Garrincha no Vasco, barrado pelo Sabará? Por José Carlos Faria
Enquanto pesquisava sobre tentativa de golpe contra posse de Juscelino Kubistchek, foto no jornal Correio da Manhã de 1955 foi uma surpresa
Garrincha no Vasco, barrado pelo Sabará?
Por José Carlos Faria*
A descoberta desta foto, no jornal “Correio da Manhã”, edição de 11/11/1955, foi uma surpresa para mim. A legenda dava a entender que Mané Garrincha seria barrado na disputa pela ponta-direita da equipe cruzmaltina, pelo Sabará.
O insuperável Mané dispensa apresentações. Já Sabará era um extrema-direita raçudo, veloz e bom chutador, que defendeu o Vasco de 1952 a 1964, mas seu futebol jamais poderia ser comparado ao do “gênio das pernas tortas”. Sabia que o Garrincha iniciara sua carreira profissional em 1953 no Botafogo, em que jogou até 1965, quando foi vendido para o Corinthians. Desconhecia esta sua passagem pelo Vasco.
Na edição do jornal citada, eu pesquisava sobre a tentativa de golpe contra a posse de Juscelino Kubistchek, vencedor das eleições presidenciais de 1955. Com o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, sucedeu-o na presidência o vice Café Filho, que, por problemas de saúde, foi substituído por Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados.
Reinava no país um clima de grande instabilidade política, provocado, principalmente, pelo jornalista e deputado udenista Carlos Lacerda. Ele contestava o resultado da eleição presidencial, em razão de JK não ter atingido a maioria absoluta dos votos, o que, entretanto, não era exigido pela legislação. Com sua retórica feroz conspirou, também, contra Getúlio e Jango, sendo um dos protagonistas do Golpe de 1964, quando era governador do antigo Estado da Guanabara. Ficou conhecido como o “demolidor de presidentes”
Em 1955, militares e políticos golpistas, entre eles o presidente em exercício Carlos Luz e Lacerda, embarcaram no cruzador Tamandaré, no Rio de Janeiro, e se dirigiram para Santos, onde esperavam sublevar a guarnição local. A tentativa foi frustrada com a atuação enérgica do legalista General Lott, então Ministro da Guerra, que garantiu a posse de JK.
Pesquisava esses episódios, na edição do matutino de 11/11/1955, quando me deparei, nas páginas esportivas, com a intrigante foto do Sabará e do Garrincha, no campo do Vasco, em São Januário. O mistério foi desfeito ao verificar que ilustrava matéria sobre um treino da seleção brasileira, que se preparava para enfrentar o Paraguai, pela taça Oswaldo Cruz.
O jogo com a seleção paraguaia, do qual Garrincha não participou, foi realizado dois dias depois, no Maracanã, com vitória de 3×0 – um gol do próprio Sabará e dois de Zizinho. O selecionado nacional era composto apenas por jogadores de clubes cariocas, que aparecem em outra foto da notícia, também com uniforme do Vasco, entre eles Dequinha e Jordan (Flamengo), Ivan (América) e Santos, o Nilton Santos (Botafogo).
Mané estreara no escrete canarinho, também formado, apenas, com atletas do Rio de Janeiro, dois meses antes, contra o Chile (1×1). Só voltou a jogar pelo Brasil em 1957, sendo depois um dos principais destaques na conquista do bicampeonato mundial na Suécia e no Chile, em 1958 e 1962. Já Sabará defendeu a seleção em nove partidas, sem participar de nenhuma Copa do Mundo.
Eram tempos em que o clube anfitrião fornecia os uniformes para treino, geralmente camisas de jogos já usadas e desbotadas. Não havia patrocínio de fornecedores de material esportivo para os clubes e a seleção brasileira. Os jogadores de equipes rivais não se importavam de vestir camisas de adversários, nos chamados aprontos. Eram, realmente, outros tempos ….
Lancei o desafio da foto nas redes sociais para amigos botafoguenses e vascaínos. Pela resposta de um deles, soube que o “anjo das pernas tortas” realmente disputou uma única partida pelo Vasco, mas em 1967, já em final de carreira. Foi um amistoso de um time misto contra a seleção de Cordeiro, cidade do interior do Rio de Janeiro. Garrincha fez um dos gols na vitória de 6 x 1.
Mané chegou a defender ainda, profissionalmente, por períodos curtos, o Flamengo, em 1968, e o Olaria, em 1972. Suas condições físicas eram, então, precárias. Os sofridos joelhos já não lhe davam a necessária firmeza para seus desconcertantes dribles. O alcoolismo e os quilos a mais lhe tiraram a destreza e a agilidade. Tinha, esporadicamente, lampejos de genialidade, que se manifestavam em jogos caça-níqueis pelo interior do Brasil.
O achado, por acaso, da foto na seção de esportes do “Correio da Manhã”, quando procurava informações sobre episódio marcante da política nacional, me lembrou a letra da música “Eu e a brisa”, do magnífico Johnny Alf, em que “o inesperado faça uma surpresa”. Esta é uma das gratificantes recompensas, quando se realiza pesquisa em material de arquivo de fotos, jornais, filmes ou de qualquer outra natureza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário