não ia comprar. São coisas completamente sem sentido.

A pergunta que mais recebemos dos nossos Aliados foi: qual a sua opinião sobre os médicos que receitam o chamado “tratamento precoce” ou “kit-Covid” com cloroquina, ivermectina e outros remédios que hoje sabemos que são comprovadamente ineficazes contra o coronavírus? 

Minha opinião é a pior possível, né? Como é que você tem um médico que sai defendendo uma droga inútil, com nenhuma eficácia demonstrada, para que continue sendo receitada? A medicina não pode ser assim A medicina tem que ser baseada nas evidências científicas. Isso é o que diferencia a medicina atual daquela que foi praticada há 100 anos atrás, [quando] os médicos faziam sangria, aplicavam sanguessugas. Isso foi feito durante milênios, quando a medicina não era baseada nas evidências. 

O que mudou da metade do século passado para agora foi a necessidade de você comprovar que determinado tratamento tem ação contra aquela doença. Todos os estudos que foram feitos até aqui não permitiram identificar uma única droga com a ação contra o coronavírus. Quem não gostaria de ter uma droga barata com toxicidade conhecida, que pudesse ser administrada nas fases iniciais da doença e que impedisse que a doença se tornasse grave, ou que curasse a doença? Por que nós somos contra? Porque não há nenhuma evidência. Não é que não há evidências de que a droga seja útil. As evidências todas são de que elas são inúteis. E que ainda podem acrescentar efeitos colaterais. 

E o que o senhor acha que leva tantos médicos a aderirem a esses tratamentos que não funcionam? É um posicionamento político se sobrepondo à ética médica? 

Acho que sim. Eu só consigo ver duas razões. A primeira é a ignorância e a segunda é uma decisão política. 


Leia a entrevista completa.

Compartilhe este e-mail com um amigo!Compartilhe este e-mail com um amigo!
Continue acompanhando ;)
Facebook
Twitter
YouTube
Instagram

Nenhum comentário:

Postar um comentário