'Grande mídia é a caixa de ressonância do golpe, mas Judiciário é o ator principal', diz sociólogo da Unicamp
Para Laymert Garcia dos Santos, professor do departamento de Sociologia da Unicamp, 'esse golpe é, antes de tudo, jurídico', com o Judiciário liderando estratégia de desestabilização 'em articulação com o Legislativo e com a grande mídia'
Na opinião de Laymert Garcia dos Santos, sociólogo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a grande mídia funciona como uma caixa de ressonância do golpe no Brasil, mas o grande ator desse processo é o Poder Judiciário. “Utiliza-se a lei de forma excepcional. Isso implica justamente dizer que o Estado de Direito é suspenso”, explica.
Nesse sentido, segundo Santos, a construção do discurso por meio do próprio Direito, através de apurações seletivas promovidas pela Operação Lava Jato, serviu para criminalizar a esquerda no país. “É justamente aí que entram os meios de comunicação para ganhar a chamada opinião pública. Eles funcionam como uma caixa de ressonância para tornar credível e aceitável uma única versão das coisas”, analisa.
Eduardo Vernizi / Brasil de Fato
Laymert Garcia dos Santos durante evento dos Advogados pela Democracia em Curitiba
Laymert Garcia dos Santos durante evento dos Advogados pela Democracia em Curitiba
Laymert Garcia dos Santos é Doutor em Ciências da Informação pela Universidade de Paris VII, Mestre em Sociologia das Sociedades Industriais pela Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS) e professor titular do departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Ele participou no dia 18 de maio de um encontro promovido pelo coletivo Advogados pela Democracia, que reúne juristas, professores e estudantes do Paraná em defesa da legalidade democrática no atual momento político do país.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Santos fala sobre o papel do Judiciário como articulador do golpe institucional em curso, da atuação dos grandes meios de comunicação na disputa do discurso sobre os acontecimentos e sobre a potencialidade da internet em construir novas narrativas para a esquerda.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: A leitura dos movimentos populares e de intelectuais progressistas é de que há um tripé que sustenta o golpe institucional contra a presidenta Dilma Rousseff, que envolve uma articulação de setores empresariais, parlamentares e do Judiciário, fomentada pelo apoio da grande mídia. Como o senhor enxerga essa leitura?
Laymert Garcia dos Santos: Eu acredito que a mídia seja muito importante nesse processo como caixa de ressonância de uma estratégia de desestabilização e de golpe. Mas, no meu entendimento, ela não é a cabeça. A cabeça dessa estratégia é o Judiciário, mas em articulação com o Legislativo e com a grande mídia. Então realmente existe este tripé. A questão é que precisamos colocar muito mais luz sobre o papel do Judiciário, incluindo o Supremo Tribunal Federal, porque se a gente só bate na Rede Globo e nos barões da mídia, e no Congresso, de certa maneira, a gente preserva um ator que foi fundamental nessa história para obter a inteligibilidade do golpe. Esse golpe é, antes de tudo, jurídico.
E que pontos podemos ressaltar nessa atuação do Judiciário?
A articulação se dá utilizando tecnologias jurídicas de um modo dentro da lei, mas ao arrepio da lei, com uma flexibilidade das regras do jogo. Utiliza-se a lei de forma paradoxal – ou para usar uma expressão que eu gosto mais –, de forma excepcional, porque isso implica justamente dizer que o Estado de Direito é suspenso. Então você tem a impressão de que está em um Estado de Direito, mas, na verdade, já está em um Estado de Exceção. E esse foi o papel que o Judiciário cumpriu, tanto o Ministério Público Federal, quanto a operação Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal, no sentido de fazer uma apuração seletiva da corrupção e de conseguir, através dessa apuração, criminalizar a esquerda. É justamente aí que entram os meios de comunicação para ganhar a chamada opinião pública. Eles funcionam como uma caixa de ressonância para tornar credível e aceitável uma única versão das coisas. E esse é o jogo que eu vejo como mais importante. Insisto no papel do Judiciário, pois ele está sendo muito poupado nesse processo.
Golpe no Brasil é 'completa negação da democracia', diz parlamentar trabalhista britânica
Itamaraty orienta diplomatas a 'combater ativamente' ideia de golpe no exterior
Após revelações de Jucá, impeachment ganhou 'ares de golpe', diz jornal francês Libération
PUBLICIDADE
Toda ação coletiva precisa disputar a narrativa que vai dar sentido ou não a uma determinada luta, como no caso das manifestações de rua. Como a esquerda tem se saído nisso?
A esquerda tem tentado disputar e tentado construir outra narrativa além da dominante. Em certo sentido, eu diria que, do ponto de vista das ruas, ela ganhou a batalha. Mas como ela não tem o aparato midiático a seu favor, o fato de ganhar a batalha das ruas não significa que ela ganha a guerra. Mas também há conquistas no discurso. Por exemplo, a palavra “golpe” pegou. No início do processo havia um conflito entre duas concepções, a de “golpe” e a de “impeachment”, e depois disso vimos que a narrativa do golpe foi criando raízes. Nas manifestações, começou a aparecer timidamente o “não vai ter golpe, vai ter luta”, e depois a ênfase maior foi dada ao “vai ter luta”. Então, nós percebemos que, apesar do aparato midiático, a esquerda conseguiu validar ou legitimar que o que está acontecendo é um golpe. A mobilização dos intelectuais e a construção – da qual participei também – de canais de esclarecimento à mídia internacional sobre o que estava acontecendo aqui também foi importante para que essa mídia internacional deixasse de comprar a versão de que se tratava de um impeachment constitucional.
A esquerda sempre se sentiu atacada pelo discurso da grande mídia. Mesmo assim, os governos do PT não levaram adiante a elaboração de um marco regulatório das comunicações no Brasil, nem quiseram rever as concessões públicas da Rede Globo, por exemplo. Como o senhor avalia essa atitude?
Nos anos 1980, quando eu era professor de jornalismo, tínhamos um curso sobre crítica da mídia. Já naquele tempo percebíamos que o PT não queria fazer a crítica da mídia. O PT tinha e mantém uma atitude ambivalente com a grande mídia. De um lado, eles querem ser reconhecidos pela mídia, então quando a mídia acena para eles, eles se derretem. E por outro lado, eles criticam a mídia, mas achando que, se a mídia topar fazer uma “troca de sinais”, não será necessário mexer nesse aparato. E eu penso que um dos pecados capitais dos governos populares foi justamente não ter atacado isso de frente, levando a regulação da mídia como uma questão chave. Então estão pagando um preço muito pesado agora. E não sei se já aprenderam.
Em 2013, houve uma mudança no cenário com as manifestações de junho que passa por uma articulação entre as redes e as ruas, surgindo uma novidade para vários espaços tanto da direita como da esquerda. Essa novidade, essa forma de fazer política, essa relação de massa com a tecnologia, foi apreendida pela esquerda?
Acredito que sim, de forma diferente de como foi apreendida pela direita. E também acho que de uma maneira mais inteligente. A direita tem a possibilidade – porque tem dinheiro – de lançar trolls [método para desestabilizar a discussão e as pessoas envolvidas] em massa, de utilizar dispositivos na internet de difusão de calúnia, de desinformação, etc. Mas ela não tem inventividade de usar a potência dos meios, e a capacidade caritativa, pois tem um discurso muito fechado, monolítico e de pura violência. Ela funciona na base da intimidação e da mentira. Se pegarmos a desconstrução do discurso da direita pela esquerda na internet, perceberemos que é muito mais inteligente o uso da potência dos meios pela esquerda do que pela direita, o que me faz ter mais raiva ainda dos governos populares e do PT por não ter sabido avançar na questão das mídias.
O senhor se negou a escrever um artigo para o jornal O Estado de S.Paulo nas vésperas da votação do impeachment na Câmara dos Deputados. Por quê? Disputar um espaço para uma opinião contrária à linha editorial de um grande veículo não é uma forma interessante de ganhar visibilidade?
Eu acho que essa atitude é necessária. Os grandes jornais sempre contaram com uma espécie de compreensão e leniência dos intelectuais que, de um lado, queriam aparecer na mídia e, de outro, se prestavam ao papel de fazer o pequeno contraponto. Jornais como o Estado de S. Paulo e a Folha de S.Paulo são 95% golpistas e ouvem 5% do outro lado, e você se presta ao álibi dele. Muito antes de começar essa história do golpe eu já não escrevia mais para a chamada grande imprensa e muitas vezes recusei entrevistas de televisão. Depois da questão do golpe, acredito que aceitar as condições deles é absolutamente impossível.
Temos saída para a construção de um discurso alternativo pela Internet?
A internet abriu uma possibilidade para nós de construir um discurso que vai bater de frente com o discurso da grande mídia. Mais do que brigar com eles, é importante brigar pela democratização radical da banda larga, pela alfabetização informacional da população inteira, porque aí é possível construir canais para que a própria população construa sua informação e encontre a informação a partir do lugar onde estão. Se acontecer isso, vai ser inevitável as pessoas se desconectarem da Globo, pois verão que ela [emissora] está sendo sacana com elas.
* Anderson Marcos dos Santos é Doutor em sociologia pela Unicamp, mestre em direito pela UFPR e professor de direito da Universidade Positivo.
Entrevista publicada originalmente no site Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário