Daqui a dois meses, milhares e milhares de arquivos de universidades brasileiras podem correr risco. O Google passará a limitar o armazenamento do Google Workspace for Education, pacote de programas fornecidos gratuitamente a universidades e escolas, a partir de julho deste ano.
O pacote educacional do Google, propagandeado pela empresa como "super seguro e de graça", reúne Gmail, Meet, Drive, aplicativo de planilhas e outras ferramentas. Era oferecido a instituições de ensino no Brasil de forma agressiva desde 2014, apresentado como uma alternativa altamente tecnológica, simples e, sobretudo, ilimitada.
Várias universidades sucumbiram ao canto da sereia e adotaram com entusiasmo as ferramentas da gigante do Vale do Silício. Tecnologia gratuita, confiável, que poderia ser adotada sem licitação, modernizando as instituições. Parecia bom demais.
O Google garantia que seu pacote faria as universidades economizarem com tecnologia da informação. A USP chegou a anunciar uma economia de R$ 6 milhões ao ano. Na Universidade Federal de São João Del Rei, a adoção do pacote do Google foi saudada como uma "nova etapa". Na Universidade Estadual do Pará, como uma "inovação".
Mas a lua-de-mel acabou.
Em fevereiro do ano passado, o Google decidiu que o armazenamento "ilimitado" passaria a ter limites. A partir de julho, as instituições terão direito a apenas 100 TB de armazenamento, cada. Parece muito para nós, usuários individuais, mas estamos falando de muitos anos de produção acadêmica e de uma quantidade monumental de documentos, vídeos, PDFs, e-mails, planilhas, apresentações, teses, dissertações, livros digitais, arquivos de pesquisas etc. Qual a solução? Se uma universidade precisar de mais espaço, vai precisar comprar – e do Google, se quiser manter as ferramentas atualmente em uso.
Só na Universidade Federal de Juiz de Fora, a UFJF, por exemplo, a comunidade universitária usa 700 TB de dados – sim, sete vezes mais do que o Google vai oferecer gratuitamente. Então, o professor Paulo Vilela, do departamento de engenharia da universidade, resolveu recorrer ao Procon contra a empresa.
"Vários usuários, se quiserem manter o que já têm armazenado no Google, terão que pagar pelo uso do armazenamento adicional", ele explicou ao Intercept. O professor também diz que a empresa entrou nas universidades sem licitação porque oferecia um serviço gratuito. Agora que passará a cobrar, será preciso submeter o fornecimento das tecnologias à licitação pública. E isso, com toda a demora, pode prejudicar o funcionamento das universidades.
Nós lemos a resposta do Google ao Procon de Juiz de Fora. Ela é puro suco de cinismo corporativo: a empresa diz que, por exemplo, as instituições concordaram com os termos de uso do produto, que preveem “atualizações comercialmente viáveis nos serviços periodicamente” mediante informação prévia ao usuário. Também diz que o contrato "estipulou a possibilidade de a Google descontinuar qualquer serviço do produto ou funcionalidade relevante associada a ele", desde que comunicados com 12 meses de antecedência.
Segundo a manifestação de seis advogados da empresa, "o Google também não contrariou sua oferta inicial, pois, enquanto o contrato previa a utilização do produto de forma gratuita e ilimitada, nada foi exigido dos usuários do Workspace. E a comunicação prévia sobre a alteração do produto, em especial quanto ao armazenamento, permite ao usuário refletir sobre suas necessidades para uma eventual contratação de espaço extra, ou mesmo para migrar para outra plataforma, se assim preferir". De fato, no contrato com a USP, por exemplo, o Google diz que "poderá fazer alterações comercialmente razoáveis nos serviços de tempos em tempos. Se houver alterações materiais, a Google informará a USP, desde que a USP tenha se cadastrado para ser informada pela Google sobre tais alterações".
Se é verdade que os caudalosos termos de serviço traziam as más notícias, também é fato que o Google não mencionou o assunto quando fez alarde sobre suas "boas ações". As universidades acreditaram na boa intenção da big tech e agora pagam um preço por isso.
Como apontaram os pesquisadores Henrique Parra, Leonardo Cruz, Tel Amiel e Jorge Machado num artigo de 2018, a promessa do Google se cumpriu: as universidades deixaram de gastar com as ferramentas, mas também deixaram de investir em tecnologia. Por isso, se tornaram dependentes da gigante americana.
No artigo, os pesquisadores elencaram vários problemas na adoção das tecnologias do Google: falta de soberania tecnológica, coleta indiscriminada de informações e possível uso dos dados para publicidade, algo que a empresa jura não fazer, apesar de constituir a base de seu modelo de negócios. Eles também previram o problema que surge agora, afirmando que os convênios não eram claros sobre o prazo de vigência da oferta gratuita. "Afirma-se que os serviços da Google são oferecidos gratuitamente para as universidades. Mas quanto vale o gratuito?", questionaram.
Agora, já sabemos a resposta. |
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