Temer e Gilmar trucidaram o conceito de decência ao se encontrarem furtivamente no Jaburu. Por Paulo Nogueira
O pior pecado depois do pecado é a publicação do pecado.
Você sabe quanto gosto desta grande frase de Machado. O Machado certo, o de Assis, e não o Machado errado, o delator.
É exatamente isso que aconteceu quando Gilmar Mendes se esgueirou até Temer no Jaburu, na noite de sábado, para tratar sabemos bem o quê.
Citei Machado, o certo, e acrescento George Orwell, o gigantesco jornalista inglês de meados do século passado.
Orwell escreveu que os jornais são propriedade de homens ricos interessados em tratar de forma desonesta assuntos delicados.
Alguma relação com Marinhos, Frias, Civitas? Nenhuma, naturalmente.
Orwell defendia um conceito que ele definia como “common decency”. Numa tradução livre, decência básica.
A reunião furtiva de Temer e Gilmar infringe, melhor, trucida a “common decency” orwelliana.
Num momento em que pairam sob os eminentes magistrados do STF suspeitas pesadas de participação no golpe, é um acinte, uma bofetada, uma cusparada na sociedade que tal encontro tenha ocorrido.
É a demonstração de que Marcelo Rubens Paiva estava inteiramente certo quando disse em resposta a uma bravata de Toffoli, o pupilo de Gilmar, que nossas instituições são “uma merda”.
Sei que minha mãe reprovaria que eu use uma palavra tão vulgar, ela que era um exemplo de elegância ao falar, mas infelizmente não existe outra que defina tão bem as instituições brasileiras, algo comprovado pela ida de Gilmar ao Jaburu.
Espero sentado por um único editorial dos grandes meios que reprove a conduta de Gilmar e Temer. E serei obrigado a me deitar à espera de que os comentaristas da Globo, Folha etc notem o crime de lesa democracia representado pelo encontro.
Nem que Gilmar tivesse ido ao Jaburu para jogar tranca ou tomar chá isso teria sido decente.
Isto se chama golpe.
Sem surpresa, li num site da Globo a notícia. Estava escondida no pé de uma nota. O título destacava outra coisa.
Este é o estado de entorpecimento moral de outra peça das instituições putrefatas brasileiras, a imprensa plutocrata.
Gilmar — indicado por FHC, aquele que acoelhado fugiu de uma palestra em Nova York porque seria desmascarado pela plateia como golpista — simboliza o STF pavoroso do qual somos todos vítimas.
Faz muito tempo que ele, certo da proteção da mídia e da omissão de seus pares, age como um militante político raivoso e ensandecido e não como um juiz.
Ele escarnece todos os dias e todas as horas da sociedade, com suas palavras desonestas e seu horroroso sorriso debochado.
Gilmar já foi pilhado publicamente conversando com Bonner numa reunião de pauta do Jornal Nacional. Num mundo menos imperfeito, ele teria sofrido impeachment por aquela barbaridade.
Não é apenas a política que exige uma reforma radical, que se inicie pelo fim do financiamento privado das campanhas, a forma pela qual a plutocracia toma de assalto a democracia.
Tão importante quanto limpar a política do poder do dinheiro sujo e corrupto é fazer uma faxina na Justiça, especificamente no STF de Gilmar.
As futuras gerações nos chamarão de frouxos, covardes, pusilânimes se assistirmos de de bunda no sofá — desculpe, mãe — às manobras imundas do STF que está aí.
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