quarta-feira, 1 de setembro de 2021

'Não se sustenta um governo de esquerda sem força popular organizada', diz Dilma Rousseff

 20 MINUTOS

'Não se sustenta um governo de esquerda sem força popular organizada', diz Dilma Rousseff

Ex-presidente faz balanço do impeachment e afirma que burguesia brasileira não tem compromisso com democracia; veja vídeo na íntegra

CAMILA ALVARENGA

Madri (Espanha)

No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta terça-feira (31/08), o jornalista Breno Altman entrevistou a ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff, que analisou os possíveis motivos que levaram ao processo de impeachment, concluído em 2016. 

De acordo com a petista, o partido cometeu diversos erros que impediram-no de evitar que o processo acontecesse. Um deles foi permitir que se diminuísse a força de organização do PT e da esquerda de forma geral, afastando a legenda da base apesar de todas as conquistas que ela trouxe para o povo: “Era uma contradição e não podemos deixar que isso aconteça de novo. Porque a força que sustenta qualquer governo é a força popular organizada e isso você tem que ter antes, não é durante um golpe que você vai organizar a base”. 

Outro erro, na concepção da ex-presidente, foi a implementação da nomeação do Procurador-Geral da República através de uma lista tríplice. Para ela, o mandatário no cargo deve ser quem nomeia o procurador, como está previsto na Constituição.

“Toda instituição deve ter pesos e contrapesos. Se o peso é na autonomia da instituição, do Ministério Público, então o contrapeso é contra a corporação, com a nomeação do procurador-geral. Tem de ter um mínimo de controle”, defendeu.

Por fim, ela admitiu que houve uma ilusão com relação ao comprometimento das elites com a democracia, “que é oportunista histórica e estruturalmente”, mas disse que era impossível ter uma visão premonitória sobre a fragilidade da democracia no país.  

“Acho que houve também uma avaliação precária de que as conquistas da Constituição de 1988 estavam garantidas, e não estão. Muitos no PT achávamos até que ela era incompleta, mas se você pensar nos governos [Miche] Temer e [Jair] Bolsonaro, ela é revolucionária”, discorreu.

Política econômica de Dilma

Por outro lado, Dilma disse não acreditar que errou em adotar políticas econômicas de ajustes fiscais e controle de gastos, apesar de reconhecer que o então ministro da Fazenda Joaquim Levy "não estava à altura naquele momento”.

“Mas não tinha como superar aquele momento sem o ajuste de contas, mas qualquer conflito distributivo desse tipo tende a explodir. A campanha feita contra a CPMF com o pato amarelo, na verdade, era porque as pessoas não queriam pagar imposto. Acho que nem a nossa base social era a favor da CPMF, só que não dá para fazer política para a base. O povo teria defendido o governo se tivesse entendido a correlação de forças”, avaliou.

Roberto Stuckert Filho/PR
De acordo com a petista, PT cometeu erros que impediram-no de evitar que o golpe acontecesse

Sinais do golpe contra Dilma

Relembrando seu período no Palácio do Planalto, Dilma afirmou que os sinais do golpe começaram logo após as eleições, ainda que não fossem tão evidentes naquele momento. “Quando o candidato do PSDB [Aécio Neves] começou a questionar o resultado de uma eleição que eu tinha claramente vencido, pedindo recontagem dos votos e para que eu não tomasse posse", disse.

Em menos de um mês após as eleições, foram protocolados seis pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados e uma “aliança golpista” foi sendo criada para inviabilizar o governo da ex-presidente. Ela citou principalmente a estrutura dirigente do PSDB e uma parte do MDB aliada a Eduardo Cunha, à qual o resto do partido se juntou eventualmente.

Com a questão internacional da queda do preço relativo dos commodities e a desaceleração da economia mundial, Dilma foi ganhando mais inimigos e o golpe, segundo ela, foi ficando mais evidente: “Não teve um momento durante o meu segundo mandato em que não fui atacada. O processo do golpe foi escancarado e a mídia participou dele”.

Dilma diz que golpe foi nos moldes da guerra híbrida

Na opinião da ex-presidente, as elites optaram pelo “golpe 2.0", nos moldes da "guerra híbrida”, porque precisavam interromper um processo de ruptura com o neoliberalismo iniciado pelo PT, com Lula.

“Pensaram que, em 2014, iam me substituir e retomar a agenda neoliberal, mas quando perderam e viram que íamos seguir com um governo de fortalecimento do Estado, das empresas públicas, de diminuição da desigualdade, e com a possibilidade enorme de Lula me suceder ao final, tinham que interromper o processo”, enfatizou.

Para ela, prova de que as motivações eram totalmente econômicas é a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, encaminhada por Temer, “que força qualquer governo a governar no marco neoliberal”, por ser uma emenda à Constituição.

Ela ainda destacou que é isso que segue fazendo Bolsonaro, tirando poder da população e aprovando medidas de difícil reversão. “Bolsonaro, mesmo que seja derrotado no ano que vem, vai querer que prevaleça sua política”, reforçou.

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