Ao mesmo tempo em que o governo enche a boca para tecer elogios à possibilidade de vender empresas estatais, as manchetes estampam o escândalo da Oi.
Paulo Kliass *
A turma que tomou de assalto o Estado brasileiro a partir do golpeachment em curso tem muita pressa. Tendo em vista as dificuldades políticas crescentes enfrentadas pelo presidente interino na condução de sua equipe cambaleante, aumenta a cada dia que passa a possibilidade de que a decisão definitiva do Senado Federal não corrobore a tese putschista.
Apesar de toda a blindagem proporcionada pelos principais órgãos de comunicação ao núcleo econômico de Temer, a realidade é que seu governo não consegue decolar de fato. A melhoria das chamadas “expectativas” do grande capital e do mundo empresarial privado é aspecto essencial para que haja uma reversão do quadro recessivo. Para tanto, contam bastante as impressões forjadas e divulgadas de forma ampla pela grande imprensa de que a equipe é competente, formada por profissionais de elevada capacitação e que não se deixariam influenciar pelo populismo do universo da política.
Pura balela! Não existe neutralidade técnica na definição e muito menos na condução da política econômica. Nem aqui, nem em qualquer outro país do mundo. Os principais responsáveis pela área da economia brasileira atualmente são pessoas que sempre mantiveram uma relação de profunda intimidade com os interesses do financismo. Assim, para além da continuidade da implementação do austericídio radicalizado, o grupo pretende aproveitar a circunstância para avançar ainda mais o processo de privatização.
Não há razão para privatizar.
Ocorre que o curso da História por vezes nos prega peças inesperadas. Para além das trapalhadas e desencontros de integrantes da equipe provisória, agora surge em cena outro obstáculo à tentativa de transferir parcela do patrimônio público ao setor privado a preço de banana. Assim, ao mesmo tempo em que o governo enche a boca para tecer elogios à possibilidade de vender empresas estatais, as manchetes estampam o escândalo da Oi.
A difícil situação fiscal que o Brasil atravessa atualmente tem sido utilizada como desculpa para retomar a venda de patrimônio público. A nomeação de experientes economistas tucanos ligados ao processo de privatização dos anos 1990 para posições estratégicas no governo não esconde a verdadeira intenção de Temer. Por trás do discurso relativo à necessidade de redução da dívida pública, são listadas empresas como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Empresas de Correios e Telégrafos, Instituto de Resseguros do Brasil e outros.
No entanto, o que poucos analistas do mercado financeiro revelam é que o valor patrimonial de tais empresas é muito pequeno face ao estoque da dívida da União. E mesmo esse dado de endividamento é ainda bastante modesto, quando comparado aos países do chamado mundo desenvolvido. Nossa relação “dívida pública bruta/PIB” encontra-se ainda abaixo dos 70%, índice que não apresenta nenhuma perspectiva catastrofista, como pretendem alguns propagadores do caos. Veja como está o caso de alguns países: Japão com 220%; Estados Unidos com 105%; Canadá com 100%; média da zona euro com 91%.
Um dos maiores exemplos de que a privatização não soluciona problemas estruturais de empresas e de mercados reside justamente no caso brasileiro das telecomunicações. O patrimônio público foi generosamente negociado com o capital privado, estimulado por um conjunto amplo de mecanismos de multiplicação dos ganhos para os novos proprietários. Assim, as operações foram contempladas com subavaliação do patrimônio público transferido, empréstimos generosos do BNDES, apoio financeiro dos fundos de pensão de empresas estatais e um sem número de bondades de natureza fiscal.
Oi: exemplo de eficiência do setor privado?
O discurso da maior eficiência do setor privado não resistiu aos primeiros anos da nova forma de gestão. As empresas foram se concentrando e se oligopolizando já sob o comando privado, tendo todo o apoio da administração pública para tal intento. Por outro lado, a agência reguladora (ANATEL) passou a pautar seu comportamento praticamente na condição de defensora dos interesses das empresas e não dos usuários do sistema de telecomunicações.
O caso da Oi tem seu início em 1998, quando a privatização de um conjunto de empresas estatais integrantes do antigo Sistema Telebrás permitiu a constituição da maior concessionária de telefonia, a Telemar. Ela reunia empresas de 16 estados da federação. O grupo foi crescendo e se expandindo, com a abertura em 2002 de um ramo para a telefonia celular, que foi batizado com o nome que marcaria o conglomerado a partir de então - Oi.
Como pano de fundo para as disputas internas dos diversos grupos controladores havia figuras como o banqueiro Daniel Dantas, os fundos de pensão ligados às empresas estatais (PREVI, PETROS, FUNCEF) e vários investidores privados (Camargo Correa e Jeressaiti, por exemplo). Na sequência, em 2008 houve a fusão com a Brasil Telecom e tal operação exigiu uma mudança casuística na Lei Geral de Telecomunicações. Esse era o caminho para eliminar os obstáculos legais existentes e tornar viável tal concentração de atividades de telefonia fixa e celular em uma única megaempresa.
A narrativa oficial sustentava a justificativas para as inúmeras inciativas de oferecer todo o tipo de suporte financeiro e logístico para esse enorme grupo em expansão. O principal argumento residia na necessidade da criação de mais um “gigante brasileiro” em condições de competir com as multinacionais que já dominavam o setor privatizado. Assim como havia feito com o grupo de Eike Batista, com o JBS e com os gigantes da construção civil, a aposta do governo seria com a Oi para as telecomunicações - a nossa super tele.
Ora, a verdade é que a realidade econômico-financeira do grupo não permitia que ele se sustentasse mais por ele mesmo, sem o suporte de políticas públicas. Fato esse ocorrido também com as demais empresas privadas do setor. Receberam e ainda recebem todo tipo de apoio para financiamento de suas atividades e para expansão de sua rede. Além disso, contavam com o beneplácito da ANATEL para a obtenção de tarifas com reajustes superiores às taxas de inflação e contratos com cláusulas abusivas e prejudiciais aos usuários. Tanto que o sistema brasileiro de telecomunicações opera com preços muito mais elevados do que a maioria dos países até os dias de hoje.
Privatização é um grande negócio para o capital.
O quadro de debilidade estrutural da Oi era conhecida há muito tempo por todos os que operavam no setor. E o segredo de polichinelo tornou-se finalmente público com o recente pedido de liquidação extrajudicial. A empresa privatizada e supostamente com maior eficiência na gestão deve nada mais nada menos do que R$ 65 bilhões a seus credores. Aliás, a aparente enormidade do valor devido não é um problema em si. A grande maioria das empresas na dinâmica capitalista se endivida com o intuito de financiar sua própria expansão. O parâmetro que mais interessa é justamente a avaliação da capacidade do desempenho empresarial no médio e longo para cumprirem com tais obrigações.
O que fica como registro e aprendizado é a falácia da privatização. No sentido oposto ao discurso liberal, a venda do patrimônio não desonerou os cofres públicos nem ofereceu ganhos sociais relevantes. As empesas foram vendidas a preços rebaixados, o Estado continuou aportando mais recursos para o capital privado e a sociedade ficou com um serviço caro e de péssima qualidade. Não por acaso as empresas de telefonia e os bancos são os campeões de reclamações junto aos organismos de defesa do consumidor.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Apesar de toda a blindagem proporcionada pelos principais órgãos de comunicação ao núcleo econômico de Temer, a realidade é que seu governo não consegue decolar de fato. A melhoria das chamadas “expectativas” do grande capital e do mundo empresarial privado é aspecto essencial para que haja uma reversão do quadro recessivo. Para tanto, contam bastante as impressões forjadas e divulgadas de forma ampla pela grande imprensa de que a equipe é competente, formada por profissionais de elevada capacitação e que não se deixariam influenciar pelo populismo do universo da política.
Pura balela! Não existe neutralidade técnica na definição e muito menos na condução da política econômica. Nem aqui, nem em qualquer outro país do mundo. Os principais responsáveis pela área da economia brasileira atualmente são pessoas que sempre mantiveram uma relação de profunda intimidade com os interesses do financismo. Assim, para além da continuidade da implementação do austericídio radicalizado, o grupo pretende aproveitar a circunstância para avançar ainda mais o processo de privatização.
Não há razão para privatizar.
Ocorre que o curso da História por vezes nos prega peças inesperadas. Para além das trapalhadas e desencontros de integrantes da equipe provisória, agora surge em cena outro obstáculo à tentativa de transferir parcela do patrimônio público ao setor privado a preço de banana. Assim, ao mesmo tempo em que o governo enche a boca para tecer elogios à possibilidade de vender empresas estatais, as manchetes estampam o escândalo da Oi.
A difícil situação fiscal que o Brasil atravessa atualmente tem sido utilizada como desculpa para retomar a venda de patrimônio público. A nomeação de experientes economistas tucanos ligados ao processo de privatização dos anos 1990 para posições estratégicas no governo não esconde a verdadeira intenção de Temer. Por trás do discurso relativo à necessidade de redução da dívida pública, são listadas empresas como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Empresas de Correios e Telégrafos, Instituto de Resseguros do Brasil e outros.
No entanto, o que poucos analistas do mercado financeiro revelam é que o valor patrimonial de tais empresas é muito pequeno face ao estoque da dívida da União. E mesmo esse dado de endividamento é ainda bastante modesto, quando comparado aos países do chamado mundo desenvolvido. Nossa relação “dívida pública bruta/PIB” encontra-se ainda abaixo dos 70%, índice que não apresenta nenhuma perspectiva catastrofista, como pretendem alguns propagadores do caos. Veja como está o caso de alguns países: Japão com 220%; Estados Unidos com 105%; Canadá com 100%; média da zona euro com 91%.
Um dos maiores exemplos de que a privatização não soluciona problemas estruturais de empresas e de mercados reside justamente no caso brasileiro das telecomunicações. O patrimônio público foi generosamente negociado com o capital privado, estimulado por um conjunto amplo de mecanismos de multiplicação dos ganhos para os novos proprietários. Assim, as operações foram contempladas com subavaliação do patrimônio público transferido, empréstimos generosos do BNDES, apoio financeiro dos fundos de pensão de empresas estatais e um sem número de bondades de natureza fiscal.
Oi: exemplo de eficiência do setor privado?
O discurso da maior eficiência do setor privado não resistiu aos primeiros anos da nova forma de gestão. As empresas foram se concentrando e se oligopolizando já sob o comando privado, tendo todo o apoio da administração pública para tal intento. Por outro lado, a agência reguladora (ANATEL) passou a pautar seu comportamento praticamente na condição de defensora dos interesses das empresas e não dos usuários do sistema de telecomunicações.
O caso da Oi tem seu início em 1998, quando a privatização de um conjunto de empresas estatais integrantes do antigo Sistema Telebrás permitiu a constituição da maior concessionária de telefonia, a Telemar. Ela reunia empresas de 16 estados da federação. O grupo foi crescendo e se expandindo, com a abertura em 2002 de um ramo para a telefonia celular, que foi batizado com o nome que marcaria o conglomerado a partir de então - Oi.
Como pano de fundo para as disputas internas dos diversos grupos controladores havia figuras como o banqueiro Daniel Dantas, os fundos de pensão ligados às empresas estatais (PREVI, PETROS, FUNCEF) e vários investidores privados (Camargo Correa e Jeressaiti, por exemplo). Na sequência, em 2008 houve a fusão com a Brasil Telecom e tal operação exigiu uma mudança casuística na Lei Geral de Telecomunicações. Esse era o caminho para eliminar os obstáculos legais existentes e tornar viável tal concentração de atividades de telefonia fixa e celular em uma única megaempresa.
A narrativa oficial sustentava a justificativas para as inúmeras inciativas de oferecer todo o tipo de suporte financeiro e logístico para esse enorme grupo em expansão. O principal argumento residia na necessidade da criação de mais um “gigante brasileiro” em condições de competir com as multinacionais que já dominavam o setor privatizado. Assim como havia feito com o grupo de Eike Batista, com o JBS e com os gigantes da construção civil, a aposta do governo seria com a Oi para as telecomunicações - a nossa super tele.
Ora, a verdade é que a realidade econômico-financeira do grupo não permitia que ele se sustentasse mais por ele mesmo, sem o suporte de políticas públicas. Fato esse ocorrido também com as demais empresas privadas do setor. Receberam e ainda recebem todo tipo de apoio para financiamento de suas atividades e para expansão de sua rede. Além disso, contavam com o beneplácito da ANATEL para a obtenção de tarifas com reajustes superiores às taxas de inflação e contratos com cláusulas abusivas e prejudiciais aos usuários. Tanto que o sistema brasileiro de telecomunicações opera com preços muito mais elevados do que a maioria dos países até os dias de hoje.
Privatização é um grande negócio para o capital.
O quadro de debilidade estrutural da Oi era conhecida há muito tempo por todos os que operavam no setor. E o segredo de polichinelo tornou-se finalmente público com o recente pedido de liquidação extrajudicial. A empresa privatizada e supostamente com maior eficiência na gestão deve nada mais nada menos do que R$ 65 bilhões a seus credores. Aliás, a aparente enormidade do valor devido não é um problema em si. A grande maioria das empresas na dinâmica capitalista se endivida com o intuito de financiar sua própria expansão. O parâmetro que mais interessa é justamente a avaliação da capacidade do desempenho empresarial no médio e longo para cumprirem com tais obrigações.
O que fica como registro e aprendizado é a falácia da privatização. No sentido oposto ao discurso liberal, a venda do patrimônio não desonerou os cofres públicos nem ofereceu ganhos sociais relevantes. As empesas foram vendidas a preços rebaixados, o Estado continuou aportando mais recursos para o capital privado e a sociedade ficou com um serviço caro e de péssima qualidade. Não por acaso as empresas de telefonia e os bancos são os campeões de reclamações junto aos organismos de defesa do consumidor.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Créditos da foto: Beto Barata
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