Entrevista do advogado Kakay:
O FALSO PODE SE TORNAR VERDADEIRO PELA REPETIÇÃO
Quem
disse "aquilo que é falso pode se tornar verdadeiro pela repetição na
imprensa como um todo" foi o advogado criminalista Antonio Carlos
Almeida Castro, conhecido por Kakay, que sempre teve muito espaço na
mídia, justamente por seus clientes. E ainda ganha. Advogado de Duda
Mendonça no julgamento do mensalão, Kakay é o responsável por sua
absolvição. E desde o começo de março, Kakay foi contratado por Aécio
Neves, para acompanhar os desdobramentos da segunda fase da Operação
Lava Jato. O Procurador Geral da República pediu o arquivamento do
processo contra Aécio. Kakay continua na área.
Mas ele é o
advogado que joga muito bem com a mídia, nunca em causa própria, sempre
em nome deste ou daquele interesse de seu representado. E é na condição
de advogado com larga experiência no trato com o Supremo Tribunal
Federal que ele deu mais esta entrevista, desta vez à Gazeta do Povo,
analisando a atual situação, que é única no que diz respeito à tensão.
Famoso
por defender figuras de renome da política nacional, o advogado Antonio
Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, não hesita em
criticar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o
julgamento do caso do mensalão. Segundo ele, a ação penal 470 teve
resultados desastrosos para a jurisprudência brasileira. A atuação do
ministro Joaquim Barbosa como presidente do STF também foi objeto de
repúdio pelo advogado criminalista. Durante sua passagem por Curitiba
para a V Conferência Estadual dos Advogados, Kakay concedeu entrevista
ao Justiça & Direito, na qual analisou sua relação com a imprensa e
ainda criticou institutos de direito processual penal.
Leia a entrevista a seguir.
• Qual balanço é possível fazer da ação penal 470, o caso mensalão?
Houve
a espetacularização do resultado, uma tentativa de o Supremo Tribunal
Federal (STF) atender à voz das ruas, o que é uma coisa indefinida.
Houve um atraso na jurisprudência, o ministro Joaquim Barbosa chegou a
admitir que colocou as penas altas para fugir da prescrição, o que é um
caso de impeachment. Criou-se uma falsa impressão de que o Poder
Judiciário brasileiro mudou. Mas quem faz o Judiciário brasileiro são os
juízes das comarcas mais distantes, que trabalham sem condições mínimas
de trabalho, são os desembargadores, que têm milhares de processos. É
muita petulância desse cidadão achar que aquele processo mudou o país.
Nada disso. A mensagem passada foi muito ruim. Na época, ele virou o
relator, o presidente e o carcereiro. A mensagem que se passa para o
promotor da comarca distante é muito ruim. Um ministro do Supremo não
tem de estar preocupado em ser aplaudido em um bar. Tinha de estar
preocupado em ser respeitado pela jurisprudência que ele vai fazer. Esse
processo trouxe muitos malefícios, foi ruim para a jurisprudência
porque retirou vários direitos garantistas e constitucionais que
custamos a consolidar. Criou uma impressão de insegurança para o cidadão
que é lúcido. Imagine estar sentado em casa vendo televisão e ver uma
briga do Joaquim Barbosa com os outros ministros. O cara pensa: “meu
Deus do céu, isso aí que é o STF?” O Judiciário como um todo precisa ter
uma certa austeridade.
• Com a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, o senhor espera mudanças no STF?
Sem
sombra de dúvida. O Lewandowski tem uma tradição de lhaneza no trato
com as pessoas, com a advocacia, com o Ministério Público e com os
próprios pares. Acho que vai haver uma mudança significativa. A toga era
maior que o Joaquim Barbosa, e ele não coube no tamanho. Apequenou o
STF através de sua atitude arbitrária e sempre muito agressiva, tanto
com jornalistas quanto com os pares. Chegou a dizer que o plenário do
STF tinha feito uma chicana. Eu advogo no STF há 33 anos e nunca vi uma
situação tão tensa no Supremo. O natural agora é que volte à
normalidade. O Joaquim Barbosa era muito inseguro. O STF tem de ser uma
casa aberta como sempre foi, os ministros sempre recebem. Quando o
Joaquim Barbosa assumiu no STF, eu fui levar a ele um memorial e um
parecer do então advogado e hoje ministro Luís Roberto Barroso. O
Joaquim Barbosa me disse: “eu recebo seu memorial, Kakay, e vou lê-lo
com prazer, mas o parecer não precisa nem deixar comigo porque eu não
leio, porque eu acho que pareceristas são todos vendidos”. Eu falei:
“mas, Joaquim, isso aqui é um parecer do professor Barroso”. E ele:
“não, quem faz parecer é para ganhar dinheiro”. Ele tinha essa pequenez.
Acho que é um momento muito bom para o Supremo, é muito interessante
que um homem do porte do Lewandowski venha a assumir.
• O senhor tem uma boa relação com a imprensa. A classe jurídica presta a devida atenção a isso?
É
importante você fazer o contraponto em nome do seu cliente. Eu não falo
com a imprensa porque quero falar. Eu estou sempre falando em nome de
uma tese ou de uma proposta do meu cliente. Se você deixa num processo
que está na mídia que só ocorra a versão da acusação, você cria uma
dificuldade no futuro para o seu cliente. Procuro ter [um bom
relacionamento com a imprensa], dentro do princípio de que o contraponto
é necessário. Eu gasto um tempo enorme, mas faço com prazer. Primeiro,
porque estou defendendo uma ideia, que serve para a advocacia como um
todo. Eu, que atuo em casos que têm furor midiático, acho que você tem
que mostrar o outro lado. Aquilo que é falso pode se tornar verdadeiro
pela repetição na imprensa como um todo. Quando meu cliente fala que
quer contratar um assessor de imprensa porque está muito rumoroso o
caso, eu respondo que o melhor assessor de imprensa é aquele que te tira
da mídia. Quando o processo sai da mídia, ele passa a ter um embate que
aí me interessa, que é o embate técnico. Quando ele está na mídia, há
certa deturpação que não interessa a ninguém. Eu costumo dizer que as
pessoas se portam como se estivessem em um jogo de máscaras. Prefiro que
o meu cliente esteja em um processo fora da imprensa e, de preferência,
fora do foro único do Supremo Tribunal Federal.
• O senhor atua em casos pro bono?
Se
eu sou procurado, há uma tese que me impressiona e a pessoa não pode me
pagar, eu aceito. Meu escritório é muito pequeno, somos cinco
advogados. Eu atuo basicamente em tribunais superiores e em processo
penal. Às vezes eu me sensibilizo com a pessoa e, para cobrar uma
quantia menor, eu prefiro trabalhar pro bono. Esses casos eu não divulgo
e ninguém fica sabendo. Aquele caso do ano passado, em que abriram um
inquérito contra manifestantes, me procuraram e eu advoguei para eles.
• Como foi seu início da carreira?
O
fato de eu trabalhar em Brasília fez com que eu tivesse um tipo
específico de cliente. Em Brasília ficam os tribunais superiores, e
governadores, senadores e deputados têm o foro em Brasília. Já advoguei
para mais de 60 governadores. É difícil alguém que não seja de Brasília
que tivesse essa oportunidade. Eu brinco que, como só tive cliente
inocente até hoje, meu índice de ganho é muito grande. Quem melhor
indica um caso para você é outro cliente. Eu tenho escritório pequeno,
trabalho de forma artesanal. Tudo do escritório passa por mim, discuto
todos os casos, a sustentação oral sou eu que faço.
• O que poderia ser aprimorado no processo penal brasileiro?
Hoje
nós temos dois institutos que são muito mal usados. Na minha visão, a
prisão temporária é para investigar e não vejo fundo constitucional
nela. A prisão deve ser a ultima ratio, só pode haver prisão quando
tiver culpa formada, salvo casos excepcionalíssimos. O outro é a
condução coercitiva. Não tem previsão legal, a condução coercitiva só
pode ser feita se você é intimado a ir a uma delegacia e se nega a ir,
já que o Estado pode te obrigar porque o cidadão é obrigado a prestar os
esclarecimentos. Mas a primeira medida não pode ser coercitiva. Fazem
isso porque querem espetacularizar, para em casos conhecidos a imprensa
ficar sabendo. Recentemente, tive um caso em Brasília que eu só fiquei
sabendo na noite anterior porque a imprensa me ligou. No outro dia, às 5
horas da manhã a TV Globo estava em cima da casa dele. São medidas que,
do meu ponto de vista, não têm amparo constitucional.
• O senhor considera que a polícia brasileira é preparada?
No
geral, é sim. Nós temos alguns exageros, como o caso do tira
hermeneuta. Como os procedimentos são muito longos e quase todos se
baseiam em escutas telefônicas, nós temos essa figura catastrófica da
pessoa que fica ouvindo os depoimentos por um ou dois meses e depois faz
uma interpretação. Só que apenas se leva para os autos aquilo que o
tira hermeneuta achou importante. Teria de ser disponibilizado tudo o
que foi ouvido, para que eu possa dizer o que é importante. Se você fala
algo em uma entonação de voz, a intepretação é uma. Temos uma polícia
técnica boa, a Polícia Federal trabalha muito bem, mas esse tempo
excessivo ao longo dos processos leva a erros e nós advogados ganhamos
dos erros processuais, seja do Ministério Público ou da polícia.
Felizmente o STJ e o STF têm uma visão mais garantista, e isso joga o
cidadão contra os tribunais superiores. Existem abusos feitos pelos
juízes e, quando o tribunal muda, parece que o tribunal é leniente.
http://jornalggn.com.br 28/03/2015
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