sáb., 21 de mai. às 07:17
COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE III
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 21 de maio de 2022
No primeiro escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS
PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE I, explorei alguns dos
procedimentos utilizados nas campanhas eleitorais baseadas no “voto
fisiológico”. Mencionei: a) a contratação interesseira de cabos
eleitorais e b) a compra de lotes de votos controlados por certas
lideranças comunitárias, religiosas e afins. Destaquei, ainda, que
paralelamente ao “fisiologismo pesado” (ou hard) convivem fisiologismos
“mais leves” (ou soft).
No segundo escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS
PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE II, foram analisados três tipos
de fisiologismos mais leves e muito comuns no universo das campanhas
eleitorais nesta quadra da história do Brasil. São eles: a) os voltados
para a formação de grupos políticos; b) os criados a partir da
distribuição enviesada de recursos decorrentes de emendas parlamentares
e c) aqueles constituídos por forte inspiração corporativa ou
institucional, em especial a religiosa.
Paralelamente às campanhas baseadas no “voto fisiológico” existe outro
tipo de campanha eleitoral, caracterizado pelo “voto de opinião”. Nesse
caso, a preferência pelo candidato A ou B não está lastreada numa troca
de benefícios ou vantagens e recursos pecuniários mais significativos
não são decisivos. O eleitor, via de regra, presta atenção e define o
seu sufrágio em função: a) de propostas programáticas e b) pela
trajetória de vida do candidato que demonstra as habilidades técnicas e
políticas para efetivar as proposições de campanha. Em inúmeras
situações, o desempenho anterior de mandato parlamentar é fundamental na
decisão. A participação ativa na vida sindical, em associações de classe
e organizações não-governamentais de uma forma geral são elementos muito
valorizados.
Existe uma questão de fundo a ser considerada. De forma consciente, ou
não, o eleitor do “voto de opinião” avalia os candidatos a partir da
posição assumida no complexo e intenso “jogo” de interesses
socioeconômicos existente na sociedade. Assim, a campanha eleitoral
baseada no "voto de opinião" resulta, se vitoriosa, num mandato
parlamentar comprometido com visões programáticas (ou
político-ideológicas) mais liberais ou individuais (ou identificadas com
a “livre iniciativa”) ou mais intervencionistas ou coletivas (ou de
maior prestígio aos “valores sociais do trabalho”). A menor ou maior
presença do Estado, particularmente em atividades econômicas, e mesmo em
serviços públicos, são balizadores de posições bem definidas e distintas.
As visões, com consideráveis variações, voltadas para o coletivo, para a
justiça social e o combate às desigualdades socioeconômicas, notadamente
num país profundamente desigual como o Brasil apontam para atuações e
posicionamentos parlamentares comprometidos com a ampliação de políticas
públicas nas áreas de educação, saúde, mobilidade, cultura, esportes,
segurança social, assistência social, entre outras. Busca-se, nessa
linha, a conformação de um Serviço Público (ou Administração Pública)
fundado no profissionalismo republicano que responda, com eficiência, às
demandas da sociedade. Existe toda uma preocupação com a redistribuição
de renda e formação de um mercado consumidor forte e gerador de um
círculo virtuoso da atividade econômica com geração de empregos e
tributação justa não concentrada no consumo de bens e serviços (e sim,
na propriedade e manifestações significativas de riquezas). Os profundos
malefícios do rentismo e da espoliação realizada pelo mercado financeiro
são fortemente combatidos. O respeito às várias minorias, a valorização
da diversidade e o combate aos diversos tipos de preconceitos são pontos
especialmente relevantes. A noção de sustentabilidade, notadamente
ambiental, recebe relevante atenção diante da profunda crise climática
que ameaça a vida no planeta.
É justamente no âmbito do “voto de opinião” que se localiza um dos
maiores desafios políticos da atualidade. Como superar ou resolver a
crise da democracia representativa? Afinal, admite-se amplamente, no
contexto de sociedades cada vez mais complexas e plurais: a) a
existência de um descompasso entre as atuações dos representantes e a
vontade dos representados e b) a distância entre os representantes e os
representados, caracterizada pela ausência de canais de diálogo e
participação nos processos decisórios.
O debate em torno da crise da democracia representativa parece indicar
certos rumos, mas ainda com forte carência de fórmulas mais robustas ou
operacionais. Apontam-se como caminhos a serem trilhados: a) superação
de atuações estritamente individuais; b) forte mitigação de relações
hierarquizadas e burocratizadas; c) construção de espaços de debate e
deliberação coletivos e marcados pela diversidade social e d) utilização
intensiva dos modernos meios de comunicação eletrônica organizados em redes.
Nessa linha, os mandatos coletivos, também chamados de “compartilhados”,
surgem como uma importante inovação no campo da representatividade
política. Apesar da ausência de regras ou padrões bem definidos, essas
experiências são caracterizadas pela circunstância de que o eleito
divide (ou compartilha) a parcela de poder parlamentar com um grupo de
pessoas (o número de participantes e a extensão da diversidade são
decisões do conjunto de cidadãos que se agrupam com essa finalidade).
Esse coletivo se forma e atua desde a campanha eleitoral. Nesse sentido,
os integrantes do grupo são identificados como co-candidatos.
As experiências com mandatos coletivos ganham força continuamente. A
nítida demonstração dessa última afirmação pode ser observada no
reconhecimento expresso dos mandatos coletivos ou compartilhados pela
ordem jurídica. Com efeito, a Resolução n. 23.675, de 16 de dezembro de
2021, expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, veiculou comando
normativo com a seguinte redação: “no caso de candidaturas promovidas
coletivamente, a candidata ou o candidato poderá, na composição de seu
nome para a urna, apor ao nome pelo qual se identifica individualmente a
designação do grupo ou coletivo social que apoia sua candidatura,
respeitado o limite máximo de caracteres”.
Outra ideia promissora, voltada para democratizar o exercício da
representação político-parlamentar, consiste na formação, já na campanha
eleitoral, de uma espécie de conselho ou comitê de monitoramento ou
acompanhamento do exercício do mandato parlamentar. Composto por pessoas
representativas de vários segmentos sociais, um colegiado dessa natureza
pode: a) manter o mandato fiel ao programa apresentado na campanha; b)
zelar pela adoção das melhores práticas políticas, em especial aquelas
voltadas para a transparência e intenso diálogo público e c) adotar
certas decisões no âmbito do exercício do mandato, respeitados os
programas dos partidos políticos dos eleitos.
Destaco a importância de mecanismos de controle e acompanhamento dos
mandatos obtidos com base no “voto de opinião”. Como destaquei
anteriormente (segunda escrito dessa série), existem expedientes
profundamente deletérios em curso no Parlamento brasileiro. Com efeito,
as emendas orçamentárias impositivas e até aquelas integrantes do
“orçamento secreto” (bilionário mecanismo de malversação de recursos
públicos inventado pela associação Centrão-Bolsonaro), por força do art.
29 da Lei n. 13.019, de 2014, podem direcionar o dinheiro público para
entidades do terceiro setor sem o crivo de processos seletivos e
impessoais. Em outras palavras, os parlamentares podem escolher
livremente os beneficiários de significativos repasses financeiros.
Assim, prevalecem, contra o interesse da coletividade e o planejamento
das políticas públicas, toda sorte de interesses escusos, pessoais,
paroquiais, eleitoreiros, etc, etc, etc.
Não custa sublinhar que esses mecanismos de execução das emendas
parlamentares ao orçamento, com a perversa caracterização de serem
gastos praticamente privados viabilizados pelo exercício de mandatos
eletivos, funcionam como potentes instrumentos de desequilíbrio da
disputa por postos legislativos.
Infelizmente, o chamado “voto de opinião” ainda é minoritário na
realidade eleitoral brasileira. Prevalecem, nesse cenário, os vários
tipos de “votos fisiológicos”, como destacado nos dois escritos
anteriores desta série. Precisamos, como sociedade, investir muito em
educação, conscientização política, organização social e mobilização dos
interesses democráticos e populares para superação das mazelas
eleitorais e, também, socioeconômicas.
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