Falta
ao Brasil um projeto nacional
Roberto Amaral
Leitor muito dileto reclama-me a constância da
palavra ‘crise’ em meus artigos recentes. Explico-me dizendo-lhe que a escolha
não é minha, pois simplesmente reflito sobre a realidade na qual nos encontramos
no mundo e no País, aqui vivenciando os reflexos dos maus ventos soprados do
Norte.
Como sabemos, a recuperação econômica dos EUA dá sinais de estar
‘marcando passo’ e a economia da Europa – e mais precisamente da área do euro –
permanece estagnada, na perigosa companhia do Japão.
A crise da União Europeia deve agravar-se com a insolúvel crise grega,
alimentada pela ganância do sistema bancário europeu, mais franco-alemão do que
tudo, de que a troika (Banco Central Europeu, FMI e UE) é insidiosa
procuradora, donde o vai-e-vem de Merkel e Hollande.
As bolsas caem aqui, ali e acolá, o dólar sobe e desce numa gangorra
alimentada pela especulação irresponsável, que também responde pela ciclotimia
de nossa Bovespa, agravada com os ataques às ações da Petrobras, via ataques à
empresa, ataques que visam a desacreditá-la junto ao grande público, junto a
investidores e a uma teia sem fim de empresas dependentes de seus serviços, de
suas encomendas, de seus produtos, até chegar ao ponto desejado, que é a
virtual desnacionalização do pré-sal, fim da política de partilha e destruição
das empresas nacionais de engenharia detentoras de knowhow.
De outra parte, cria-se o clima favorável para dois erros crassos e
decerto irrecuperáveis: a suspensão dos investimentos da estatal (que responde
por algo superior a 5% de nosso PIB) e a venda de ativos seus. Para quem, numa
economia escassa em capitalistas nacionais?
No plano externo a pior das notícias vem da Ásia e de nosso principal
parceiro econômico, a China. Após a esperada queda de seu PIB (ainda que tenha
caído de um Everest de 10% a.a. para 7% inimagináveis ainda para nós que
padecemos entre crescimento zero ou qualquer coisa acima de crescimento zero),
a crise da bolsa de Xangai pode significar outros abalos para cuja prospecção
parecem ineficientes as lentes dos Chicago boys de plantão.
O certo é que, por força de tudo isso e muito mais, despencam os preços
das commodities no mesmo ritmo em que cresce o protecionismo travestido de
barreiras aduaneiras e sanitárias europeias e norte-americanas aos nossos
produtos primários, a galinha dos ovos de ouro de nossa balança comercial.
A retração chinesa determina a queda tanto do preço quanto do volume de
importações de minério de ferro (a Vale anuncia haver reduzido sua produção em
25 milhões de toneladas), e isso é uma péssima notícia para nossa economia, que
já não vem bem. Que fazer, caro leitor, senão falar na maldita ‘crise’?
Pois a ‘crise’, pintada com cores diversas ao sabor da distorção
ideológica, é a matéria-prima dos jornalões que também a alimentam criando um
clima coletivo de insegurança que se reflete (ou é o contrário?) no mau humor
de um tão desconhecido quanto indefectível e poderoso senhor chamado de
‘mercado’, diretor dos rumos ou a ausência de rumo da economia brasileira.
E, como a economia vai mal (nisso todos apostam) o empresariado não
investe (na verdade ele só investe nos tempos das ‘vacas gordas’, e sempre com
recursos dos bancos públicos que ora minguam) e porque não investe, reduz as
compras e as vendas, e assim a economia não se reanima. E porque não se reanima
não há porque esperar investimentos, donde… Já vimos esse filme, ninguém gostou,
mas permanece nas telas em reprises sempre mais desagradáveis. Estranho, não?
A política de juros altos – inexplicável na conjunção com a alta dos
preços – reduz os investimentos e o consumo e a queda das compras reduz a
produção que produz o desemprego, e, assim, um círculo vicioso conhecido vai
alimentando a disfunção sistêmica, oferecendo a contribuição cabocla para o
fantasma da inflação, ao tempo em que aprofunda os efeitos da crise global, por
seu turno agravada pela impossibilidade de a indústria brasileira fazer face
aos preços dos produtos industrializados chineses, donde, como se tudo isso já
não fosse bastante, o agravamento da crise do setor industrial, agora como
nunca arredio a investimentos em produtividade, pesquisa, ciência, tecnologia e
inovação.
O Brasil jamais acreditou, de fato, na lição chinesa de construção de
um projeto nacional de potência, e vem caminhando sem convicção, aos trancos e
barrancos, vivendo ciclos de desenvolvimento que se encerram em ciclos de
estagnação, ciclos de coesão e projetos nacionais que se encerram em ciclos de
retração.
Falta-nos um projeto nacional, um projeto de país e civilização a ser
perseguido por governos em sequência, exatamente o que ocorre com a China, que,
na segunda metade do século passado, partiu de patamares bastante inferiores
aos nossos de então, para tornar-se a segunda potência econômica do mundo –
potência industrial, potência militar, potência tecnológica, potência como
mercado consumidor que os países cortejam.
Nosso primeiro e efetivo esforço visando ao mercado interno vamos
registrá-lo nos governos Lula, responsáveis por haver promovido o ingresso, no
mercado de consumo, de algo como 40 milhões de brasileiros. Desaprendemos que a
única coisa que gera riqueza é desenvolvimento e que só desenvolvimento produz
desenvolvimento. Parece um jogo de palavras, mas apenas na aparência, pois
ciência, tecnologia e educação requerem grandes e sistemáticos investimentos
públicos e privados, do que o empresariado e a grande imprensa precisam ser
convencidos.
Aliás, esse empresariado e essa imprensa precisam mesmo é de acreditar
num projeto Brasil, que não seja apenas um majestoso Porto Rico, mas uma nação
que tenha incorporado ao seu destino a riqueza de sua população, com
desenvolvimento autônomo.
Tudo somado, temos a crise política que, antes de descambar para a
crise social, ameaça o transbordamento para a crise institucional alimentada e
açulada por uma grei reacionária e antidemocrática que, relembrando os piores
tempos do udeno-lacerdismo, investe na desestabilização do governo, agravando a
crise econômica e desestabilizando a administração, para afinal, eis o objetivo
de médio prazo, atingir o mandato legítimo da presidente Dilma.
Daí, o sonho da neo-direita: se FHC fracassou no seu propósito de
‘varrer a era Vargas’, o PSDB de Aécio sonha hoje em varrer da política o que
identifica como petismo ou lulismo.
Assim, da crise econômica para a crise política, apontando para uma
crise institucional que, se sabemos como será o possível ingresso nela, ninguém
sabe, nem as pitonisas, como será a saída. Afinal, qual é a saída para o
imbróglio?
Se não há, ainda, uma frente progressista organizada para a defesa e o
avanço das conquistas sociais das últimas décadas, incluída a herança
trabalhista de Vargas, há, fogosa e irresponsável, uma frente golpista,
estruturada, agindo organicamente, pois lhe é impossível o convívio com a
emergência das massas.
Seu espectro é vasto e compreende desde segmentos do Judiciário, do
Ministério Público, da Polícia Federal, a grande imprensa, até partidos
políticos, destacadamente o PSDB e seus satélites, até setores da base do
governo, como a quase maioria do PMDB, liderada pelos presidentes do Senado e
da Câmara dos Deputados. Este, aliás, noticiam os jornais, já estaria em
conluios não negados pelo inefável Gilmar Mendes visando ao impeachment da
presidente da República.
Se há uma Frente Golpista, que se organize uma Frente Democrática, uma
Frente Nacional, popular e democrática para fazer face à ascensão política e
ideológica da direita, que já pervaga o tecido social, muito em face da inércia
dos progressistas.
Uma frente nacional, porque voltada para os interesses do País, a
começar pela sua soberania econômica e política; ampla ideologicamente de sorte
a abarcar todo o sentimento democrático do País; política, mas não partidária
nem eleitoral; não partidária, mas aberta aos partidos; popular, porque nascida
de baixo para cima.
Uma Frente assim concebida e estruturada poderá defender, com o
respaldo das grandes massas:
1)
O aprofundamento da opção democrática, o
que implica a defesa do mandato da presidente Dilma. O Não ao golpismo é também
um vigoroso chamamento à democratização dos meios de comunicação de massa, à
reforma do Poder Judiciário, à reforma política, e, porque profundamente
política, a uma reforma fiscal destinada a refazer o sistema que hoje pune o
trabalho e beneficia o capital improdutivo;
2)
os direitos dos trabalhadores, isto é, o
direito inalienável ao emprego; a política de proteção do salário e as demais
conquistas já incorporadas ao patrimônio trabalhista;
3)
a soberania nacional, compreendendo não
só a soberania sobre nosso território e espaço aéreo e nossa extensão marítima,
mas também a defesa de nossas riquezas, das empresas nacionais públicas e
privadas;
4)
as reformas estruturais e populares,
como: a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma do ensino e a
universalização do ensino público gratuito de alta qualidade, o desenvolvimento
cientifico e tecnológico de alto nível e descentralizado;
5)
a continuidade da política externa ‘ativa e
altiva’, que privilegia o diálogo Sul-Sul, e iniciativas como a criação dos
BRICS e os processos de integração latino-americana em curso, como UNASUL e a CELAC.
São apenas cinco pontos para a reflexão.
Fonte: Blog do autor
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