CARTA ABERTA AO STF
JEFERSON MIOLA
Senhoras Juízas e senhores Juízes do
Supremo Tribunal Federal:
Neste ano de 2016, a democracia e a
segurança jurídica do país estão sendo gravemente atacadas.
O impeachment da Presidente do Brasil,
iniciado naquela sessão da Câmara dos Deputados de 17 de abril que horrorizou o
mundo, angaria crescente desconfiança na população brasileira e em toda a
comunidade internacional.
O esforço retórico para caracterizar o
impeachment como um processo regular à luz da nossa Constituição, unicamente
porque observou a liturgia formal, não consegue, todavia, aplacar a
desconfiança que assoma a consciência democrática brasileira e mundial.
O rito formal, em um processo
jurídico-político como o impeachment, é um imperativo para o transcurso correto
do julgamento. Mas somente isso não é suficiente.
A solenidade institucional; a mera
observância da liturgia não garante, em si mesmo, que o julgamento seja legal e
justo. Para que seja um julgamento justo e legal, é obrigatória a existência de
fundamento jurídico indiscutível; o chamado crime de responsabilidade
preceituado na Constituição de 1988.
Muito se questiona, no Brasil e no
estrangeiro, por que a Presidente Dilma foi julgada e, mais importante: por que
ela foi cassada? Em que pese a ampla divulgação das acusações contra a
Presidente nos meios de comunicação, até mesmo as mentes medianamente
informadas não conseguem entender a causa concreta para ter havido o
impeachment.
Aliás, neste processo todo, mais que as
eventuais acusações contra a Presidente, o que teve assimilação pública geral
foi a revelação de que os ideólogos da tese para julgá-la não são funcionários
públicos isentos e imparciais, mas militantes partidários engajados na causa
oposicionista, que montaram o que a imprensa internacional caracteriza como uma
farsa, para viabilizar um golpe de Estado jurídico-parlamentar acobertado pelos
grupos de mídia.
A ética, a legalidade e a moralidade
pública, neste caso, sucumbiram tragicamente à [cínica] razão política.
A inexistência de fundamentos jurídicos
para a abertura do processo contra a Presidente Dilma, que finalmente evoluiu
para sua cassação por uma maioria parlamentar do Senado no último dia 1º de
setembro, é fator de forte contestação e indignação popular.
Por conta disso, o país vive um momento
de grave crispação e que, tudo indica, deverá se acirrar ainda mais, à medida
que o governo ilegítimo e usurpador impuser políticas que carecem da
legitimidade que somente a soberania popular pode conferir.
O acirramento da conflitividade social
causado pelo impeachment da Presidente Dilma sem causa, canaliza para o Supremo
Tribunal Federal – última instância no país –, a esperança derradeira de que a
justiça e a confiança possam ser restabelecidas.
Neste momento em que a democracia se
defronta com a circunstância mais ameaçadora à sua sobrevivência desde o fim da
ditadura civil-militar e o início da transição, em 1985, a preservação do
Estado de Direito depende, mais que em qualquer outra ocasião da história, da
capacidade do STF em restituir a integridade jurídica e institucional do
sistema.
Por isso é imperativo que cada Juiz e
cada Juíza da Suprema Corte do país se pronuncie para declarar se existiu,
efetivamente, crime de responsabilidade que possa justificar a cassação do
mandato da Presidente Dilma.
Para a preservação da nossa democracia e
para a proteção da nossa Constituição, é necessário que o STF confirme, de
maneira indiscutível, a existência de crime de responsabilidade que poderia ter
consubstanciado o acolhimento do pedido de impeachment pela Câmara dos
Deputados, assim como o definitivo julgamento no Senado Federal.
Se a Suprema Corte se esquivar dessa
responsabilidade e lavar as mãos ante o que pode ser uma violência perpetrada
contra o Estado de Direito, estará definitivamente contribuindo para a
emergência de um regime de exceção, no qual a sociedade não mais é governada
pelas normas, pelas regras, pelas Leis e pela Constituição, porque passa,
perigosamente, a ser governada pelas vontades de eventuais maiorias que se
agrupam para mudar as regras estabelecidas a qualquer tempo, de acordo com o
seu jogo de interesses.
A democracia, mais que um princípio
universal, é a arma sagrada do povo para se proteger de toda forma de tirania e
de todas as imposturas autoritárias disfarçadas com o verniz da falsa
normalidade institucional.
Por isso é fundamental que os senhores
juízes e as senhoras juízas do STF respondam a essa pergunta objetiva: afinal,
houve crime de responsabilidade para o impeachment da Presidente Dilma, ou tudo
não passou de mero pretexto para a perpetração de um golpe de Estado?
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