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O legado de Dilma: a luta contra a corrupção
O legado de Dilma: a luta contra a corrupção
9 de agosto de 2015 | 11:55 Autor: Miguel do Rosário
A matéria do
Financial Times, elogiando o combate à corrupção no governo Dilma, e
ainda afirmando que esse pode ser o grande e histórico legado da
presidente, me faz lembrar uma velha canção de Raul Seixas, na qual ele insere um verso triste:
“É pena eu não ser burro, não sofria tanto”.
Eu
reproduzo abaixo um post do blog do Brasilianista, que resenha a
matéria do FT, mas antes gostaria de tecer alguns comentários
importantes.
A reportagem do FT é, em vários sentidos, uma armadilha.
A
mesma armadilha na qual se enredou o PT desde que se deram os primeiros
ensaios do que o jovem e brilhante advogado Wallace Martins chamou, em entrevista ao Cafezinho, de “seletividade penal política”.
Martins observa, com sabedoria, que a narrativa de que as instituições agora estão prendendo todo mundo, é uma falácia.
Não
se prende todo mundo. Prende-se apenas aqueles que podem interessar a
uma narrativa ditada pela mídia. Há uma nítida seletividade política:
tucanos podem ser flagrados com helicópteros portando meia tonelada de
cocaína, podem comprar reeleição, podem receber propinas bilionárias de
cartel de trens, podem cometer o crime de não expandir a infra-estrutura
hídrica do estado mais populoso do país, podem dar centenas de bilhões
para banqueiros incompetentes, podem segurar o câmbio para ganhar
eleições e, com isso, secar nossas reservas internacionais, podem usar o
BNDES para emprestar dinheiro a empresas estrangeiras comprarem nossas
estatais, podem construir aeroportos em terras da família, podem fazer
tudo, enfim.
Jamais serão incomodados pela justiça.
Não são sequer investigados!
A seletividade política penal é uma forma de fascismo.
A
Globo, por exemplo, cometeu um crime de evasão fiscal detectado pela
Receita. Abriu 11 empresas no exterior com o intuito de não pagar os
impostos relativos à Copa do Mundo de 2002. Prendeu-se alguém? Não. Ao
contrário, o cartel midiático traçou um indevassável cordão sanitário de
proteção à Globo. Nenhum jornalão sequer deu a notícia, evidentemente
importante, sobre uma operação de sonegação gigantesca, e que poderia
levar, caso investigada, a uma série de outras operações criminosas
similares, tocadas há décadas pelas grandes empresas brasileiras.
A
sonegação brasileira joga no lixo mais de R$ 600 bilhões por ano. É o
país que mais sonega no mundo. A Polícia Federal, nos últimos tempos,
deflagrou várias operações de grande envergadura para desbaratar
quadrilhas especializadas em sonegação. A imprensa, no entanto, abafa
furiosamente esse tipo de reportagem, e, sobretudo, jamais criou uma
“campanha”, uma narrativa, para ajudar as autoridades a combater esses
crimes.
E
faz isso porque as próprias empresas de mídia estão envolvidas também
em grandes crimes fiscais, ou interessadas num sistema fiscal que trata
os grandes sonegadores com infinita leniência e os pequenos sonegadores
com violência estatal inaudita.
Você
nunca verá a mesma violência penal e midiática aplicada contra as
grandes empreiteiras e contra a Petrobrás, ser aplicada aos grandes
bancos, por exemplo.
Na
Zelotes, que investiga desvios que podem chegar a R$ 20 bilhões, o juiz
não autorizou nenhuma das prisões preventivas ou provisórias pedidas
pelo Ministério Público. A mídia não fez uma crítica ao juiz.
Felizmente, um deputado corajoso insistiu em denunciá-lo e ele foi
afastado pelo Conselho Nacional de Justiça. Outro juiz deverá ser ou já
foi indicado para substituí-lo. O deputado é do PT, naturalmente, porque
dificilmente você verá um parlamentar da direita (PSDB, DEM) agindo
contra os grandes sonegadores, ou qualquer coisa que não interesse à
mídia.
A
matéria do Financial Times chega a ser quase irônica. Em determinado
momento, ela cita a abertura do inquérito contra o ex-presidente Lula e
diz que é a primeira vez no mundo em que um ex-presidente é investigado
por esse tipo de coisa: tráfico de influência internacional e abrir
mercados para as empresas de seu país.
Outras
matérias na imprensa internacional fizeram o mesmo tipo de comparação.
Há uma boa, na BBC Brasil, falando que o inquérito contra Lula pode ser exemplo para o mundo.
Sim,
um exemplo negativo, mas interessante para o grande capital no mundo
inteiro. O grande capital farejou, rapidamente, a oportunidade de
controlar a democracia, através dessa parceria entre meios de
comunicação e setores “autônomos” do Estado. Qualquer liderança política
que intente mexer com os interesses do capital poderá ser, portanto,
facilmente destruída.
O
PT foi afundando nessa armadilha por anos. Usou e abusou desse
argumento nas próprias campanhas: em nossos governos, não se engaveta,
se investiga a fundo; nosso procurador-geral não é engavetador.
De fato.
Já escrevi sobre isso.
Gostaria,
nesses momentos, de ser um cientista político e desenvolver uma teoria
que se chamaria “paradoxo do republicanismo penal”, que consistiria no
seguinte. Um governo dá autonomia para as instituições repressivas para
investigar a fundo o seu próprio governo. Não interfere, não intervém,
não promove sequer um debate para participar da narrativa política que
se cria, necessariamente, em torno das investigações. O paradoxo é este:
quanto mais o governo não intervém, mais as instituições repressivas
ampliam o seu arco de investigações contra o governo, sem conhecer
limites. E não há limites, se você pensar bem, porque um governo, como
instituição política, cujo poder emana de processos eleitorais
extremamente complexos, está impregnado de todos os tipos de interesses,
legais e ilegais.
Justamente
por ser uma instituição política, todo o governo é corrupto. Por isso, é
tão importante um combate permanente contra a corrupção dentro do
governo. E por isso é mais importante ainda que esse combate não seja
corrompido ou manipulado por interesses obscuros, ligados aos setores
derrotados nas urnas.
O
paradoxo do republicanismo penal, portanto, levará, necessariamente, ao
seguinte dilema: quanto mais ético for o governo, quanto menos ele
interferir nos processos de investigação, mais ele será pintado como
corrupto, porque as autoridades repressivas ganharão notoriedade
política e, conforme suas devassas sangram o próprio governo, maior a
repercussão dos escândalos junto à sociedade.
Não
interessa a magnitude dos escândalos. Em que país do mundo, por
exemplo, um ministro caiu porque usou um cartão corporativo para pagar
uma tapioca?
O
paradoxo do republicanismo nos faz voltar à matéria do Financial Times.
O governo lê isso, o PT lê isso, e, como parece não haver mais, no PT,
um patrimônio de inteligência de contra-informação, ambos pensam
imediatamente apenas no ganho eleitoral que pode haver em ser conhecido
no mundo como “o governo que mais combateu a corrupção”.
A
Agência PT rapidamente pega a notícia e estampa em seu site: “Imprensa
internacional destaca combate à corrução como legado de Dilma”.
Segundo
o paradoxo do republicanismo penal, porém, há um ponto positivo. De
fato, a maior autonomia dos órgãos de repressão ajuda a combater a
corrupção. Só que esta autonomia não poderia se dar, como acontece hoje,
pela apatia ou ausência do governo na formulação da narrativa política
que se construirá ao redor das investigações. Quando isso acontece, o
governo, instituição política de representação popular, perde poder para
instituições de representação aristocrática, como Ministério Público,
Polícia Federal e Judiciário.
O
governo tem corrupção. Todo governo tem. Mas o Ministério Público, a
Polícia Federal, o Judiciário, também possuem problemas de corrupção.
Não só tem problemas de corrupção, como são cooptados pelas forças
derrotadas nas eleições, e que buscam usar essas órgãos para promover
uma verdadeira vendeta política.
É o que está acontecendo.
A
autonomia dos órgãos de repressão não pode coexistir com um governo
fraco, senão teremos, necessariamente, um processo contra-democrático,
de transferência de poder de instituições controladas pelo sufrágio
popular para instituições controladas por uma meritocracia de qualidade
política discutível.
Os
órgãos de repressão tem de ser autônomos, fortes e respeitados, mas é
preciso que sejam, por sua vez, controlados pela sociedade, para que não
se tornem, como se tornaram, monstros políticos a serviços de todo o
tipo de interesses não coincidentes com os grandes interesses nacionais.
A
quem interessa que o nosso governo seja conhecido lá fora como um
governo que combate a corrupção, mas que, aqui dentro, esse combate à
corrupção nos leve a destruição das seguintes forças nacionais: o
principal partido popular, as principais empresas nacionais de
engenharia, a principal empresa de energia, o principal banco de
investimento. Quem lucra com isso, evidentemente, não é o Brasil, nem a
maioria dos brasileiros. Ganhamos reportagens elogiosas no Financial
Times justamente por isso: porque eles são gratos por sermos tão
trouxas.
Geralmente
as potências ocidentais tem de fazer guerras terríveis para enfiar suas
garras nos recursos naturais de outros países. Vide o que fizeram com
Iraque e Líbia. Mataram milhões de pessoas e agora controlam suas
principais empresas de petróleo.
Aqui
no Brasil, eles foram mais inteligentes. Aproveitando-se das nossas
contradições democráticas, da nossa ingenuidade, do nosso
“republicanismo penal”, estão tentando nos tomar os recursos apenas na
base do jogo político.
A
entrada de Levy no ministério da Fazenda é uma garra do grande capital
já posta no meio do nosso governo, e por culpa, certamente, do nosso
“republicanismo penal”, que é uma falácia: qualquer político, autoridade
ou mesmo empresário que não siga rigidamente as orientações da mídia
hegemônica, que por sua vez é um braço do imperialismo, corre o risco de
ser destruída moralmente, politicamente, financeiramente – pelo mesmo
republicanismo penal.
Tudo
nos leva de volta ao problema central da nossa democracia, um problema
para o qual o governo não apenas fechou os olhos, como ainda ajudou a
agravar: a concentração dos meios de comunicação.
Damos
voltas e mais voltas e sempre voltaremos ao mesmo problema, porque um
país desprovido de um sistema de comunicação minimamente plural e
democrático será presa fácil de todo o tipo de conspiração. Conspirações
judiciais, conspirações parlamentares, conspirações geopolíticas,
conspirações midiáticas. Todas enfim reunidas numa só conspiração, hoje à
vista de todos, que é de derrubar um governo legitimamente eleito, para
pôr em seu lugar as forças políticas derrotadas nas urnas.
Como se pode ver, o Brasil, definitivamente, não é para amadores.
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