terça-feira, 25 de março de 2014

24 anos de escravidão

Rubens Nóbrega




A coluna é basicamente uma crônica política, que se diferencia da análise política clássica por não se prender ao factual nem à ordem ou pauta do dia. Contato com o colunista: rubensnobrega@uol.com.br




24 anos de escravidão

Fui domingo passado ao shopping assistir à história de Solomon Northup ('12 anos de escravidão'), levada às telas para mostrar ao mundo mais uma vez o quanto a soma da intolerância com o preconceito é capaz de condenar seres humanos à perda da própria humanidade. Ganhador do Oscar deste ano, o filme, baseado em livro de autoria do protagonista, narra o drama de um músico negro norte-americano que em 1841 vivia livre em Nova York até ser sequestrado e levado para trabalhar como escravo em fazendas de algodão da Louisianna.
Não, não vou fazer 'crítica de cinema' aqui, coisa de que desisti há muito tempo, depois de ler o que Antônio Barreto Neto e Martinho Moreira Franco produziram no set de jornalismo impresso da melhor qualidade que os dois faziam na Paraíba nos sessenta e setenta do século passado. Meu propósito, hoje, é tão somente confessar ao leitor os sentimentos com que saí do cinema. Porque saí comparando tristeza e injustiça vividas por Solomon a tudo o que o povo brasileiro sofreu sob a ditadura de 24 anos que infelicitou milhões, mutilou e matou milhares.
A comparação começa pelas cenas que antecedem o rapto, sequenciadas pelas torturas que o violonista passa a sofrer no cativeiro antes de ser desterrado do Norte livre para os horrores no Sul escravocrata. Antes, o músico cai na lábia de dois bandidos que o procuram disfarçados de artistas de circo; depois, é embriagado, adormece e dormindo é capturado. Roteiro semelhante àquele imposto ao Brasil de 1964 a 88, depois de uma imprensa flagrantemente golpista fazer a cabeça da população com fartas e falsas informações sobre uma comunização que o governo civil de então jamais pretendeu de verdade. Afinal, a ‘mudança radical’ que Jango almejava não ia além de reformas de base para fazer deste país uma nação menos injusta, menos desigual.

Tal e qual há 50 anos
Feito o Solomon livre escravizado nos Estados Unidos, boa parte da população brasileira acreditou naqueles que lhe sequestraram a liberdade, depois de embriagá-la com promessas enganosas de salvação da pátria para em seguida aprisioná-la e levá-la ainda adormecida às masmorras e porões onde amargariam os suplícios mais impiedosos. Nesse trajeto de ódio e sangue, quem não perdeu a vida, a família ou o convívio de seus mais queridos, alternativa não teve além de assistir ao aprisionamento dos direitos mais comezinhos da cidadania. A ditadura quebrou as pernas de quem queria ir e vir livremente, encarcerou as reuniões do povo, amordaçou a boca de quem queria discutir e falar sem medo sobre qualquer assunto, algemou as mãos de quem pretendia, escrevendo, informar e opinar sobre os problemas do país. Para a vitória das trevas não vamos esquecer que houve, antes do golpe, um evento que não deve ser esquecido, porque representou a mais expressiva prova de quão fácil é alienar e induzir gente desinformada a cometer atentados contra a dignidade e a integridade dos seus concidadãos, começando por querer fazê-los voltar à condição de escravos, porque viver sob ditadura é igual a viver na escravidão. Mas é exatamente isso o que dizem querer os novos enganados e alienados que pretendem reeditar este mês, 50 anos depois, a ‘Marcha pela Família, com Deus pela Liberdade’.

‘A turma do Bolsonaro’

Ainda bem que contra a infeliz iniciativa tem gente reagindo até mesmo com humor. Suponho que pela incapacidade de levar o movimento a sério. É o caso de um amigo que fez circular anteontem um certeiro comentário (leia adiante) sobre a intenção da turma do Bolsonaro, como ele chama os pretensos seguidores e admiradores do ultradireitista deputado Jair Bolsonaro que estariam entre os organizadores da marcha.
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Vem aí a passeata (procissão?) Com Deus Pela Pátria e Liberdade, reeditando a famigerada iniciativa da ingênua Igreja, de apoiar um golpe militar na época de 1964. Depois amargariam profundamente. Hoje se sabe que essas passeatas foram estimuladas, financiadas e organizadas pelo governo americano, que enganou os otários com a desculpa que era para combater o comunismo. E aí, vão encarar? Passagens para o Rio de Janeiro estão em promoção, para o evento. Basta se identificar como direitista (alguém assume?!) e golpista; que quer derrubar a Dilma do cargo que conquistou no voto, dentro da lei, e não com golpes. Será que dará mais gente que as passeatas gueis? Com o resultado das últimas pesquisas, tenho cá minhas dúvidas...
Mas, para aqueles que não perdem as esperanças, aconselho a vocês, antes de embarcarem, que leiam o edificante depoimento dado, em tom de orgulho, por um aborto da natureza de nome Paulo Malhães, coronel reformado do Exército do Brasil, que viveu intensamente aquela época, chafurdando na merda dos bastidores da ditadura militar. Foi publicado no jornal O Globo, que aderiu, apoiou e cresceu na ditadura militar. Está logo aí, é só clicar com o botão esquerdo (êpa!) do mause na linha que selecionei abaixo (trata-se do link http://oglobo.globo.com/pais/vitimas-da-casa-da-morte-foram-jogadas-dentro-de-rio-diz-coronel-11940779).
Aconselho àqueles que tenham estômago mais fraco a colocar um comprimido de Vonau 8 mg sob a língua, antes de iniciar a leitura. Só para repetir o jornalista Kennedy Alencar (que está longe de ser militante de esquerda ou petista), a ditadura militar foi corrupta; apenas não existia liberdade (óbvio!) para denunciar a corrupção. Quem era besta?! Foi essa mesma ditadura (militar!) que gerou os Sarneys, Antonios Carlos Magalhães, Jaders Barbalhos, Romeros Jucás, Calheiros, Bragas, Crivellas, Garotinhos, Robertos Jefeersons, o Collor! e outras figuras nefastas da parada de sucesso da corrupção hodierna, além de Arena, aliás, PDS, aliás, PP, aliás, DEM, aliás, PSD. Gerou, também, milicianos, grupos de extermínio, grandes traficantes, etc.

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