'Temer é um retrocesso em termos de Direitos Humanos'
Especialista em direitos humanos questiona o governo interino e medidas como a espionagem a políticos do PT e líderes de movimentos sociais
Nada de golpe “brando”. Com o passar dos dias, ficou demonstrado que a destituição de Dilma Rousseff derivou num regime autoritário de aparência institucional e naturaleza despótica, que passou a criminalizar o PT, obstruir as viagens da presidenta e espionar o ex-mandatário Luiz Inácio Lula da Silva.
Aliados do presidente interino Michel Temer já fazem alusões a um possível uso da Lei Antiterrorista contra aqueles que participem de prováveis protestos e bloqueios de estradas durante os Jogos Olímpicos, em agosto.
“Este governo é uma regressão, Temer é um perfeito retrocesso, com sua equipe de ministros conservadores, com claras convicções reacionárias, que não têm nenhum respeito pelos direitos humanos e pela moral pública” declarou Luiz Cláudio Cunha, um reconhecido especialista em direitos humanos, que integrou a Comissão da Verdade sobre a ditadura, instalada e concluída durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff.
Na semana passada, policiais com armamento pesado e uniformes de guerra invadiram a sede do PT em São Paulo, com o objetivo de suscitar “um espetáculo midiático para criminalizar o partido”, denunciou o presidente da legenda, Rui Falcão. Simultaneamente, o ex-ministro Paulo Bernardo era detido pela Polícia Federal, acusado de corrupção. O doutor em Ciências Políticas Robson Sávio Reis Souza escreveu que semelhante uso da força revela “uma caça às bruxas ao melhor estilo de Torquemada”, cujo propósito é intimidar o partido de Dilma e Lula.
Depois dessa invasão, Temer disse aos meios governistas (que são praticamente todos os da chamada “grande imprensa”) que perseguição à principal força política opositora era algo próprio da “ordem” constitucional e não cabia nenhuma crítica.
Antes disso, Temer havia ordenado que Dilma fosse privada parcialmente do uso de aviões da Força Aérea Brasileira, apesar de ter o direito de usá-lo, já que não deixou de ser presidenta, apesar do processo de impeachment no Senado.
A restrição dos voos de Dilma e a ordem judicial que proibiu a entrega de fundos estatais ao PT, recursos que todos os partidos envolvidos no golpe continuam recebendo, limitam objetivamente os direitos políticos de Dilma, que mesmo assim viajou a vários estados, onde encabeçou atos com massiva participação popular.
“Estamos vendo como a inteligência e a boa fé não parecem ser bons conselheiros de Michel Temer. Ao montar este governo de direita, ele tomou medidas preocupantes, como a que tirou o status de ministério da Secretaria de Direitos Humanos”, afirma Luiz Cláudio Cunha, nesta entrevista.
Autor de um dos melhores e mais agudos livros sobre a Operação Condor no Brasil, Cunha questiona que uma das primeiras medidas adotadas pela nova administração seja a de ressuscitar o Gabinete de Segurança Institucional.
Espionagem política
O chamado “golpe brando” colocou em vigor uma semidemocracia que, ao que parece, restaurou a espionagem política como instrumento, como na época do SNI (Serviço Nacional de Informações), criado em meados de 1964, pouco depois da destituição do presidente João Goulart, como recorda Cunha.
O diário Folha de São Paulo informou em reportagem recente que o ex-presidente Lula foi monitorado pelo atual governo durante suas reuniões que teve com líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. “É inevitável que este governo termine aderindo a métodos como a espionagem política, é algo coerente com a sua concepção”, comenta Cunha.
“Também há informações que indicam que a Agência Brasileira de Inteligência, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, passou a ter como missão investigar os movimentos sociais, principalmente os dos camponeses sem terra (MST), uma organização que, assim como outras agrupações sociais urbanas, tiveram plena liberdade de ação durante os governos do PT, inclusive porque essas organizações foram importantes focos de apoio aos governos de Lula e Dilma”.
– Parecem ser muitas as violações à ordem democrática.
– Após pouco mais de um mês (o governo interino assumiu no dia 12 de maio), podemos dizer que este é um dos mais desastrosos inícios que uma administração pública já teve na história brasileira. Temer não designou nenhuma mulher para integrar o seu ministério, num país habitado por 103 milhões de mulheres, que são 51,4% da população. Não contente com essa omissão escandalosa, ele rebaixou a hierarquia da Secretaria das Mulheres, que passou a ser comandada por uma evangélica, que é contrária ao direito de aborto em casos de estupro, o que significa que a funcionária contraria o que a lei brasileira estabelece sobre o tema. Além de demonstrar seu desprezo pelos direitos das mulheres, Temer evidenciou o mesmo desprezo pelos direitos humanos em geral, ao designar como chefe do Gabinete de Segurança Institucional o general Sérgio Etchegoyen, um homem que possui fortes laços, inclusive familiares, com a linha mais dura da ditadura.
– Que tipo de laços?
– Sérgio Etchegoyen é um general de quatro estrelas. Seu pai, Leo Etchegoyen, está incluído na lista de 377 agentes do Estado responsáveis por crimes durante a ditadura, indicados no informe apresentado pela Comissão Nacional da Verdade. Diferente do que alega o próprio Sérgio, a Comissão da Verdade não atuou por vingança, e sim para esclarecer a violência militar e a verdade histórica. Se o pai do general integrava o aparato do Estado que matou e torturou pessoas, isso quer dizer que foi um dos militares que escolheu o lado errado da história, o lado do golpe militar. Em 1979, o general Leo Etchegoyen era chefe do Estado Maior do II Corpo do Exército, e portanto responsável pelo centro de torturas onde atuou o coronel Brilhante Ustra, o torturador que foi reivindicado pelo deputado Jair Bolsonaro em abril deste ano, quando deu seu polêmico voto em favor abertura do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff homenageando um dos homens que a torturou em prisão.
– O general então criticou a Comissão da Verdade.
– Exatamente. Em dezembro de 2014, quando foi apresentado o documento final da Comissão da Verdade, o agora chefe do Gabinete de Segurança Institucional Sérgio Etchegoyen foi o único general em atividade que confrontou publicamente a Comissão. E apesar de ter como antecedente esse ataque ao valioso trabalho realizado pela Comissão, ou talvez exatamente por ter feito isso, como forma de premiá-lo pela atitude, Temer o nomeou como um dos personagens notáveis do novo governo, com um cargo importantíssimo, cujo escritório fica dentro do Palácio do Planalto.
– Qual foi a posição adotada por Dilma Rousseff quando o trabalho da Comissão da Verdade foi questionado, em 2014?
– Dilma teve o mérito de instalar a Comissão da Verdade, mas também o demérito de não defendê-la contra as persistentes tentativas de sabotagem que sofreu por parte dos comandantes militares, que sempre foram hostis a respeito das investigações. Em sua condição de ex-guerrilheira, de presa política, de torturada e de sobrevivente da ditadura, ela não deveria ter sido omissa como foi nessa disputa entre a Comissão da Verdade e as Forças Armadas. Lamentavelmente, temos que reconhecer que o Brasil avançou pouco em termos de direitos humanos. Enquanto os países mais importantes da região instalaram comissões para averiguar a verdade no mesmo ano em que suas ditaduras caíram, no Brasil da eterna conciliação foi preciso esperar longos 27 largos anos, de 1985 a 2012, para a criação da Comissão da Verdade, por iniciativa do governo de Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato. Os cinco primeiros presidentes civis posteriores à ditadura – José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva – lamentavelmente foram indiferentes diante do tema.
Tradução: Victor Farinelli
Aliados do presidente interino Michel Temer já fazem alusões a um possível uso da Lei Antiterrorista contra aqueles que participem de prováveis protestos e bloqueios de estradas durante os Jogos Olímpicos, em agosto.
“Este governo é uma regressão, Temer é um perfeito retrocesso, com sua equipe de ministros conservadores, com claras convicções reacionárias, que não têm nenhum respeito pelos direitos humanos e pela moral pública” declarou Luiz Cláudio Cunha, um reconhecido especialista em direitos humanos, que integrou a Comissão da Verdade sobre a ditadura, instalada e concluída durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff.
Na semana passada, policiais com armamento pesado e uniformes de guerra invadiram a sede do PT em São Paulo, com o objetivo de suscitar “um espetáculo midiático para criminalizar o partido”, denunciou o presidente da legenda, Rui Falcão. Simultaneamente, o ex-ministro Paulo Bernardo era detido pela Polícia Federal, acusado de corrupção. O doutor em Ciências Políticas Robson Sávio Reis Souza escreveu que semelhante uso da força revela “uma caça às bruxas ao melhor estilo de Torquemada”, cujo propósito é intimidar o partido de Dilma e Lula.
Depois dessa invasão, Temer disse aos meios governistas (que são praticamente todos os da chamada “grande imprensa”) que perseguição à principal força política opositora era algo próprio da “ordem” constitucional e não cabia nenhuma crítica.
Antes disso, Temer havia ordenado que Dilma fosse privada parcialmente do uso de aviões da Força Aérea Brasileira, apesar de ter o direito de usá-lo, já que não deixou de ser presidenta, apesar do processo de impeachment no Senado.
A restrição dos voos de Dilma e a ordem judicial que proibiu a entrega de fundos estatais ao PT, recursos que todos os partidos envolvidos no golpe continuam recebendo, limitam objetivamente os direitos políticos de Dilma, que mesmo assim viajou a vários estados, onde encabeçou atos com massiva participação popular.
“Estamos vendo como a inteligência e a boa fé não parecem ser bons conselheiros de Michel Temer. Ao montar este governo de direita, ele tomou medidas preocupantes, como a que tirou o status de ministério da Secretaria de Direitos Humanos”, afirma Luiz Cláudio Cunha, nesta entrevista.
Autor de um dos melhores e mais agudos livros sobre a Operação Condor no Brasil, Cunha questiona que uma das primeiras medidas adotadas pela nova administração seja a de ressuscitar o Gabinete de Segurança Institucional.
Espionagem política
O chamado “golpe brando” colocou em vigor uma semidemocracia que, ao que parece, restaurou a espionagem política como instrumento, como na época do SNI (Serviço Nacional de Informações), criado em meados de 1964, pouco depois da destituição do presidente João Goulart, como recorda Cunha.
O diário Folha de São Paulo informou em reportagem recente que o ex-presidente Lula foi monitorado pelo atual governo durante suas reuniões que teve com líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. “É inevitável que este governo termine aderindo a métodos como a espionagem política, é algo coerente com a sua concepção”, comenta Cunha.
“Também há informações que indicam que a Agência Brasileira de Inteligência, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, passou a ter como missão investigar os movimentos sociais, principalmente os dos camponeses sem terra (MST), uma organização que, assim como outras agrupações sociais urbanas, tiveram plena liberdade de ação durante os governos do PT, inclusive porque essas organizações foram importantes focos de apoio aos governos de Lula e Dilma”.
– Parecem ser muitas as violações à ordem democrática.
– Após pouco mais de um mês (o governo interino assumiu no dia 12 de maio), podemos dizer que este é um dos mais desastrosos inícios que uma administração pública já teve na história brasileira. Temer não designou nenhuma mulher para integrar o seu ministério, num país habitado por 103 milhões de mulheres, que são 51,4% da população. Não contente com essa omissão escandalosa, ele rebaixou a hierarquia da Secretaria das Mulheres, que passou a ser comandada por uma evangélica, que é contrária ao direito de aborto em casos de estupro, o que significa que a funcionária contraria o que a lei brasileira estabelece sobre o tema. Além de demonstrar seu desprezo pelos direitos das mulheres, Temer evidenciou o mesmo desprezo pelos direitos humanos em geral, ao designar como chefe do Gabinete de Segurança Institucional o general Sérgio Etchegoyen, um homem que possui fortes laços, inclusive familiares, com a linha mais dura da ditadura.
– Que tipo de laços?
– Sérgio Etchegoyen é um general de quatro estrelas. Seu pai, Leo Etchegoyen, está incluído na lista de 377 agentes do Estado responsáveis por crimes durante a ditadura, indicados no informe apresentado pela Comissão Nacional da Verdade. Diferente do que alega o próprio Sérgio, a Comissão da Verdade não atuou por vingança, e sim para esclarecer a violência militar e a verdade histórica. Se o pai do general integrava o aparato do Estado que matou e torturou pessoas, isso quer dizer que foi um dos militares que escolheu o lado errado da história, o lado do golpe militar. Em 1979, o general Leo Etchegoyen era chefe do Estado Maior do II Corpo do Exército, e portanto responsável pelo centro de torturas onde atuou o coronel Brilhante Ustra, o torturador que foi reivindicado pelo deputado Jair Bolsonaro em abril deste ano, quando deu seu polêmico voto em favor abertura do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff homenageando um dos homens que a torturou em prisão.
– O general então criticou a Comissão da Verdade.
– Exatamente. Em dezembro de 2014, quando foi apresentado o documento final da Comissão da Verdade, o agora chefe do Gabinete de Segurança Institucional Sérgio Etchegoyen foi o único general em atividade que confrontou publicamente a Comissão. E apesar de ter como antecedente esse ataque ao valioso trabalho realizado pela Comissão, ou talvez exatamente por ter feito isso, como forma de premiá-lo pela atitude, Temer o nomeou como um dos personagens notáveis do novo governo, com um cargo importantíssimo, cujo escritório fica dentro do Palácio do Planalto.
– Qual foi a posição adotada por Dilma Rousseff quando o trabalho da Comissão da Verdade foi questionado, em 2014?
– Dilma teve o mérito de instalar a Comissão da Verdade, mas também o demérito de não defendê-la contra as persistentes tentativas de sabotagem que sofreu por parte dos comandantes militares, que sempre foram hostis a respeito das investigações. Em sua condição de ex-guerrilheira, de presa política, de torturada e de sobrevivente da ditadura, ela não deveria ter sido omissa como foi nessa disputa entre a Comissão da Verdade e as Forças Armadas. Lamentavelmente, temos que reconhecer que o Brasil avançou pouco em termos de direitos humanos. Enquanto os países mais importantes da região instalaram comissões para averiguar a verdade no mesmo ano em que suas ditaduras caíram, no Brasil da eterna conciliação foi preciso esperar longos 27 largos anos, de 1985 a 2012, para a criação da Comissão da Verdade, por iniciativa do governo de Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato. Os cinco primeiros presidentes civis posteriores à ditadura – José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva – lamentavelmente foram indiferentes diante do tema.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Lula Marques
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