Edição Especial
O
que está acontecendo?
(Ernesto Germano, março de 2016)
Companheiros.
O que aconteceu na sexta-feira (04) em nosso país? O
que está por trás dos acontecimentos tão badalados pela nossa imprensa e da
condução do presidente Lula à Polícia Federal?
No final de 2014 e início de 2015, participei de vários
encontros, seminários e congressos para fazer uma breve análise da conjuntura
nacional e internacional. Alguns companheiros que estão lendo este artigo vão
lembrar que eu destaquei três momentos importantes para a América Latina, em
2015 e 2016. Na minha análise, seriam os três testes a serem feitos por
Washington para desmontar o avanço das forças nacionalistas e progressistas na
região, para voltar a impor o projeto neoliberal
O primeiro passo seria vencer as eleições argentinas e
tirar o kichnerismo do poder. Vale lembrar que a eleição de Néstor Kirchner foi
fundamental para o avanço das forças democráticas e nacionalistas na região.
Junto com Lula e Chávez, Kirchner foi uma importante liderança para o
fortalecimento do bloco latino-americano e para a derrota do neoliberalismo.
Este objetivo foi alcançado com a vitória de Mauricio Macri e estamos vendo o
que está acontecendo com a Argentina, que voltou a ficar de joelhos diante do
FMI e dos “fundos abutres”. Curiosamente, durante esta semana, recebemos a
notícia de que a direita da Argentina está iniciando uma campanha de difamação
contra Cristina Fernández temendo a sua volta à política.
O segundo passo, na minha análise, seria fazer a direita
vencer as eleições parlamentares na Venezuela e criar empecilhos para o avanço
das propostas bolivarianas do governo de Nicolás Maduro. Muitos dólares foram
gastos financiando grupos de oposição e jornais de direita para criar o caos no
país. E, mais uma vez, Washington foi eficiente no seu trabalho, alcançando uma
maioria de direita no Congresso da Venezuela e colocando em risco muitos dos
avanços socialistas da política chavista.
O terceiro passo dos ataques seria, já em 2016, impedir
a reeleição de Evo Morales na Bolívia. Toda uma campanha de calúnias,
difamações, golpes e ameaças foi conduzida pela embaixada dos EUA naquele país.
Por pequena margem, a vitória do “não” deu novo fôlego para as forças
reacionárias em Nossa América. Vamos aguardar as eleições bolivianas, em 2019,
para ver se os EUA venceram.
Como eu dizia nas minhas palestras e participações, se
alcançassem esses três objetivos o próximo passo seria contra o Brasil. Toda a
campanha pelo impeachment e contra Dilma Rousseff não passava de uma cortina de
fumaça para ganhar tempo e resolver os outros três grandes problemas.
E chegaram ao que desejavam. Os três objetivos foram
cumpridos e agora voltam todas as baterias contra o Brasil e o projeto nacional
e popular. Por isto, precisamos estar atentos a tudo o que está acontecendo e
não deixar de participar.
Para uma análise dos últimos acontecimentos, em
primeiro lugar, acho que devemos voltar a junho de 2013. Ali teve início a
“esperança” da direita de voltar ao poder no país. Vamos recordar alguns
detalhes?
Fazendo uma retrospectiva dos acontecimentos, vou
tentar colocar em ordem os fatos: a – num primeiro momento, o MPL (Movimento
Passe Livre) e estudantes vão para as ruas com reivindicações justas, corretas
e que são antigas bandeiras do PT abandonadas sabe-se lá por qual motivo; b –
em um segundo momento, vendo a oportunidade de ganhar as ruas que não conseguiu
com o movimento “cansei” e outros, a direita resolve se colocar ao lado dessas
reivindicações para se “cacifar”; c – praticamente ao mesmo tempo, os partidos
ditos de esquerda e que hostilizam o PT passam a apoiar o movimento tentando
impor suas bandeiras e atacar o Governo Federal; d – o passo seguinte foi dado
pela grande mídia que começou a impor, de fora para dentro, uma pauta diferenciada
das reivindicações iniciais e que refletia apenas as tentativas anteriores; e –
mas, sem que se esperasse, o movimento que iniciou justo foi invadido por
anarquistas e fascistas que se aproveitam da crise institucional (citada no
início do documento) para impor uma pauta radical, mas sem conteúdo e sem uma
proposta de organização diferenciada da sociedade.
Surge naquele momento, uma ideologia diferenciada,
provocativa, marcadamente de direita: o antipartidarismo! Não é mais uma
questão de ser um movimento suprapartidário, como foi a campanha das Diretas
Já, e nem uma questão de ser apartidário. Não! Agora o movimento é contra
partidos e assume como símbolo a máscara do grupo “Anonymus”, conhecido nos EUA
e na Europa por suas práticas fascistas e desestabilizadoras. Ao lado desse,
vemos surgir em São Paulo adeptos do grupo Black Bloc, reconhecidamente de
cunho anarquista e que diz “lutar contra o capitalismo” sem dizer onde pretende
chega e por quais meios
Ou seja, por um momento o movimento ficou refém de
grupos fascistas e anarquistas que encontraram um fértil espaço de crescimento.
E, é claro, para isto contaram com uma juventude de classe média propensa a
essa propaganda (vide o que acontece na Europa). Uma juventude que foi criada
por seus pais dentro da ideologia neoliberal, entendendo que “é cada um por si”
e que rejeitam todas as formas de organização solidária. Uma juventude do “eu
sozinho tudo posso”.
Aqui é preciso fazer uma nova reflexão: como a mídia
tratou toda aquela mobilização? Acompanhando as coberturas feitas pelos
principais jornais televisivos – Globo News, Jornal da Record, Jornal do SBT ou
mesmo Cidade Alerta – vamos ver que a grande preocupação era dar uma face
diferente às mobilizações. Desde o primeiro dia, os noticiários deturpavam as
principais bandeiras dos manifestantes de escondiam as reivindicações por
redução das passagens e melhorias nos transportes. Por exemplo, em um dos
primeiros dias dos protestos, o âncora da Globo News encerrou o noticiário
dizendo que “assim terminamos a nossa cobertura de hoje sobre essas
manifestações contra a corrupção, o superfaturamento e tudo o que está errado
no país”. Percebem a mudança? Como se manipula a informação? No Jornal
Nacional, da Globo, William Bonner também dava destaque às “manifestações
contra a corrupção e desmandos do governo federal”.
Não vou me estender muito porque vocês conhecem o meu
texto de avaliação daquele momento e que está disponível na minha página da
Internet. (Reflexões sobre os acontecimentos no Brasil, em http://nossaamerica.webnode.com/documentos/)
O próximo passo aconteceu nas eleições, em 2014. A
direita mais radical e retrógrada do país ficou eufórica com a possibilidade da
vitória. Em primeiro lugar, apostaram suas fichas em um “tertius”, um salvador
da pátria que viria livrar o Brasil da ditadura petista. Chegaram a montar uma
estranha aliança entre o governador de Pernambuco e uma ex-petista,
ambientalista, que “caiu de paraquedas” na chapa presidencial.
Mas também falharam. O candidato “salvador da pátria”
morreu em um desastre aeronáutico. Até hoje o Brasil não sabe de quem era o
avião!
Só restava a esperança da direita em um candidato
fraco, sem liderança, mas que, com a ajuda da imprensa, soube fazer uso da
morte do candidato do PSB para angariar alguns votos e chegar ao segundo turno.
Depois veio a esdrúxula comemoração antecipada da
vitória de Aécio Neves. No dia da apuração dos votos, por diferenças de fusos
horários, o resultado da votação para presidência da República só aconteceria
depois das demais apurações. Mas a contagem estava correndo normalmente no TSE.
E, em certo momento, FHC, Aécio e seus cúmplices receberam a notícia da
vitória, pois a votação dava vantagens ao candidato tucano. No mesmo momento,
fretaram um avião e iniciaram o voo para Brasília, onde pretendiam comemorar.
Mas, no meio da viagem, receberam a notícia da abertura das urnas do norte e
nordeste e souberam que Dilma Rousseff havia sido reeleita! Nem precisa falar
da decepção e da volta para casa com o rabo entre as pernas.
O próximo passo foi montar a grande campanha contra a
Petrobrás. Aqui eram dois os objetivos: envolver o governo em supostos esquemas
de corrupção e, ao mesmo tempo, justificar o antigo projeto de privatizar a
Petrobras. As muitas e desencontradas denúncias contra a Petrobras e a chamada
“operação lava jato” se tornaram o prato preferido da nossa imprensa que torcia
pelo golpe.
Aí montaram a grande farsa do impeachment! Sérgio Moro,
Eduardo Cunha e uma lista de vendidos receberam toda a atenção da imprensa.
Manchetes e mais manchetes de jornais para pedir o impeachment de Dilma
Rousseff. Mas o tiro não foi certeiro. A direita foi surpreendia pela
resistência popular. Grandes mobilizações de apoio ao governo Dilma tomaram
conta das ruas no país. Manifestações contra o impeachment eram gigantescas e
amedrontaram a direita e a imprensa que só dava destaque às mulheres nuas que
pediam a saída da presidenta.
Isso sem contarmos com as grandes manifestações em
defesa da Petrobras e dos petroleiros, como a gigantesca concentração no Rio de
Janeiro que terminou com uma passeata até o prédio da empresa que foi abraçado
por milhares de trabalhadores e estudantes.
No fundo, tudo não passava de um engodo, uma cena
montada para desviar as atenções e aguardar o que aconteceria na Argentina, na
Venezuela e na Bolívia.
A “casa começou a cair” em abril de 2015, quando a
polícia do governador Beto Richa (PSDB) atacou com toda a violência os
professores paranaenses que protestavam contra uma legislação autoritária, um
Projeto de Lei que alterava para pior os benefícios do Paraná-Previdência, o
plano previdenciário dos funcionários. Os confrontos ganharam as páginas na
Internet e a solidariedade foi grande em todo o país, com movimentos sociais
anunciando apoio aos professores.
E não podemos esquecer que em São Paulo, no final de
2015, tivemos o momento político mais importante dos últimos anos quando os
estudantes ocuparam escolas e denunciaram a política fascista do governador
Alckmin que tentava fechar escolas e promover o caos na educação. A resistência
dos estudantes, recebendo apoio dos pais e professores, fez o governo tucano
recuar. Uma grande parte daquela juventude que foi iludida em junho de 2013
despertou para a manipulação e resolveu defender seus direitos. Pouco depois surgiram
as denúncias sobre desvios de verbas da merenda escolar. Isso precisava ser
“abafado” de qualquer maneira.
Mas o problema ia acumulando e, em fevereiro de 2016, a
Justiça acata a denúncia sobre o desvio de verbas no metrô de São Paulo. Como
se não bastasse, a direita é surpreendida com a volta da investigação sobre a
famosa “lista de Furnas” e do dinheiro que Aécio Neves recebeu para sua
campanha.
E surgem, também, as primeiras denúncias contra o
cafajeste presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, agora respondendo a
processo pela manutenção de contas secretas na Suíça, e começam a surgir os
podres do tão “amado, idolatrado, salve, salve” FHC e do uso do dinheiro
público para esconder um filho ilegítimo e uma amante!
Sabem o que o Brasil gostaria de saber? 1) de quem era
o avião que conduzia Eduardo Campos?; 2) de onde vai sair o dinheiro para a
pensão da mulher e dos filhos do Eduardo Campos?; 3) quem vai pagar a conta das
nomeações dos dois filhos do Eduardo Campos para cargos públicos?; 4) quando
FHC vai ser chamado para explicar os 100 milhões de reais gastos para esconder
sua amante e o filho com o dinheiro público?; 5) quando o Aécio Neves vai ser
chamado para esclarecer sobre o dinheiro recebido da “lista de Furnas”?; 6)
afinal de contas, de quem era meia tonelada de cocaína encontrada no
helicóptero de um senador da República? 7) quando vamos saber como um
“professor” aposentado comprou um apartamento de 11 milhões de euros em Paris?;
8) quando o Aécio vai dizer quanto foi gasto para a construção de um aeroporto
particular na fazenda do “titio”, com dinheiro público?
Depois de todas as derrotas, e vendo que seus ícones
estavam sob ataque, a direita voltou seus canhões contra o ex-presidente Lula.
Já era de se esperar...
Um ponto muito curioso em toda essa história da
investigação e “condução coercitiva” de Lula para depor na Polícia Federal é
que, na noite anterior (quinta-feira, 03/03), o Jornal Nacional da TV Globo
gastou nada menos do que 40 minutos atacando Lula, Dilma e o PT. Será que já
sabiam do que iria acontecer no dia seguinte? Grande mistério! Outro ponto a
ser questionado é a decisão totalmente ilegal do juiz Sérgio Moro, pois
“condução coercitiva” é um processo legal quando alguém se recusa a depor ou
prestar esclarecimentos, o que não é o caso, uma vez que Lula sempre se
prontificou a depor.
Nada menos do que 200 agentes federais foram usados
para “conduzir” Lula para “prestar esclarecimentos”. Quantas viaturas foram
mobilizadas? Quanto foi gasto de gasolina? Será que os agentes federais não tinham
qualquer outro serviço para fazer e estavam todos à toa? Quem vai pagar por
isso? De onde saiu o dinheiro para tanta encenação?
O pavor da direita é a chegada de 2018! A possibilidade
de uma reeleição de Lula tira o sono desses vendilhões. E, não esqueçamos, em
2018 vence a concessão da Globo!
Eis alguns artigos que recolhi na Internet neste sábado
(05/03)
• Lula foi submetido a 'linchamento midiático', diz
secretário-geral da Unasul
Redação Opera
Mundi | São Paulo - 04/03/2016 - 19h00
Ernesto Samper
manifestou 'solidariedade pessoal' a Lula; após operação da PF contra
ex-presidente, Unasul pediu 'garantias' para devido processo legal
O secretário-geral da Unasul (União de Nações
Sul-Americanas), Ernesto Samper, afirmou nesta sexta-feira (04/03) que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu um “linchamento midiático”. Lula
foi conduzido nesta manhã de modo coercitivo (obrigatório) pela Polícia Federal
para depor na nova fase da Operação Lava Jato.
“Minha solidariedade pessoal ao ex-presidente Lula,
submetido a um linchamento midiático que afeta seu direito à presunção de
inocência”, declarou Samper, que é também ex-presidente da Colômbia, no
Twitter.
Em seu perfil oficial, a Unasul pediu que haja
“garantias” para que o processo transcorra dentro da lei. “Solicitamos
garantias do devido processo [legal] para o ex-presidente do Brasil Lula da
Silva, particularmente no que se refere ao sigilo do processo e à intimidade de
defesa”, disse a entidade.
Após sair da sede da PF, Lula fez um pronunciamento no
Diretório Nacional no PT no qual disse ter se sentido um “prisioneiro”. “Eu já
prestei depoimento três vezes para eles, inclusive nas minhas férias”, disse
Lula, acrescentando que os agentes da PF “preferiram a prepotência e a arrogância”.
Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente, declarou
que no caso foram violadas garantias constitucionais, entre elas a do devido
processo legal e da dignidade da pessoa humana.
• 'Lula, a luta segue. Nós não nos rendemos', diz Evo Morales
em apoio ao ex-presidente
Redação Opera
Mundi | São Paulo - 04/03/2016 - 20h47
Mandatário
venezuelano e secretário-geral da Unasul também se manifestaram com relação à
ação da PF que levou líder petista para depor de forma coercitiva
O presidente boliviano, Evo Morales, manifestou, nesta
sexta-feira (04/03), solidariedade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
levado para depor de forma coercitiva pela Polícia Federal hoje para depor na
nova fase da Operação Lava Jato, como informou a agência oficial boliviana.
“Nossa solidariedade ao companheiro Lula, que nesta
manhã detiveram no Brasil. Nossa saudação revolucionária a esse companheiro. A
luta segue, não nos rendemos”, disse Evo durante ato com as Seis Federações do
Trópico de Cochabamba.
O mandatário venezuelano, Nicolás Maduro, também se
expressou: “Lula, o caminho foi longo e não puderam com você, sairá mais forte
deste ataque miserável. A Venezuela te abraça”.
O secretário-geral da Unasul manifestou preocupação com
o ocorrido no país e considerou que o ex-presidente sofreu um “linchamento
midiático”.
“Minha solidariedade pessoal ao ex-presidente Lula,
submetido a um linchamento midiático que afeta seu direito à presunção de
inocência”, declarou Samper, que é também ex-presidente da Colômbia, no
Twitter.
• Ex-ministro Renato Janine Ribeiro compara situação de Lula à
de Getúlio Vargas em 1954 e se diz 'chocado'
Redação Opera
Mundi | São Paulo - 04/03/2016 - 13h51
'Um
apartamento de classe média no Guarujá, um sítio decorado com hábitos modestos
vão cercando o ex-presidente. Que ele poderia e deveria depor, OK. Mas condução
coercitiva, nunca', diz o filósofo
O filósofo e ex-ministro da Educação Renato Janine
Ribeiro se manifestou nesta sexta-feira (04/03) com relação à ação que levou o
ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva para depor de forma coercitiva na sede
da corporação, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O ex-ministro chamou a ação policial de invasão” e
ressaltou que “os custos institucionais serão altos. Quando o ódio chega ao
ponto de faltar ao protocolo elementar, o espaço de diálogo, que já é hoje
muito pequeno, se torna ainda mais exíguo”.
Em outro post, Janine comparou a ação ao ocorrido com o
ex-presidente Getúlio Vargas em 1954. “O cerco a Lula lembra muito isso. Um
apartamento de classe média no Guarujá, um sítio decorado com hábitos modestos
vão cercando o ex-presidente. Que ele poderia e deveria depor, OK. Mas condução
coercitiva, nunca. Que se negociasse seu depoimento, com absoluto respeito ao
cargo que ocupou. Porque ao desrespeitá-lo, estão sendo desrespeitados os
brasileiros que o conduziram à presidência e também os que o apoiam”.
Na sequência de publicações, ressalta que a estratégia
da oposição de tomar o poder mudou o rumo. “Agora a estratégia é outra. É tirar
[o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo] Cunha, Dilma e Lula. “Se o
mandato de Dilma for cassado pelo TSE, vai embora também [o vice-presidente
Michel] Temer e, se isso ocorrer este ano, em três meses haverá eleições
diretas à presidência. Enquanto isso, Cunha governa. Ora, isso é
insustentável”.
Ele observa ainda que Temer estaria em uma situação
delicada porque “Temer é muito inteligente. Nem seu perfil nem o momento
presente permitem que ele seja nosso vice-presidente-assumindo-a-presidência
nota mil, Itamar Franco. Mas ele não é bobo de querer ser nosso
vice-presidente-assumindo-a-presidência nota zero, Café Filho” e conclui que
“para saber quem foi Café, 99% terão que olhar a Wikipedia, enquanto quase todos
sabem quem foi Getúlio Vargas ou JK. Não vale a pena. Temer é inteligente e não
vai querer um papel desses”.
• Tentam impedir que as forças progressistas continuem
governando o país.
Hoje, no Brasil, houve um avanço de um passo a mais no
processo de desestabilização institucional planejado por um setor da Justiça, da
Polícia Federal, dos monopólios da imprensa e das forças políticas que foram
derrotadas nas últimas eleições. Uma desestabilização da ordem democrática que
tem um objetivo principal: impedir que as forças progressistas continuem
governando o país e, em especial, acabar definitivamente com o Partido dos
Trabalhadores e com sua figura mais emblemática, o ex-presidente Lula.
Isto é o que está em jogo e é isto que é comprovado por
uma multiplicidade de ações judiciais, denúncias da imprensa nunca comprovadas,
insultos, ameaças, ataques públicos e uma persistente ofensiva parlamentar por
parte das forças mais conservadoras e reacionárias do país.
Trata-se de criminalizar e de responsabilizar o PT e a
seu presidente honorário por atos de corrupção, usando fatos que a justiça
ainda investiga como se fossem parte de um plano organizado desde o próprio
centro nevrálgico do poder; isto é, os mandatos presidenciais de Lula e de
Dilma Rousseff. Encontrar uma conexão entre os dois mandatários e os fatos de
corrupção analisados pela Justiça é a grande obsessão e, talvez, a única carta
que hoje tem a direita brasileira para voltar ao poder, destruindo os avanços
democráticos da última década.
O que está em jogo é o futuro do Brasil como
uma nação democrática.
Obviamente, a oposição tem todo o direito de aspirar ao
poder. Porém, depois de 30 anos de democracia, já deveria ter aprendido que a
única forma de o fazer é pelo voto popular. Porém não aprendeu. Depois de sua
última derrota eleitoral pretende voltar ao poder por via de um golpe jurídico
ou de um impeachment, cuja fundamentação jurídica e política não é outra que a
necessidade de despojar o povo de seu mandato soberano.
Nada foi demonstrado sobre a vinculação do
ex-presidente Lula e da presidenta Dilma Rousseff com qualquer ato ilícito.
Porém dezenas de calúnias foram formuladas contra eles.
De qualquer forma, os poderes golpistas sabem atuar. E
atuam. Se não podem encontrar provas que confirmem as denúncias, podem criar
fatos que, diante da opinião pública surpresa e desconcertada, façam parecer
culpados os que não são. O Estado de Direito se desmorona quando um de seus
princípios de sustentação se desintegra diante das manobras autoritárias do
Poder Judiciário e o sistemático abuso de poder de uma Polícia que demonstrou
ser mais eficiente matando jovens pobres e inocentes do que controlando as
principais redes de delitos que operam no país.
Hoje, pela manhã, um amplo operativo policial invadiu a
residência do ex-presidente Lula e o deteve com um mandato de “condução coercitiva”.
Um mandato de condução coercitiva é um meio que dispõe
as autoridades públicas para fazer com que se apresente perante a Justiça
alguém que não tenha atendido anteriormente a uma intimação e cuja declaração
testemunhal é de fundamental importância para a causa penal. O risco de fuga ou
a periculosidade da pessoa, assim como seu descaso para com as intimações
judiciais, obrigam ao uso desse mecanismo coercitivo.
Seria razoável aplica-lo a um ex-presidente da
República que sempre se apresento para declarações, todas as vezes em que foi
solicitado?
Sim, se o que se deseja é humilhá-lo, destituí-lo de
autoridade, prostrá-lo, desmoralizar diante da opinião pública brasileira e do
mundo. Hoje os jornais e noticiários de todo o planeta mostraram um Lula levado
por uma Polícia Federal em meio a forte esquema de segurança. Mostram como se
fosse um delinquente. Não foi preso nem é culpado por coisa alguma em termos
jurídicos, é verdade. Porém, a quem importa isso? Parece “preso” e “culpado”.
Com isso basta, por agora.
Não devemos ficar surpresos que o fato ocorra menos de
uma semana depois dos festejos dos 36 anos do Partido dos Trabalhadores, quando
o ex-presidente Lula disse que, se for necessário e imprescindível, será ele
quem assumirá o desafio de apresentar-se como candidato das forças
progressistas a uma futura eleição presidencial. Ali, milhares de militantes
declararam o apoio e a solidariedade diante dos ataques recebidos.
A resposta da justiça golpista não demorou.
Há 25 anos escolhi o Brasil como o país em que queria
viver e criar meus filhos. Aqui passei quase a metade de minha vida. Como
intelectual, como militante e como brasileiro por escolha, sinto-me
profundamente envergonhado e indignado. Aqui não está em jogo qualquer causa
por justiça, a transparência nem o necessário combate à corrupção. Aqui está em
jogo um projeto de país e, não tenho dúvidas também, um projeto regional. O
golpe jurídico, policial e midiático que está sendo levado a cabo no Brasil não
é estranho à situação em que se encontra o continente e aos ventos que correm a
favor das forças conservadoras e neoliberais em toda a América Latina.
Tentam mudar a história, distorcendo-a a favor de seus
interesses antidemocráticos. Não vão conseguir.
Expresso aqui minha plena e fraterna solidariedade ao
ex-presidente Lula e sua família.
E o faço convencido de meu dever como responsável por
uma das maiores redes acadêmicas do mundo. Não escrevo estas linhas como
representante das instituições que compõem o Conselho Latino-americano de
Ciências Sociais (CLACSO) e nem, muito menos, em nome das pessoas que ali
desempenha seus trabalhos. Certamente, estou seguro que muitos são os que se
somarão ao grito de indignação diante de uma ofensiva que não conseguirá
diminuir nossa energia militante nem nosso compromisso inquebrantável com as
lutas pela transformação da sociedade democrática da América Latina.
Pablo Gentili.
Secretário Executivo do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO,
04/03/16. Tradução de Ernesto Germano.
Nota:
no próximo número voltaremos ao tema sobre as guerras promovidas pelos EUA.
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