04/03/2016 - Copyleft
Tarso Genro
Celebração precipitada
Se fosse, mesmo, uma luta sincera contra a corrupção, Alckmin, Richa, FHC e Serra deveriam ter o mesmo tratamento e mesma exposição na imprensa.
Aos que festejam a condução
coercitiva do Presidente Lula é bom informar que os acontecimento de
sexta-feira, 4 de março, marcam uma profunda mudança no Estado de
Direito em nosso país. E que essas mudanças, se consolidadas,
dependendo dos governos e da correlação de forças dentro do Poder
Judiciário, podem se aprofundar e chegarmos a uma situação que Mário
Vargas Llosa -insuspeito de ser de esquerda- classificou de “ditadura
perfeita”. Foi como ele designou o regime do PRI, partido-estado
mexicano, que governou o país durante mais de sete décadas.
Por
quê “ditadura perfeita”? Trata-se de um regime -segundo o epíteto de
Vargas Lhosa- que, apoiado numa institucionalidade autoritária ou num
regime constitucional manipulável, não rasga seus códigos e leis, mas
estabelece uma tal supremacia do grupo político hegemônico, que ele pode
fazer o que quiser, sem declarar-se fiel a um ditador e sem o seu poder
originar-se de um golpe militar em sentido clássico.
O
ex-Presidente da República Lula da Silva não ia sair do país, atendeu
todas as requisições para depor, tem residência fixa e jamais regateou
para prestar quaisquer esclarecimentos a qualquer autoridade legalmente
investida, a respeito da sua vida financeira e do seu passado como
gestor público.Todos os cidadãos podem ser investigados pelos órgãos do
Estado, dentro da legalidade e por motivos fundados, mas os vazamentos
seletivos, os massacres morais pela mídia, a midiatização do processo
penal, certamente não fazem parte desta legalidade.
A
sua condução coercitiva, porém, foi um espetáculo político nitidamente
articulado com o movimento de golpismo político, que está em curso
contra presidenta Dilma, no momento em que é noticiado um PIB negativo,
uma eventual delação do Senador Delcídio e -muito importante!-
a “Zelotes” começa a apresentar alguns resultados que fugiram à
previsibilidade dos que perderam as eleições presidenciais.
Mais
do que bloquear uma nova candidatura de Lula, este movimento de
determinados setores autoritários da burocracia estatal -articulados com
a maioria da mídia tradicional- visa “ressecar” a esfera da política,
apropriar-se desta esfera “impura”, que está contaminada por partidos
que se corromperam e por políticos que só pensam em si mesmos.
Esta
é nitidamente a orientação que está no despacho do juiz Moro
-nitidamente de “exceção”- que converteu a prisão temporária de João
Santana e de sua esposa, em prisão preventiva. Lá ele diz que, como a
corrupção é sistêmica e profunda “impõe-se a prisão preventiva para
debelá-la, sob pena do aguçamento progressivo do quadro criminoso…” Nada
de individuação de responsabilidades de maneira consistente, para
manter a prisão de pessoas que vieram do exterior para depor. Apenas o
combate em abstrato à corrupção.
Isso
não é novo, ocorreu com Getúlio, com a ascensão de Mussolini, com
Fujimori no Peru, com Hitler, com a genocida ditadura argentina, em
outras condições históricas, por outros meios, mas com o mesmo sentido
final: mostrar que a democracia não presta e que ela não consegue
reformar a si mesma, pelos processos políticos previstos na
Constituição.
Longe
de mim acusar -e o digo sinceramente- que estamos perante uma
conspiração de juízes e promotores fascistas, tramando contra a
República e a Democracia. Isso seria simplismo e muito fácil de
combater, porque bastaria mostrar provas da existência de um grupo
conspirativo e ataca-lo por meios jurídicos e políticos. A situação é
muito mais complexa, como movimento regressivo dos padrões democráticos
da Constituição de 88.
Trata-se,
na verdade, de uma mudança profunda no funcionamento do Estado, pela
qual as suas funções públicas passam a ser diminuídas, momento em que
ele, Estado, precisa dar mais importância para responder aos credores da
sua dívida pública (com o capital financeiro global), em detrimento da
sua dívida originária com os sujeitos dos direitos sociais inscritos na
Constituição (povo constituinte que lhe deu sentido).
As
duas dívidas não podem respondidas ao mesmo tempo e o que predomina, a
partir desta ambiguidade, é a força normativa do capital financeiro se
sobrepondo à força normativa da Constituição, processo que só se
consolida com a extinção da esfera democrática da política, cujos alvos
centrais são sempre os dirigentes mais prestigiados junto às classes
populares.
Se
fosse, mesmo, uma luta sincera contra a corrupção (o que move os novos
tutores da República), não deveriam eles ter o mesmo tratamento e
proporcionar a mesma exposição na imprensa, sem qualquer inculpação
prévia, de Alckmin, Richa, Fernando Henrique e Serra? Isso não ocorre
porque a mídia -que socorre e ampara todos os dias os novos tutores da
República- romperia com eles e, sem o apoio da mídia, estas
arbitrariedades não teriam o mínimo apoio popular. Leiam o artigo que
Moro escreveu sobre as Operações Mãos Limpas, na Itália. Esta tudo lá.
Créditos da foto: ABr
Nenhum comentário:
Postar um comentário