domingo, 25 de abril de 2021

Uma nova ordem mundial?

 

Uma nova ordem mundial?

A volta em grande estilo dos Estados Unidos às negociações do clima, no momento em que o mundo está traumatizado pela pandemia, parece ter sacudido os líderes globais. Prazos para a redução de emissões de carbono foram antecipados, com a promessa de corte de 50 a 52% das emissões americanas e 55% das europeias até o final desta década. A China também anunciou que reduzirá progressivamente o uso de carvão - principal fonte poluidora do país, que responde por 27% das emissões mundiais. 

Com isso, pela primeira vez, temos metas capazes de manter o aquecimento da Terra abaixo de 1,5 grau, o que evitaria grandes catástrofes. Resta saber como vão fazer os países ricos para reduzir drasticamente o consumo de combustíveis fósseis, a maior fonte de emissão de carbono para a atmosfera. Biden prometeu um mar de rosas na transição verde - “quando as pessoas falam em clima, penso em empregos”, disse

Por enquanto, podemos comemorar o fato de chefes de Estado finalmente assumirem suas responsabilidades pelo destino comum. Bolsonaro, claro, não está entre eles. Sua participação na Cúpula dos Líderes foi educadinha, mas pouco convincente. Prometeu reduzir nossas emissões através do desmatamento zero, compromisso já assumido pelo Brasil em 2015, e eliminado por seu governo. Nenhuma mudança em outro setor foi anunciada – nem mesmo na agropecuária, que responde por 25% das emissões brasileiras, além de estar na origem do desmatamento (fonte de 43% das emissões). 

Não restou quase nada da antiga liderança brasileira nas discussões do clima. A principal iniciativa em relação à proteção das florestas surgiu de outro grupo, bem mais poderoso – e aparentemente com o Brasil de escanteio. Enquanto Bolsonaro discursava, os governos dos Estados Unidos, Noruega e Reino Unido, lançaram o Leaf (folha em inglês), sigla para Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance. Associados a grandes empresas (Unilever, Amazon, Airbnb, Bayer, Boston Consulting Group, GKS, McKinsey, Nestlé e Salesforce), os três países vão investir inicialmente 1 bilhão de dólares nas florestas tropicais (não apenas no Brasil) através de um fundo semelhante ao Fundo Amazônia - que paga pelos resultados obtidos por países e/ou governos locais na redução do desmatamento. Não era bem o que queria o ministro Ricardo Salles, que pretendia obter um cheque em branco para montar sua milícia ambiental. Essa boiada não é tão fácil de passar.

Por outro lado, se a iniciativa de Biden vingar no Brasil, não deixa de ser perturbadora a ideia de uma parceria na Amazônia com tubarões como a Bayer e a Unilever, fornecedoras de agrotóxicos, e a Nestlé, que também já trouxe muito estrago para a saúde e cultura dos brasileiros. A Amazon, além de acusada de monopólio nos Estados Unidos, é questionada na Europa por espionar políticos

É mais do que urgente que a sociedade brasileira retome o controle do debate climático e exija transparência de governos e empresas. Como alertou Ailton Krenak no Roda Viva de segunda-feira passada: “O pensamento mágico de um escravo do capitalismo é tão fantástico que ele acredita que o capitalismo pode acabar com o mundo e criar outro”.

 
Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública 

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Pauta Pública. Na semana da Cúpula de Líderes sobre o Clima, o Pauta Pública recebe o correspondente Jamil Chade para falar sobre a deterioração da imagem do país no exterior, obra do ex-chanceler Ernesto Araújo, do ministro do Meio Ambiente e companhia. Impulsionado por pautas de costumes e pela péssima política ambiental, vimos o país desmanchar sua reputação e se aproximar da agenda de extrema direita, algo impensável na nossa história diplomática. Como isso aconteceu tão rápido e de forma tão eficiente? Ouça agora o podcast Pauta Pública.

O que você perdeu na semana


Gota de esperança. Em Ouro Preto, o Lar São Vicente de Paulo, única casa de repouso para idosos na cidade, perdeu um quinto dos seus residentes no ano passado por causa do coronavírus. Quando a pandemia retornou com força e se agravou, no último mês de março, ninguém precisou ser internado. O El País conta como a instituição conseguiu controlar o novo surto com rastreio, medidas de isolamento e vacinação.

Turismo com dinheiro público. Sob Bolsonaro, grupos que preparam o esquema de segurança nos locais que serão visitados pelo presidente da República, conhecidos como "equipes precursoras", aumentaram o número de dias das viagens. No governo Temer, a média era de 3,6 dias, enquanto na gestão atual a média subiu para cinco dias. Reportagem da revista piauí mostra que as equipes precursoras têm viajado com mais tempo de antecedência do que o necessário e aproveitado para fazer turismo às custas do dinheiro público.

Violência policial. O Ministério Público do Rio de Janeiro extinguiu um grupo de trabalho que apurava a má conduta de policiais militares. A mudança dificulta ainda mais o controle da violência policial, de acordo com promotores ouvidos pelo El País. “É impossível um promotor de PIP - Promotorias de Investigação Penal -, que tem em média 1.000 inquéritos por mês, parar para investigar mortes praticadas por policiais”, disse um dos promotores, que preferiu não se identificar. 

Últimas do site
 
Pandemia e agronegócio. Em entrevista à Pública, o epidemiologista evolutivo Rob Wallace explica as relações entre desmatamento, agronegócio e o aparecimento de novas doenças e alerta para novas epidemias em um futuro não tão distante. "É importante analisar a complexidade do contexto geral para perceber que, ainda assim, o Brasil é único, por ter como presidente um incompetente e fascista que vê o genocídio como parte de seu programa de governo", critica.

Boom de medicamentos. Levantamento da Pública revela que, em um ano, farmácias privadas venderam 52 milhões de comprimidos de quatro medicamentos do chamado "kit covid": hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e nitazoxanida. A hidroxicloroquina, propagandeada por Bolsonaro, foi a campeã de vendas, com 32 milhões de comprimidos. Pico de vendas de hidroxicloroquina e azitromicina foi em março deste ano, pior mês em mortes por covid-19 desde o início da pandemia.

Movimento de médicos cristãos. Em Fortaleza (CE), um movimento de médicos conservadores espalhou dez outdoors antiaborto e em defesa do chamado "tratamento precoce". Chamado "Ainda Há Bem", o grupo tem ligação com gestores do Ministério da Saúde e com o senador Eduardo Girão (Podemos), propositor do projeto de lei que ficou conhecido como "bolsa estupro".

Família vítima de Klein. Quatro mulheres de uma mesma família contam que teriam sido aliciadas ainda crianças a um esquema de exploração sexual do fundador da Casas Bahia, Samuel Klein. Segundo relatos, documentos, imagens e processos, Samuel oferecia dinheiro e presentes para atrair garotas menores de idade em situação de vulnerabilidade socioeconômica, que então eram submetidas a situações cada vez mais graves de violência sexual.
Pare para ler

Origens reveladas. O especial Origens, do UOL Tilt, convidou 20 personalidades negras para fazerem testes de DNA e descobrirem de que regiões do mundo vieram seus antepassados. Em uma narrativa multimídia recheada de fotos e depoimentos, a jornalista Maju Coutinho conta como descobrir suas verdadeiras origens a fez se apropriar de sua própria história. "Como é violento esse processo de escravizar um homem e retirar a sua história, o seu passado", disse.  
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