quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A Marcha da Juventude Camponesa

A Marcha da Juventude Camponesa

Não de trata apenas de aplicar tecnologias que convivam com o semiárido: eles querem terra para quem não tem, pois conhecem o sofrimento de não ter terra.


Najar Tubino, da ASPTA
Luciano Silveira/AS-PTA
Remígio (PB) – Polo da Borborema – Foi a primeira marcha de jovens do campo ocorrida no Brasil e reuniu cerca de mil jovens. Um trabalho, que na verdade é consequência de 20 anos de organização sindical, pois o Polo conta com 15 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, além de 150 associações comunitárias, distribuídas em 14 municípios. A Marcha percorreu o centro da cidade, que tem em torno de 25 mil habitantes, iniciando com uma confraternização  ao  lado da Igreja Matriz, que é de 1893 e encerrado do outro lado da cidade, onde havia outro palco e uma feira da agricultura familiar. Trata-se de um evento de protesto, porém, feito com alegria, criatividade e muito bom humor.
 
“- Querido amigo, querida amiga! Meu nome é Marcelania. Sou filha de Rosália e Itamir e moro no sítio Serra Alta, em Queimadas-PB. Tenho dois irmãos que moram no Rio de Janeiro. Eu escolhi ficar por aqui mesmo, pois adoro o lugar onde nasci e cresci. Tenho muito orgulho do que sou e agradeço a meus pais por isso, pois sei que eles sofreram muito para que eu e meus irmãos chegássemos onde estamos hoje. Não tenho muitas coisas materiais, mas tenho fé, amor, solidariedade, conhecimento, etc., valores que meus pais me ensinaram  a ter e carregar sempre comigo”, trecho do depoimento publicado nas Cartas da Juventude do Campo, da ASPTA.
 
Aqui está  a minha vida
 
Mais um trecho:





 
“- Aqui na Serra Alta, faço de tudo um pouco, crio alguns animais como ovelhas, gado e galinhas; planto feijão, milho, fava e etc. No período da colheita o que mais gosto de colher é feijão, mas também gosto de virar o milho, embora eu tenha que fazer de tudo. Quando chega o fim da colheita, geralmente, o meu pai vende uma parte e guarda a outra parte para o nosso consumo e o consumo dos animais, e para o plantio do próximo ano. O meu dia a dia não é só na agricultura, também ensino os jovens e adultos, mas não pretendo deixar o meu lugar. Aqui está a minha vida, onde vivi e vi muita coisa, pois quando era criança a minha vida não foi nada fácil. Só o meu pai trabalhava e não tinha carteira assinada. Naquele tempo recebia 7,00 reais por dia. Nós morávamos na casa que foi da minha avó.”
 
No Polo da Borborema o povo trabalha em cima de alguns assuntos estratégicos: recursos hídrico, agrobiodiversidade, criação animal, saúde, alimentação, cultivos ecológicos e comercialização. É um sistema fechado ponta a ponta, executado com intercâmbios, capacitação e visitas de campo. A teoria se discute dentro do sítio ou do lote no assentamento. E em 20 anos de atuação da rede do Polo da Borborema produziu mudanças na paisagem e na vida das pessoas. Certamente o Polo da Borborema é um dos territórios mais avanças do Brasil, em termos de políticas públicas que dedram resultado, na organização social, política e cultura e na criatividade.
 
Uma enxurrada de gargalhadas
 
No seminário realizado no dia 27, no Hotel Fazenda Triunfo, em Areia, cerca de 20 km de Remígio, os participantes, na sua maioria os jovens da Marcha, realizaram uma alteração na dinâmica de grupo. Primeiro formaram duplas de parceiros, depois tinham um minuto para se apresentar. E, na hora da apresentação geral, eles trocavam de identidade. Então quem tinha uma parceira mulher falava como mulher, quando eram dois homens invertiam a identidade. E isso provocou uma enxurrada de gargalhadas. Aqui no Polo da Borborema a gente chora com o sofrimento, com a alegria da vitória, mas na maior parte do tempo dá inúmeras gargalhadas. Parece mais um festival de humor do que um evento político, social e cultural.
 
Já estava um tanto quanto cansado e resolvi escutar os depoimentos do Bar do Saulo, bem ao lado da Praça da Matriz. Tomando uma gelada, é claro. O Bar do Saulo é o ponto de referência no Centro de Remígio. E tem banheiro que todo mundo usa. Tem coco espalhado por todo lado, umas mesas de PVC e uma televisão ligada quase no último volume. Ele usa óculos escuros e não tem um dedo da mão. Todas as pessoas que passavam pela calçada, não interessa se criança, jovem, mulher, adulto, idosos, todos paravam para conversar com Saulo. Claro, depois descobri que ele quer ser candidato a vereador, depende da concordância da família. Uma moça encontra o tio, pede benção e beija a mão dele. Velhas camionetes da Crevolet, tipo Furgão, numeradas, não param de correr, porque a avenida que corta Remígio também é a estrada intermunicipal. Os furgões fazem o transporte entre os municípios, a passagem mais barata é R$2,50 e a mais cara R$9.
 
Alex é um jovem agricultor de 16 anos, terceiro filho de Gerusa e José, em uma família de mais quatro irmãos, Kátia de 8 anos, Fernanda de 18 anos, Artur de 20 anos e Alisson de 11. Todos vivem na propriedade de 2,5ha no sítio Cachoeira de Pedra D’Água, município de Massaranduba-PB:
 
“- Alex conta, que através do seu envolvimento no grupo de jovens no Sindicato já participou de atividades como oficinas de enxertia, sal mineral, mudas e canteiros econômicos e também já foi a muitas visitas de intercâmbio e encontros em outros municípios e estados. O jovem também recebe constantemente  visitas de outros jovens para falar de sua experiência.”, da publicação Folha Agroecológica, da ASPTA.
 
A luta dos jovens do Polo da Borborema que é um exemplo de sucesso para todo o Brasil também enfrentou as barreiras da família, daquela do tipo que o pai não deixam o filho executar uma mudança na propriedade, uma planta nova ou um biodigestor, como escutei no seminário. O filho chega com a ideia, cava um buraco grande, quase dois metros, depois compra o material de alvenaria e surge algo como uma cisterna. O pai e a mãe estão curiosos. “Vai ser uma cisterna”, para armazenar água. Ele diz, não, vai ser um biodigestor. E aí, eles não sabem o que é um biodigestor, que armazena bosta de animais, e na fermentação armazena o metano, que é o gás de cozinha.
 
Depois de pronto e funcionando, o pai e a mãe todos sorridentes, levam os vizinhos para conhecer. Olha o que nós fizemos, e a acende a boca do fogão. Tem gente que não acredita que o fogo da bosta queima. A Cida, lá em Porto da Folha, Sergipe, me contou que tem vizinho que bota a mão na chama para acreditar que ela queima.
 
Os brasileiros do nordeste, na minha modesta opinião são os brasileiros mais criativos que existem nesse país. É sempre um prazer vir trabalhar no semiárido. E a consciência não é apenas de aplicar tecnologias que convivam com o semiárido, não, eles querem terra para quem não tem, porque sabem o sofrimento que significa alguém no campo não ter terra para produzir. Um adendo: conta uma lenda, que o nome Remígio veio da bronca de um padre que xingava os mal educados que insistiam em mixar na rua. Dizia ele: esse povo mija e remija na rua, não tem educação.


Créditos da foto: Luciano Silveira/AS-PTA

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