segunda-feira, 21 de março de 2022

O mata-burro bolsonarista

 


Sábado, 19 de março de 2022
O mata-burro bolsonarista


Um terço dos deputados mais radicais deve morrer na porteira das eleições.

Como um autêntico boiadeiro tocando o gado, no fim de semana passado Bolsonaro moveu uma dezena de parlamentares da sua base radical de diferentes partidos para o Partido Liberal. Novo refúgio dos bolsonaristas convictos, o PL é uma das siglas do (se gritar pega) Centrão que sustenta o governo à base do toma-lá-dá-cá negociado por experientes e gananciosas raposas da política. 

Ao todo, o universo da base cegamente fiel a Bolsonaro tem algo como 70 parlamentares na Câmara dos Deputados. Mas, para se reelegerem, fazer arminha com a mão e defender bandeiras radicais e ultraconservadoras nas redes sociais não vai bastar. A estimativa de um dos articuladores do PL e líder da bancada da bala, o deputado paulista José Augusto Rosa, um oficial aposentado da Polícia Militar que se apresenta como Capitão Augusto, é de que 23 desses parlamentares fiquem pelo caminho, enroscados no mata-burro.

Quem é do interior como eu já viu dezenas de vezes um mata-burro, uma vala coberta por tiras de madeira ou barras de ferro. É uma forma simples e eficiente de permitir a passagem de pessoas e carros, mas impede a fuga de bois e vacas que ficam soltos nos pastos.

“O deputado que não fez base eleitoral, não trabalhou para uma região, não atuou nas eleições municipais ou junto a instituições [sociais], vai ter muita dificuldade de se reeleger", projetou Augusto. Ou seja, a coisa voltou a ser parecida com o que era antes da onda antipolítica iniciada em 2013 e que teve seu auge em 2018. O parlamentar estima que um terço de seus colegas que chegaram à Câmara impulsionados pelo bolsonarismo mas não abandonaram a estratégia de fazer arruaça sob encomenda para as redes sociais (a tal bancada da selfie, lembra?) ficará a ver navios em outubro próximo. 

Augusto sabe do que fala. Nono deputado federal mais votado em São Paulo em 2018, ele trabalha na construção de candidaturas do partido de Bolsonaro.

Apesar de 57% dos brasileiros reprovarem a gestão Bolsonaro, segundo pesquisa do Poder Data, e da provável mudança de perfil da bancada conservadora, o deputado projeta que a base bolsonarista siga do mesmo tamanho que é hoje: cerca de 70 deputados.

Fora as estrelas e principais porta-vozes da extrema direita, como Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli, que têm a eleição dada como certa, a disputa de figuras menores do bolsonarismo radical será contra deputados estaduais e vereadores que souberam tirar proveito do bolsonarismo para conseguir um mandato e também souberam construir bases eleitorais junto a grupos de interesses locais nos últimos quatro anos.

Os indícios de que o caminho será mais escorregadio para a boiada de Bolsonaro se reflete nas brigas públicas entre apoiadores fiéis como o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, o deputado federal Carlos Jordy, do Rio, um dos recém-filiados ao PL, e o ex-chanceler doidivanas Ernesto Araújo, com o clã presidencial.

O PL, comandado por  Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão petista, não terá mais tempo de TV nem mais dinheiro do fundo eleitoral com a chegada dos novos parlamentares. Ao contrário, o que já havia será disputado por mais gente. Por outro lado, o partido ganha capilaridade para negociar apoio nos estados e candidatos dispostos a vincular seus nomes ao de Bolsonaro nos santinhos eleitorais.

Após a adesão dos parlamentares bolsonaristas ao seu feudo partidário, Costa Neto celebrou a criação da frente parlamentar Lealdade Acima de Tudo, lançada pelos fanáticos apoiadores do presidente na Câmara. E cobrou que ela se estenda a todos os filiados: “Temos que ser fiéis ao Bolsonaro, fazer tudo o que ele pede, tudo o que ele precisa, para podermos retribuir o que ele fez por nós”.

Hoje, o PL deverá celebrar a chegada de mais uma leva de bolsonaristas hardcore, inclusive as de Eduardo Bolsonaro, o 03, eleito por São Paulo, e de Bia Kicis, do Distrito Federal.

Costa Neto, como Bolsonaro, sabe que na política, como no campo, a comitiva do boiadeiro precisa seguir em frente, mesmo que algumas cabeças de gado fiquem no mata-burro.

Guilherme Mazieiro
Repórter Contribuinte

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