Olá,
Como jornalista mulher, já presenciei diversas situações de machismo na carreira. Fosse pela linha editorial dos veículos ou pela conduta dos colegas e chefes no dia a dia, nos últimos 17 anos vi e passei por muita coisa que gostaria de, como diz a gíria, "desver". Já protestei, inclusive, abertamente em situações de trabalho por considerar que eu ou alguma colega estava sofrendo machismo. No Intercept, pela primeira vez encontrei uma linha editorial que considera os direitos da mulher uma pauta séria. E mais do que isso: em que matérias sobre a mulher geram impactos reais na sociedade. Foi o que aconteceu na última semana com a coluna da nossa editora Bruna de Lara — e faço questão de contar aqui.
No dia 9 deste mês, Bruna publicou a coluna "Ministério da Saúde incentiva violência obstétrica em lançamento da nova Caderneta da Gestante", denunciando que o documento, que terá 3 milhões de exemplares distribuídos pelo SUS, traz o "preocupante estímulo a uma prática violenta e ultrapassada: a episiotomia, corte feito na vagina durante o parto para facilitar o trabalho do médico". A episiotomia não é recomendada pela OMS.
O material, apresentado em cerimônia pelo secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, estimula ainda a realização da manobra de Kristeller, que consiste em fortes empurrões e apertos na barriga da gestante com as mãos, braços ou cotovelos durante o parto – no limite, o profissional da saúde pode subir na barriga da mulher. Um "detalhe": em 2019, o próprio Ministério da Saúde proibiu os profissionais de enfermagem de realizar a manobra. Ou seja: o ministro vai contra a decisão da própria pasta, num movimento caótico típico do governo Bolsonaro.
Imediatamente, a coluna da Bruna repercutiu: foi muito compartilhada e discutida nas redes. Nos dias seguintes, o Conselho Federal de Enfermagem e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, além dos mandatos de alguns parlamentares, publicaram notas contra a fala de Câmara e as mudanças na cartilha. No dia 11, o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), divulgou que acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para questionar o uso do dinheiro público no material. Dois dias depois, o Ministério Público pediu ao TCU para investigar o Ministério da Saúde pelo lançamento da caderneta. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) entrou com requerimento para que o secretário preste esclarecimentos na Comissão da Mulher da Câmara dos Deputados. Uma chuva de impactos positivos!
Essa não é a primeira vez que conteúdos do TIB sobre os direitos das mulheres trazem mudanças. Em 2020, um vídeo da repórter Nathalia Braga sobre a pobreza menstrual lançou luz sobre um tema ainda pouco discutido na época, gerando debates na mídia e no Parlamento. Após ser vetada por Bolsonaro em 2021, em março deste ano foi sancionada a lei do Programa de Dignidade Menstrual, que garante a distribuição de absorventes para adolescentes e mulheres de baixa renda. No mesmo ano, o Intercept publicou com exclusividade um vídeo que revelou o machismo e as humilhações que a promoter Mariana Ferrer sofreu em audiência ao denunciar um caso de estupro. As cenas chocaram o país, e após muita mobilização de ativistas e parlamentares, em novembro de 2021 entrou em vigor a Lei Mariana Ferrer, que visa coibir a prática de atos atentatórios à dignidade de vítimas e testemunhas, em especial nos crimes contra a dignidade sexual. Isso, só para ficar em alguns casos.
Levar os direitos da mulher a sério é dever de toda a sociedade, e faz parte da missão do jornalismo pautar, fiscalizar e cobrar essa postura dos poderosos — especialmente em tempos de tanto obscurantismo e retrocesso. Para continuar mergulhando nesse tema e causando impactos positivos, precisamos da sua ajuda. Não temos anunciantes, por favor: colabore hoje com o Intercept, com quanto puder. QUERO O TIB VIGILANTE PELAS MULHERES →
Um abraço, |
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