Documentos do WikiLeaks ajudam a provar o que parece teoria da conspiração por Andrea Dip Quando recebi a mensagem dizendo que o WikiLeaks tinha vazado mais de 17 mil documentos dos grupos antidireitos humanos HazteOir e CitizenGo, dei um pulo da cadeira.
Estávamos há meses investigando uma rede global de organizações que atuam contra o aborto legal e pautas LGBTQIA+ em vários países. Eu já havia entrevistado, entre outros especialistas, o pesquisador e secretário do Fórum Parlamentar Europeu para os Direitos Sexuais e Reprodutivos, Neil Datta, sobre seu estudo que mostra que, entre 2009 e 2018, o financiamento a esses grupos foi de mais de US$700 milhões. A gente já tinha apurado essas e outras informações, sabia que esses grupos tinham conexões com o Brasil, mas faltavam rastros, provas.
Em julho, eu e a repórter e editora Mariama Correia publicamos uma matéria sobre como a pauta antiaborto avança no Brasil. Nela, contamos que a secretária nacional da Família no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Angela Gandra, havia ido à Polônia em dezembro para uma conferência antiaborto, a convite (e com dinheiro) da organização Ordo Iuris, uma "filha" da TFP brasileira. Sim, a organização católica nacionalista Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), fundada na década de 1960 por Plinio Corrêa de Oliveira, perdeu força por aqui após a morte de seu criador mas se consolidou na Europa, dando origem a repaginadas redes de intolerância.
"A rede da intolerância", inclusive, foi o nome muito apropriado que o WikiLeaks deu para o vazamento de documentos sobre o grupo espanhol HazteOir e sua versão internacional CitizenGo. Para dar apenas um exemplo da atuação dessas duas organizações, elas têm ônibus que percorrem ruas da Europa e dos Estados Unidos com mensagens transfóbicas como “garotos são garotos e sempre serão. Garotas são garotas e sempre serão. Você não pode mudar de sexo". Os ônibus são chamados de "Free Speech Bus" e têm gerado reações de protestos em todo o mundo.
A CitizenGo também é uma plataforma de petições online para pautas ultraconservadoras, de extrema-direita, antivacina, entre outras. E, segundo Neil, essas organizações recebem financiamento através de lavagem de dinheiro e de fontes variadas e duvidosas, que incluem um grupo ultrassecreto católico mexicano, oligarcas russos e famílias aristocratas católicas europeias. Eles também conseguem dinheiro pedindo doações às pessoas que formulam e assinam as petições online e através de astroturfing, que é a prática de esconder os reais patrocinadores de uma mensagem ou organização fazendo parecer que ela é apoiada por membros de movimentos populares espontâneos.
Então, quando os documentos do WikiLeaks chegaram em nossas mãos na última semana, eu e as repórteres Mariama Correia, Ethel Rudnitzki, Clarissa Levy e Laura Scofield mergulhamos nessa gigantesca base de dados em busca das conexões da rede da intolerância com o Brasil. Em poucos dias encontramos mais de 200 nomes de sócios/doadores brasileiros, além de atas e documentos da fundação das duas organizações no país e outras pistas que guardamos para futuras investigações.
Quem acompanha a Pública há algum tempo sabe que a Natalia Viana foi a brasileira que trouxe os primeiros vazamentos do WikiLeaks para o Brasil, há 11 anos, e, desde então, muitas reportagens surgiram dessas ricas bases de dados. Eu mesma já tinha trabalhado em uma repescagem no Cablegate, lá no comecinho da Pública, em 2011. Aliás se você ainda não ouviu a Natalia contando essa história toda, corre para ler “O ano em que o WikiLeaks mudou o mundo”.
Vale lembrar que, enquanto escrevo essa newsletter, Julian Assange, fundador do WikiLeaks, está há mais de 10 anos encarcerado, sete deles como asilado político na embaixada do Equador em Londres e, desde 2019, em uma prisão na Inglaterra. Isso sem nunca ter sido condenado por crime algum, como lembra nossa diretora-executiva Marina Amaral em seu capítulo no livro "Tempestade Perfeita". Segundo amigos, Assange se encontra em situação de saúde muito grave, e os Estados Unidos ainda pleiteiam sua extradição. A justiça britânica tem negado, falando inclusive em risco de suicídio, mas não parece que o governo estadunidense vai desistir tão cedo. "Ninguém deu ouvidos a Assange, que além de se declarar inocente, apontou para a conveniência da acusação em um momento em que o governo americano espumava de raiva contra ele. Também foram ignoradas ilegalidades gritantes na investigação", escreve Marina.
A sorte é que tampouco o WikiLeaks parece que vai desistir tão cedo. Sorte nossa, que podemos mergulhar em seus vazamentos e trazer informação pública, relevante e de qualidade há mais de 10 anos. E sorte de vocês, que podem descobrir as negociações escusas e ligações suspeitas desses grupos de poder no Brasil e no mundo. Aguardem os próximos capítulos! |
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